domingo, 27 de dezembro de 2009

Viagem


(regresso à origem)

sábado, 26 de dezembro de 2009

Sexo - Uma pequena experiência

Vejamos qual a variação na média de visitas ao blog, a partir do post número 69, que por sinal é este.

Uma porta

Estaciono o carro em frente ao número 37. Desligo a ignição, desaperto o cinto de segurança, olho para o espelho retrovisor para confirmar que estou ali, que é real a minha presença. Abandono o lugar do condutor, e fecho a porta do carro sem fazer qualquer ruído, pois infantilmente temo acordar a noite. Atravesso a rua e dirijo-me ao portão verde.
Paro, olho para cima e vejo um vulto atrás da cortina que cobre a janela iluminada do primeiro andar. Abro o portão e começo a caminhar sobre o cascalho, em direcção à porta da casa. Sinto um olhar cravado em mim, um olhar que acompanha todos os meus movimentos, que segue todas as minhas intenções, como se não as conhecesse.
Chego à porta. Tento abri-la, mas está trancada. A porta é completamente lisa, sem maçaneta, sem fechadura. Nenhuma das chaves que trago pode ser usada. Procuro a campainha, assim como o batente Verifico que não existem.
O desespero faz-me bater na porta. Primeiro apenas com os nós dos dedos, devagar, em surdina. Depois, violentamente, com os punhos, até me magoar e magoar os ouvidos alheios, com um ruído ensurdecedor impossível de ignorar. Ninguém abre a porta.
Olho para cima. O vulto continua extático. Não se moveu um centímetro, não pestanejou, não desviou o olhar de mim.
Sinto-me cansada, prestes a desistir. Dou meia volta e dirijo-me para a saída, para o portão verde. Regresso ao carro, entro, aperto o cinto de segurança, olho pelo espelho retrovisor, para confirmar de novo a minha presença naquele local, ligo a ignição e arranco. Regresso ao meu reduto.
Não sei quantas vezes repeti estes gestos. Já perdi a conta. Todos os dias percorro o mesmo caminho. Todos os dias encontro uma porta fechada. Todos os dias espero inutilmente que a abram. Todos os dias regresso a casa sem que a porta seja aberta.
Voltarei amanhã?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Decisões


Hoje, de tarde, decidi abrir a janela dupla do quarto e respirar o ar que circula no exterior. Olhei em redor, para verificar a estabilidade da paisagem. Escutei atentamente os sons familiares. Senti nas narinas os odores imutáveis. Tudo se mantém inalterado.
Inclinei a cabeça para trás e contemplei o céu. Peguei na máquina fotográfica e desatei a disparar contra ele. Senti uma necessidade incontrolável de o gravar, de o eternizar. Essa será a forma de me recordar. Este céu é o meu reflexo, a metáfora da minha existência. Um pedaço azul límpido, a esperança, a crença. As finas nuvens claras, a dúvida, a indecisão. As negras densas que se sobrepõe, o desânimo, o medo.
Urge que o céu seja, aliviado para que o sol brilhe, para que a terra aqueça.
Urge uma tempestade de chuva, uma tempestade de decisões.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Desesperança

Estou no cimo da escadaria.
Vejo-te a abrir caminho por entre a multidão, em direcção à saída. Olhas em frente mas não vês o que te rodeia. Vês apenas o reflexo dos teus pensamentos, das cogitações que te põe a mente em rebuliço e que te absorvem os sentidos. Vais de encontro aos corpos que se movimentam ao som da música. Derramas um copo de cerveja sobre um homem vestido de azul. Ele olha-te com um ar furioso e ameaça-te. Não reages ao olhar, não ouves a ameaça. Continuas a andar e a chocar contra todos os que se intrometem entre ti o teu objectivo.
A meio caminho da porta, levantas o olhar. Algo te cativa a atenção. Talvez uma luz mais intensa, talvez o brilho de um par de brincos, talvez um top branco debaixo de uma luz roxa. Uma expressão de espanto estampa-se no teu rosto. Cruzas os teus olhos com os meus. Demoras o olhar. Percorres-me o corpo com as pupilas. Uma expressão simultaneamente doce e felina assoma-te ao rosto. Mudas de direcção. Começas a dirigir-te a mim.
De repente, uma mulher que te seguia puxa-te o braço. Faz-te voltar à tua realidade. Voltas a recordar-te do teu destino. A falta de convicção volta a apoderar-se do teu olhar. Desvias-te de novo em direcção à porta. O desânimo toma conta dos teus membros. A mulher que te acompanha, qual manipuladora de marionetas, guia-te a vontade. Deixas de controlar os teus movimentos, a orientação dos teus passos. Vais por onde te ordenam. Antes de desapareceres, cruzas de novo o olhar com o meu. Pedes-me desculpa pela falta de coragem. Abandonas a sala para sempre. Deixas ficar a esperança a pairar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Devagar

Devagar, muito devagarinho, em silêncio, o caminho vai sendo percorrido.
À minha frente vejo apenas o vazio frio, impessoal, desesperante.
Devagar, muito devagarinho, quase imperceptivelmente, a distância vai-se encurtando.
Consigo vislumbrar um contorno, uma silhueta, ao longe, muito longe.
Devagar, muito devagarinho vou-me aproximando.
Forma-se uma imagem nítida, focada, mas sem detalhes definidos
Devagar, muito devagarinho começo a afastar-me.
Poderá ser apenas uma miragem, uma ilusão de óptica a criar esperanças vãs.
Devagar, muito devagarinho, resolvo aproximar-me de novo, já sinto que estou a chegar.
E lá está ele à minha espera.
Devagar, muito devagarinho, chego, vou ancorar, confirmo.
O meu mundo inteiro espera-me.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Quebra-cabeças

Ela gosta muito de resolver quebra-cabeças. Charadas, sopas de letras, sudoku, ... Um destes dias, entrou-lhe pela porta adentro um enigma em forma de puzzle. Uma pequena caixa, com umas centenas de peças, com não mais que 1 cm2 de área cada. As peças eram brancas, com uns riscos pretos. Na caixa, não vinha qualquer imagem de referência para a construção do referido puzzle.
Curiosa e aventureira como é, lá começou a tentar colocar as peças em posição, para que se formasse uma imagem lógica. Tarefa hercúlea, uma vez que nenhuma delas parecia encaixar na outra. Mas ela, com uma persistência que raia a teimosia, não se deixou vencer pela dificuldade e aos poucos foi conseguindo juntar algumas peças. Descobriu então, que se tratava de uma imagem composta por frases soltas espalhadas por uma folha de papel branco. Letras e palavras manuscritas a negro, numa caligrafia simétrica, mas não infantil. Frases espalhadas em diferentes direcções. Começou por ler Quer-se. Juntou mais algumas peças e apareceu Não devia ter sido. Após dias de tentativas e erros, de troca de lugar das peças, surgiu no papel Não se quer. Começou a ficar confusa. Nada daquilo fazia sentido. As frases eram ambíguas, sem um fio condutor, incongruentes, contraditórias. No entanto, continuou na sua tarefa. Pediu ajuda a alguns amigos para entender a possível lógica subjacente. Os amigos opinaram. As opiniões foram também divergentes. Esqueceu-as. Continuou a construir. Foram aparecendo mais frases. Não. Sim. Não é possível. Intervalo. A confusão era cada vez maior. Por várias vezes apeteceu-lhe desistir. Não se achava à altura do ofício. Mas aos poucos novas letras surgiam. Talvez. Hoje. Amanhã. Não se sabe. O número de peças começava a diminuir. Sentia que a sua vida estava suspensa até à resolução total da questão. Não via um fio condutor. Pensava que tinha perdido tempo inutilmente.
Finalmente terminou a construção. As peças acabaram. Foi composta a última frase. É melhor assim. Fez-se luz na sua mente. Aquela frase era a ponta da meada que unia toda a escrita. A mensagem foi compreendida, o quebra-cabeças resolvido. Uma sensação de alívio percorreu-a. Tudo começou a fazer sentido. Já poderia continuar a viver a sua vida. Poderia, agora que tinha compreendido a mensagem, actuar em conformidade.
No entanto, reparou em algo estranho. As bordas do Puzzle tinham saliências para encaixar novas peças. Não conseguia compreender porquê, uma vez que já não existiam peças para encaixar.
Ontem compreendeu. Chegou-lhe a casa mais uma caixa de peças, e apenas uma instrução.
"O puzzle tem três dimensões. Tem a forma de um cubo".
Esperam-na mais 5 lados. Está ansiosa por recomeçar a jogar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Desejos

É inverno. É noite. Está frio. O céu está coberto de estrelas.
Escrevo apenas com a luminosidade do écran, com o brilho das constelações.
Estou de regresso ao meu sítio, à escada do jardim que me serve de pilar. Observo o rasto de condensação que a minha respiração deixa no espaço aéreo. Um rasto de vapor de água. Um rasto de vida. Um rasto que confirma a existência, que confirma que não sou apenas mais uma personagem num sonho de alguém.
Lá dentro, o calor do aquecimento ameniza o ar, conforta a pele. Lá dentro, o calor do aquecimento entorpece os sentidos e a razão.
Cá fora, a ouvir os sons da noite, a olhar os milhares de pontos de luz que iluminam o horizonte, sou capaz de comunicar comigo, sou capaz de encadear pensamentos, sou capaz de me encontrar.
Uma estrela cadente acabou de cruzar o céu. Extingue-se em segundos. Fico absorvida pela beleza da luz que emitiu.
A superstição diz que se deve formular um desejo. Deveria ter formulado um desejo. Não o fiz. A descrença não permitiu. O meu único desejo não é realizável.

E apesar de tudo,

a terra continua a girar á volta de si própria e a terra continua a girar à volta do sol.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sépia


(abriu-se a porta à cor)

O primeiro beijo

Ontem, encolhida no sofá, enrolada numa manta quentinha, a ouvir a chuva a cair lá fora, decidi rever o filme da minha vida. E chorar baba e ranho, como acontece cada vez que estas imagens começam a desfiar no écran. Esses momentos que passo em frente à televisão, atenta a cada gesto, a cada palavra proferidas, são para mim, uma espécie de terapia de reconstrução, de renovação da esperança.
É um filme simples, sem grandes adereços. É feito da paisagem, dos dois protagonistas e de um turbilhão de sentimentos. É feito de uma história de amor, vivida em quatro dias. É feito de esperança e desânimo. É feito de escolhas e de dilemas. É feito de eternidade.
Hoje, dei por mim a pensar numa das cenas do filme. Provavelmente não será a mais emblemática, mas é sem dúvida uma das que me faz sonhar.
É a cena do primeiro beijo. Um beijo dado numa cozinha, no meio de uma dança.
Os olhos dela cruzam-se com os dele e cerram-se, com receio do que está iminente. O coração dela bate a mil à hora. O dele está prestes a rebentar. Ela encosta a face ao seu ombro, num movimento de protecção. Encosta o seu rosto ao dele, num movimento de provocação. Aos poucos, ele consegue afasta-la de si, apenas o espaço necessário para lhe voltar a olhar os olhos. Diz-lhe uma pequena frase, que não é mais que o riscar do fósforo:
- If you want me to stop, tell me now. - (dito num tom de voz de cowboy cansado).
E as defesas dela caem por terra. E o desejo que a consumia, que consumia ambos vence. Desajeitadamente, cheia de medo de não estar à altura, a sentir-se como uma adolescente sem experiência, move a cabeça à procura dos lábios dele. Toca-os ao de leve com os seus. Afasta-se milímetros e responde-lhe:
- No one is asking you to stop. - (com um sotaque italiano e ar desafiador).
E finalmente beijam-se, devagar, sem pressas. Olham-se nos olhos. Sorriem-se. Voltam a beijar-se. E esquecem-se do mundo à volta.
Ontem não foi bem ontem. Hoje não é bem hoje. Ontem já foi há uns dias. Hoje é todos os dias.
E a memória dos primeiros beijos é eterna.

O som que acompanha a imagem

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Uma poisentia


(uma excepção)

Viagens de Avião

Toda a gente que eu conheço tem medo de andar de avião. Pronto, não será bem toda a gente, mas a maioria das pessoas que conheço evita andar de avião. E mesmo os que dizem que não têm medo, não são propriamente entusiastas dos caminhos aéreos. Eu não tenho medo nenhum de andar de avião. Aliás, adoro andar de avião. Admito que as turbulências me aceleram o batimento cardíaco. Mas isso acontece porque não gosto de ser abanada. Além disso, parece que o avião decide sempre tremer na hora da refeição, o que é meio caminho andado para a comida começar a derramar-se sobre mim. Ora, não é uma imagem muito agradável, aos olhos de quem anda por um aeroporto, ver sair do avião, uma rapariga coberta de puré de maçã, sumo de laranja ou café, entre outros. Mas abanões à parte, para mim, viajar de avião, é sempre uma aventura, uma excitação, um motivo de entusiasmo. E não consigo compreender o medo que tais viagens parecem causar à maioria dos mortais.
Para mim, a aventura começa com a viagem até ao Aeroporto. Essa é a única altura em que viajo de táxi, na minha cidade. Adoro quando me sai um carro daqueles à moda antiga, preto com o tejadilho verde. São os meus preferidos. Entro no táxi e digo a frase da ordem:
- É para o aeroporto, por favor.
Invariavelmente, o taxista é um homem com mais de 45 anos e, invariavelmente pergunta:
- A menina vai viajar?
Como a mala gigante que me acompanha parece não esclarecer essa questão, eu respondo que sim, e a viagem de cerca de 20 minutos decorre em amena cavaqueira. Fala-se do local para onde irei viajar, do trânsito, de como é difícil ser taxista, da crise... E eis que chegamos ao aeroporto. Quando avisto o aeroporto da minha cidade sinto-me como se estivesse num filme sobre o futuro. Tubos de metal encaixados entre si, entrecortados com vidro ou acrílico. Luz que vem do céu e se estende por todo o lado. Corredores amplos, muito limpos, onde circulam meia dúzia de passageiros e centenas de assistentes de terra com fardas de cores diferentes. Um arco-íris de funcionários, à disposição dos passageiros, para lhes facilitar a viagem. O aeroporto da minha cidade é muito moderno e foi recentemente premiado com o selo de melhor do mundo (categoria - aeroportos com menos de 5 milhões de passageiros). É um dos orgulhos da cidade. A verdade é que, efectivamente, é um dos melhores onde já estive, e posso dizer que já embarquei e desembarquei em alguns.
Dirijo-me, então ao balcão, faço o check-in, peso as malas, entrego o passaporte. Sim, porque eu recuso-me a viajar sem passaporte, mesmo quando vou para a UE. É um dos rituais que não dispenso. Viajar sem passaporte, não me sabe a viajar.
E depois do check-in? O café obrigatório no bar do aeroporto. Provavelmente o último café tragável, que beberei até ao meu regresso. Por muito mau que seja, é sempre melhor que qualquer café que se beba num país estrangeiro. Tem o gosto das memórias do dia-a-dia, tem o gosto do meu país.
Depois a passagem pelo controlo de passageiros, a revista, o raio-X da carteira. Gosto de imaginar as coisas que o controlador de raio-X vê, através da íris da máquina. Basta uma imagem mais escura e toca a tirar tudo para fora. É a confusão total de frascos e moedas e batons e papéis e espelhinhos... Divirto-me com tudo isto. Afinal o problema era só o porta-chaves em forma de tesoura. Reposta a ordem e os objectos na carteira, inicia-se a entrada no avião.
É nesta altura que a adrenalina começa verdadeiramente a crescer. Procuro o lugar que me está reservado e instalo-me. O capitão liga os motores, inicia a manobra de marcha-atrás e entra na pista.
Dá-se, então, o ponto alto da viagem, o pico da excitação. O acelerar dos motores, o rápido deslizar pela pista, o momento em que se perde o contacto com o chão, a subida a pique. É por este momento que espero desde que compro o bilhete de avião. A sensação é a do início de uma aventura. Um arrepio forte na espinha, uma sensação de abismo no fundo das costas. Sinto-me como uma criança que acabou de entrar num parque de diversões pela primeira vez. E mesmo após viagens e viagens, parece-me sempre a primeira vez. Adoro descolar.
E depois o decorrer da viagem. A possibilidade de observar pessoas, analisar comportamentos, descobrir os medos, inventar personagens, criar histórias. Uma diversão que é apenas interrompida pela refeição e pela turbulência. Qualquer pessoa que tenha algum interesse pelo comportamento humano, pode ter, durante uma viagem de avião, momentos riquíssimos de estudo. Quem serão aquelas pessoas? Para onde vão? O que as leva a viajar? Aquele ali está a suar por todos os poros. Parece ansioso com algo. O outro ouve música aparentando descontracção. A rapariga que viaja com o namorado está a rir-se à gargalhada, está animadíssima. O miúdo que viaja com o avô não se cala um segundo... As histórias que se poderiam escrever a bordo de um avião.
Finalmente a aterragem. O contacto dos pneus com o solo. O desembarque. O cheiro do ar de outro país ou outra cidade, que nunca é igual ao odor na hora da partida. E a eminência de repetir tudo de novo, no regresso.
E depois de tudo isto, poderá ainda haver quem sinta medo ou desassossego? Não consigo mesmo compreender.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Para o que havia de lhe dar...

- Fazemos bodas de prata!! - Dizemos ambas, quase em uníssono, cheias de orgulho e com a pretensão de fazer inveja a todos os que nos rodeiam.
Pois, é verdade, já nos conhecemos há 25 anos. E já somos amigas há 25 anos. Há idades em que não há tempo a perder, e em que as amizades se fazem em segundos. Os 10 anos são uma idade assim. E esta amizade foi feita assim, em segundos, à porta de uma sala de aulas, de uma escola que já não existe. E esta amizade manteve-se intacta por todos os segundos destes 25 anos, sem que nada a abalasse.
- O que posso escrever sobre ela? - pergunto eu aos meus botões.
Desde que a conheço, o seu coração foi sempre enorme, e parece continuar a crescer. Às vezes penso que tem que o dobrar ou amarfanhar para lhe caber no peito, de tão grande que é. A sua generosidade é do tamanho do mundo. E ao Mundo, conquista-o com um sorriso, porque o seu sorriso é capaz de iluminar os dias tristes. Faz amigos por todo o lado por onde passa. É das poucas pessoas que conheço, que tem muitos bons amigos. E nunca se cansa deles. E eles nunca se cansam dela. Não poderiam. Ela, no meio da sua constância, é sempre uma novidade.
É bonita, inteligente, culta, doce, meiga, afectuosa. E é tão lírica. A sua inocência, por vezes deixa-me louca, por não a deixar ver que a humanidade é perigosa. Mas também tenho muito orgulho nela e na coragem que tem.
É persistentemente teimosa. É distraída. Cozinha bem, apesar de todos negarem e criticarem as suas experiências científicas feitas no laboratório da cozinha. Confesso que, na maior parte das vezes, lhe correm bem e ficam deliciosas.
Adoro estar com ela e sair com ela, e fugir para casa dela e ser mimada por ela. Adoro as conversas na cozinha, de madrugada, acompanhadas de uma garrafa de vinho tinto, de pão e de queijo.
- É a minha amiga mais antiga. - Continuo eu cheia de orgulho. Temos tantas histórias em conjunto. Invariavelmente é a minha primeira confidente. A pessoa a quem revelo as mais inconsequentes loucuras em que me vejo envolvida. Sei que nunca me julga. Sei que me dá sempre apoio, mesmo quando não concorda comigo e faz questão de o deixar vincado. Porque não sabe ser desonesta, porque não sabe mentir, porque é uma das pessoas mais correctas que conheço.
É um dos meus portos de abrigo. E faz-me tanta falta. E queria tanto tê-la aqui, á distância de um passo. E não vou dizer que é a minha melhor amiga. Porque já não é isso que é. Para mim, já é irmã, a irmã que nenhuma de nós têm, e que a mim tanta falta faz.
- Para o que havia de lhe dar agora. - Continuo.
Lembrou-se de pedir, via e-mail, para escrevermos sobre ela. E quando digo pedir, estou a usar um eufemismo, porque na verdade, foi uma quase ordem, como ela escreve "uma intimação". E pediu anonimato. E eu desobedeci. E escrevi aqui. E destrui a minha identidade secreta. Depois de lerem este post, poucos serão os que nos conhecem, que não me identificarão. Mas apeteceu-me gritar ao mundo. Espalhar aos sete ventos o que ela é para mim. Não que fosse segredo. Não que haja ainda alguém que não tenha percebido. Mas porque ela pediu. E se ela precisou de pedir, eu interrogo-me:
- Será que lhe dizemos vezes suficientes? Será que lhe dizemos tudo? Será que lhe dizemos de forma a que ela compreenda?

Urgência(s)

Ela sempre fora muito ansiosa. Tinha sempre urgências. Nas filas, estava sempre à frente de tudo, de todos, e quando não estava, arranjava maneira de se pôr. Quando caminhava, quase corria, com passos firmes, que se ouviam ao longe. Quem a conhecia, quando ouvia tal ruído, já sabia que era ela quem se aproximava, e que, com ela, vinha sempre alguma bomba. Ela própria era uma bomba-relógio de vontades urgentes. Procurava o que aspirava com afinco. Expressava os seus desejos com assertividade. Por vezes, exigia com agressividade que os satisfizessem. E não aceitava um não como resposta. Nunca aceitava um não como resposta. E a verdade é que acabava sempre por ter o "sim pretendido". Todos lhe satisfaziam as vontades e os caprichos.
Um dia, conheceu alguém que não gosta de pressas. Alguém que percorre vagarosamente os caminhos da vida, ao ritmo dos tempos antigos. Alguém que a deixou confusa, por mostrar indiferença face à urgência das suas intenções. Ela tentou impor-lhe a sua vontade, quase a ferros, mas nada se alterou. O desdém, a insensibilidade do interlocutor face às suas vontades era atroz. Essa criatura só respondia se lhe apetecia, quando lhe apetecia, e ao ritmo que desejava. A confusão tinha-se instalado. Deixou-a furiosa. Quem era aquela criatura que ousava desafiar a ordem imposta? Porque não lhe obedecia?
Aos poucos, foi tentando compreender o que se passava. Reorganizou os seus pensamentos e compreendeu que não poderia continuar a fazer das corridas o caminho para a satisfação. E, então, começou a refrear-se. A impaciência que a caracterizava começou a esbater-se e a dar lugar a alguma languidez, por vezes encenada. Foi aprendendo a paciência, aos poucos e poucos. Deixou de andar a correr. Começou a andar mais lentamente, rebolando devagarinho as ancas, qual actriz de filme dos anos 30. Sem cair na invisibilidade, tornou-se menos evidente. Deixou de procurar com tanto afinco e ficou à espera de ser procurada. Por vezes, faz de conta que não vê, que aquilo por que anseia lhe passa à frente dos olhos. Mostra-se, ora distraída, ora demasiado concentrada nos seus pensamentos. Outras vezes, demora o olhar, quando passa, mostrando ao de leve o que a faz mover. Há dias em que não sorri sequer, em que exibe apenas o seu lado menos disponível. Há dias em que apenas mostra um sorriso camuflado. Há dias em que ri com gargalhadas ruidosas, para se fazer notar. Resolveu deixar a vida fluir, sem pressas, sem a ansiedade de chegar o mais cedo possível. Continua a controlar o seu destino, mas sem urgência. Os seus desejos continuam a ser satisfeitos, mas agora muito muito devagarinho.
Aprendeu que a conquista ,quando tem tempo, quando flui sem impaciência, deixa nos lábios um sabor a fruta madura, acabada de colher.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Chegada

Vens e vais e vens e vais e vens e vais,

como a maré de um oceano inquieto.

domingo, 29 de novembro de 2009

sábado, 28 de novembro de 2009

Mulher

Na adolescência eras uma rapariga contida. Olhavas-te ao espelho e abominavas a imagem reflectida. Vias um patinho feio, desprovido da esperança de se ver transformado em cisne. Observavas as outras raparigas á tua volta. Todas te pareciam mais belas, mais interessantes, com vivências mais aventurosas. Refugiavas-te na cognição. Era esse o teu trunfo. Era no conhecimento, nas capacidades de análise e de síntese, que te escondias. Era com elas que te defendias, que atacavas o mundo. Ocupavas o teu tempo, a tua consciência com leituras, escritas, exercícios de matemática, conjugações de verbos em línguas estrangeiras...
Os rapazes eram para ti um segredo, um mistério.
Estabelecias, com alguns, contactos visuais, mas não te deixavas ir mais além. O receio da recusa, não te permitia sair do perímetro de segurança que estabeleceras. A rejeição era o teu maior pesadelo. Por isso mantinhas-te à distância, impedias-te de arriscar.
Foste crescendo. Aos poucos, os rapazes, agora homens, começaram a olhar demoradamente para ti, a procurar a tua presença. Estranhavas. Não acreditavas. Pensavas que "esses" deveriam ter algum defeito grave. Mas eles não desistiam. E aos poucos, começaste a acreditar que te olhavam porque abanavas algo no seu mundo.
E então começaste a mudar. Há já algum tempo que a contenção não é a tua principal característica. Esquecida das inseguranças da adolescência, tornaste-te numa rapariga expansiva, capaz de exprimir desejos de uma forma assertiva. Andas na rua com as costas direitas, com o queixo levantado. O som dos teus saltos ecoa pelos locais onde circulas. És bonita, tens um corpo apetecível. Fazes virar cabeças quando passas. Vestes-te bem, de acordo com a moda. Conversas à vontade sobre qualquer tema. Mesmo quando não dominas o tópico da conversa, tens sempre uma tirada inteligente. Na maior parte das vezes, ninguém consegue perceber a tua ignorância. Tens sucesso. Um bom salário. Tudo em ti denota confiança, capacidade para vencer. Poderias ser alvo de uma reportagem numa dessas revistas para mulheres, como modelo de auto-estima promovida.
Um destes dias encontramo-nos. Tomamos um café num desses sítios onde só vai gente bonita.
Pareceste-me algo triste. Perguntei-te qual o motivo.
Confessaste-me, à mesa do café, que não tens tido "sorte" com os homens. Que és abordada com frequência. Alguns dos sujeitos até se revelam interessantes, aos teus olhos. Mas, no final do primeiro encontro, percebes que não irão voltar a ver-se. Por vezes, cruzas-te com algum, mais tarde. Invariavelmente está acompanhado por uma rapariga desinteressante e amorfa.
E perguntaste-me.
- O que tenho eu de mal?
E eu respondi-te.
- Olhas os homens de igual para igual. Podes competir com eles. Podes até vence-los. E isso é  algo que eles não conseguem ultrapassar, que temem mais que tudo. Metes-lhes medo.
E tu olhaste o horizonte. Sorriste. E secretamente amaldiçoaste todas as incendiárias de soutiens.

Renascimento




É noite.
A inquietude que me atravessa conduz-me, novamente, às escadas do jardim. Está frio. A noite traz consigo uma humidade que se entranha na pele. Contudo, este é o lugar onde, inexplicavelmente, me sinto aconchegada. É o meu porto de abrigo.
Olho em volta. Algo acabou de explodir dentro de mim. Encontro pedaços do meu ser espalhados por todo o lado, até ao horizonte. Em simultâneo vejo milhares de pontos de luz a iluminar a paisagem negra. Percebo, ao olhar em redor, que todas as referências familiares estão nos seus lugares. Nada à minha volta mudou. Levanto-me. Mentalmente apanho cada caco da minha existência. Junto-os no regaço. Começo a desfaze-los em areia. Moldo uma nova configuração. A pouco e pouco, a minha essência adquire nova forma. Invade-me uma sensação de serenidade. Sinto-me reconstruída, recriada, renascida. Pronta para recomeçar a viver.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Os dias

Há dias que são cheios de nada.
Hoje foi um dia cheio de muita coisa,
quase cheio de tudo.
São estes dias que guardamos na memória.
São estes dias que nos adormecem a sorrir.

domingo, 22 de novembro de 2009

Descobrimentos

Ontem, quase por um acaso, e dentro de uma ansiedade perfurada aqui e ali por um tédio sem fim, fiz uma descoberta. E essa descoberta, qual cereja de fim de verão, levou-me a outra descoberta e a outra e a outra. E cheguei ao fim do dia a sentir-me um Pedro Álvares Cabral da Internet, um Bartolomeu Dias da blogosfera.
E agora, sou uma descobridora, pejada de pequenas memórias doces. Ei-las.
Manhãs e manhãs e manhãs de alegria contagiante.
Uma personalidade genuína, cheia de encanto.
Músicas da minha infância.
Encontros furtivos em Festivais de Verão.
Tardes de loucura e televisão.
Um encontro. Uma troca breve de olhares. Algumas palavras provocatórias.
Uma mensagem.
Uma música a pedido.
Um belo rapaz.
Algo que em outras vidas poderia ter sido, mas nunca foi...

sábado, 21 de novembro de 2009

Amo-te

Amo-te não é apenas uma palavra difícil de dizer. É acima de tudo, uma palavra perigosa, capaz de originar verdadeiras catástrofes emocionais. Por isso, resolvi bani-la do meu vocabulário. Estou, aqui, hoje, a quebrar o exílio a que a confinei. Passo a explicar. Sou uma rapariga assertiva, que não tem medo de qualquer palavra. Quando sentia que estava na altura certa, não hesitava em dizer ao objecto do meu afecto “Amo-te”. Disse-o 4 vezes a quatro pessoas diferentes. E foi a desgraça.
O primeiro dos sujeitos, ficou branco como a cal, a primeira vez que a ouviu. Começou a gaguejar. Disse ser muito novo para essas coisas e acabou com o romance. Não valorizei. Afinal, o rapaz apenas tinha 15 anos, tal como eu. Pensei:
- Se calhar foi cedo demais.
Voltei a dizer amo-te, uma série de anos mais tarde. Tinha 20 anos. Namorava há 6 meses com um colega de faculdade. Um dia, enquanto víamos o pôr-do-sol, numa esplanada da Foz, disse-lhe carinhosamente: - Amo-te tanto. Ficou comovido. Com os olhos marejados de lágrimas. Respondeu-me que também me amava. Passados dois dias, apareceu-me com um anel de noivado. Já tinha tudo planeado. Iríamos casar daí a 3 meses. Viveríamos num anexo ao fundo da casa dos seus pais. Teríamos claro, que trabalhar a meio-tempo, deixando de dar prioridade à faculdade. Pouco a pouco fui-lhe mostrando que era um plano algo arriscado e que deveríamos ter alguma cautela. Entendeu-o como uma rejeição e acabou o namoro 15 dias depois. Obrigou-me a devolver-lhe o anel, com muita pena minha. Já me tinha afeiçoado.
A terceira pessoa a quem disse amo-te, entrou na minha vida por acidente. E quando digo por acidente, quero mesmo dizer que foi devido a um acidente. Pouco tempo depois de ter acabado o namoro com o senhor nº 2, tive um acidente de carro. O rapaz que conduzia o outro carro era lindíssimo. Foi um verdadeiro cavalheiro na condução das negociações face à participação às companhias de seguros. Trocamos contactos telefónicos. Resolvida a situação, telefonou-me e convidou-me para tomar um café. Acedi. Daí até começarmos a namorar, foi um passo rápido. Durante 3 meses vivemos dias de entendimento perfeito. Um dia, estávamos no cinema, e no meio de uma cena romântica disse-lhe em surdina, ao ouvido, a fatal palavra. Amo-te. Não me respondeu. Ficamos em silêncio o resto do filme. Em silêncio continuamos enquanto me levava a casa. Em silêncio nos despedimos. No dia seguinte recebi um e-mail, de conteúdo algo desagradável, no qual me chamava rapariga leviana. Ao que parece, o rapaz ficou zangado por considerar que não era aquele o local próprio para se dizer tal palavra. Acabou o namoro por e-mail e pediu-me que não mais o procurasse.
A última vez que  disse a trágica palavra, foi há muito pouco tempo. E desta vez, foi com um objectivo algo diabólico. Namorava com um rapaz há uns meses. Estava um bocado entediada e não via forma de me livrar do mesmo. O rapaz idolatrava-me cada poro da pele. Não me largava um só segundo. Sufocava-me com as suas atenções. Um dia, resolvi testar a hipótese que tinha desenvolvido já. A hipótese de que a palavra amo-te é catastrófica. Numa despedida ao final da noite lancei: –Amo-te. O pobre rapaz ficou tristíssimo. Não aceitava que tivesse sido eu a primeira a dizê-lo. Queria ter sido ele. Os sentimentos que tinha desenvolvido por mim eram de tal ordem, que procurava o conjunto de palavras certo para se declarar. Naquele momento eu tinha-lhe retirado tal oportunidade. Encetamos uma discussão acerca do assunto, que culminou com um: “-Assim não dá.”, da minha parte. Acabamos o namoro após 3 dias de reflexão.
Desde então, aboli a palavra amo-te do meu vocabulário. Não mais a usarei.
A versão te amo, em português do Brasil será uma experiência a considerar. Mas parece-me que o resultado será igualmente catastrófico.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Noite

Tudo no dia é dor. Tudo no dia, me dilacera os sentidos.
A claridade do céu pesa-me sobre os ombros,
A luz do sol incendeia-me as pupilas,
O verde dos plátanos fere-me a pele,
O bater de asas das gaivotas ensurdece-me.
Idolatro a coruja, que guarda a noite, que caça silenciosa.
Alimento-me do luar que esconde os seres clandestinos.
Encanto-me com as sombras alongadas, dos vultos furtivos
Enfeitiço-me com o silêncio majestoso da escuridão.
Quero parar a rotação da terra. Quero prolongar a noite.
Porque apenas a noite me traz à memória.
Tudo o que o dia teima em apagar.

Fantasmas

Os fantasmas que assombram as tuas noites impedem-me de dormir. Sinto-os a toda a hora na cama que partilhamos. Enfiam-se entre nós. Revolvem-te o corpo e a mente. Agitam-te o sono.
E eu não durmo, para poder velar o teu repouso, para te proteger dos males do passado.
E tu nem sequer queres ser protegido.
Perpetuas o teu sofrimento para te manteres vivo. Enalteces a tua dor, que dizes ser a maior de todas. Escarneces do pesar dos outros. Dizes que não é cotejavel com o teu.
Vais-me deixando ficar, mas manténs intacto o muro que criaste entre nós.  Não me deixas entrar na tua pele. Não me deixas invadir-te o conhecimento.
Escreves, falas, cantas.  Dás-me a ler as tuas cartas, serves-me as tuas palavras, fazes-me entoar as tuas canções. Mas nenhuma das tuas palavras é para mim. Não sou eu a tua musa.
Há dias em que me chamas para ti. Pareces querer fazer-me tua. Mas rapidamente voltas atrás. Rapidamente me esqueces. Sem aviso, refugias-te no passado. E eu fico sozinha. E percebo.
Não te faço falta. Não me queres. Nunca me quiseste. Jamais me quererás.
E eu não tenho coragem para partir.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Era... fora.

A vida posta em suspenso por milhares de segundos.
Um gesto pernicioso repetido até à exaustão.
O alheamento, de braços elevados.
Gritos amestrados de zombie .
Um quase esquecimento.
A repentina e dolorosa lembrança.
O pretérito imperfeito que se transforma, mais uma vez, em  mais-que-perfeito.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Quero...

...flutuar qual balão pleno de hélio, rumar à estratosfera, evadir-me do concreto, inebriar-me com o ar rarefeito das altitudes.
Quero inspirar o silêncio ensurdecedor do cosmos.

domingo, 15 de novembro de 2009

Amor

Antes de te conhecer a minha vida era cheia. Cheia de tarefas, actividades, amizades, romances, namoros, aventuras. Cheia de encontros e desencontros, de momentos de felicidade e de momentos de absoluta depressão. Repleta de amores e desamores.
Antes de ti, a minha vida corria sem horários ou compromissos, que não fossem para a satisfação dos meus caprichos. Era um mar de diversão, no qual cavalgavam breves ondas de seriedade e dever.
E num repente, quase sem aviso, numa manha de sol e calor, tu entraste na minha vida.
E tudo mudou nesse momento. A tua chegada a mim foi um reset sentimental. Conhecer-te fez rodopiar todos os sentimentos que pensava conhecer. E rodopiaram até cair, até desfalecer num chão de pedra, até perecer.
E então compreendi. Um sulco rasgou-se no contínuo da minha existência. Passou a haver o antes. Passou a haver o depois. Momentos distintos separados por ti, pela tua existência em mim.
E foste tu quem me apresentou o amor.
Até então pensava que amava. Acreditava piamente que amava. Dizia mesmo a palavra "amo-te", vezes sem conta, a diferentes interlocutores. Depois de ti, nunca mais a profanei com as minhas cordas vocais.
Nem para a dirigir a ti. Não poderia. Dizê-lo não seria suficiente para expressar o que me passa no hipotálamo (ou no coração, se preferires), quando és tu o objecto.
Deixei de viver para mim. A minha vida foi-te entregue, numa bandeja de prata, para dela usufruíres, para dela dispores. São os teus caprichos que procuro satisfazer com toda a diligência. É a tua felicidade que procuro, com todo o meu ser. Exagero? Não. A verdade é que apenas vivo para guardar a tua vida, e apenas sou feliz, através da tua felicidade.
Só amo, só te amo, porque me ensinaste o amor.
Vieste ao Mundo, para me ensinar o amor. O querer incondicional, sem reservas, sem limites, sem horários. O querer-te, mais do que alguma vez me quis a mim própria, mais do que poderei querer a qualquer outro ser. Nasceste para me mostrar que, antes de ti, não conhecia o amor. Nasceste para me mostrar que, por ti, não poderei desaprendê-lo.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O Outono começa a transmutar-se em Inverno.

Caminho para casa. O vento em crescendo, uiva desafinadamente, balança os ramos das arvores transformando-as em hábeis bailarinas sincronizadas. As folhas multicores caem vagarosamente, rodopiando até afagar o chão. Quando pensam que poderão repousar, finalmente, o vento fá-las de novo rodar, desenfreadamente, sem ordem para parar.
Começa a chover. Pingos grossos de chuva ecoam na tela do guarda-chuva. O ceú negro anuncia tempestade. Urge atingir um porto abrigado, pisar terra firme.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Este lugar onde escrevo.

Sozinha. Acompanhada apenas por este lugar onde escrevo, medito sobre os sentimentos que provoco com as letras que junto em palavras e frases.
A reflexão foi despoletada por algo que me foi verbalizado hoje, e que embora eu não tenha verdadeiramente compreendido, não considerei elogioso. A referida elocução foi emitida por alguém que, até ao dia de hoje, sempre tinha elogiado a minha escrita. Alguém que sempe o tinha feito de uma forma altamente efusiva.
Por isso, qual não é o meu espanto, quando ouço da sua boca o seguinte "...aquelas bufarolices, que escreves no blog...". Ou terá sido "... aquelas bufardices que escreves no blog...". Não consigo reproduzir com toda a certeza. Poderão ter sido estas as palavras, ou poderão não ter sido estas as palavras.
Procurei no dicionário e não encontrei nem bufarolice, nem bufardice, nem qualquer outra palavra que se lhes assemelhasse. Deveria ter questionado a criatura em causa, acerca do signifcado de tais palavras. Não tive coragem. O tom do discurso era algo colérico, um pouco ameaçador até. Parece que se viu retratado num dos textos. Parece que não gostou.
De volta às minhas reflexões sobre as coisas que escrevo neste lugar.
Penso que, neste mundo,
há alguém que leva a sério o que escrevo;
há alguém que considera que o que escrevo poderá retratar a realidade;
há alguém que gosta do que escrevo, embora nem sempre;
há alguém que ficou incomodado com o conteudo de algo que escrevi;
há alguém que nutre sentimentos fortes relativamente ao que escrevo;
há alguém que ainda não percebeu que o centro do meu mundo sou eu;
há alguém que me julga pelo que escrevo;
há alguém que não me conhece;
há alguém que não se conhece;
há alguém que tem medo de viver;
há alguém que se engana, dia após dia;
há alguém que não vai gostar deste post;
há alguém que vai deixar de me falar.
Haverá alguém que em explique o que pode ser uma bufarolice? E uma bufardice?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Incongruente

Dizes-te indisponivel para querer,
mas sem pudores, tentas abraçar o mundo.
Dizes-te amante do intrincado,
mas procuras um caminho linear, sem surpresas.
Dizes-te pastor do sentimento,
mas atacas a carne com toda a avidez.
Dizes-te opressor daquilo que tornaste teu,
mas és incapaz de agarrar o que conquistaste.
Dizes-te honesto,
mas camuflas a verdade com flores;
Dizes-te habitado, 
mas dás abrigo a qualquer viajante.
Dizes-te homem,
mas mostra-te criança em todos os teus actos.
És a acrópole da incongruência.
És o abismo da contradição.
És a jazida da incoerência.
Não. Não te cales. Expressa-te. Diz-te sempre. Mas diz-te verdadeiro, sem máscaras, sem efeitos especiais.

Viagem outonal


Acabei de entrar no comboio. Sentei-me à janela. Preparo o meu leitor de Mp3, o meu livro. Recosto-me confortavelmente. O comboio começou a andar.
A paisagem começa a desfiar. Circulamos ao longo do rio. O comboio viaja a velocidades díspares. Ora muito depressa, ora muito devagar. O céu negro, carregado de nuvens, corre com a composição, a uma velocidade inconstante. A sua negrura reflecte-se no rio. O rio é preto.
Ao longe, um grupo de garças brancas levanta vôo em unissono. A cor alva marca o céu, deixando um rasto de claridade. A sua beleza apaga a escuridão.
Afastamo-nos do rio. Deixamos, por completo, de o ver. A paisagem transformou-se num verde escuro. No verde esmorecido da folhagem que chama pelo Inverno. Um verde pintalgado de casas coloridas, ora aqui ora acolá.
Ao longe vê-se uma pequena igreja, toda pintada de branco. Isolada. Vazia. Sem fieis.
De repente, vindo do nada, aparece um castelo de pedra, construido no cimo de um monte. Angular, com torres simétricas e ameias recortadas no céu, traz-me à mente imagens medievias. Cavaleiros audazes, beligerantes, belas donzelas em aflição.
O comboio parou.
Avista-se, em cima de um outro monte, um cemitério esquecido. Escondido pela folhagem, um mausoléu sobressai imponente. Uma cripta cheia de memórias em forma de ossos. Aos pés do declive, um outro rio corre lentamente, espelhando o que se encontra à sua volta. Serve de tapete ao monte. Na margem, um pescador perturba a calmaria com a sua cana de pesca e a sua motorizada moderna.
O comboio retoma a marcha. Começa a circular a grande velocidade. A paisagem torna-se esborratada, esboroada. Verde, cinzenta. A velocidade diminui. Ao longe vislumbram-se pequenos vinhedos. Cultivados simetricamente. Linhas paralelas matizadas de verde, castanho, amarelo, vermelho. Cores em simbiose. Uma paleta de harmonia. Fecho os olhos. Imagino a cheiro das uvas maduras, da terra revolta, do vinho acabado de pisar.
Abro de novo os olhos. Vejo o mar. Também ele negro e branco. Negro na sua essência, branco na espuma das ondas que morrem na praia. Revoltoso, cheio de ímpeto. Suga tudo o que apanha, devolve os restos, o refugo. O mar é a proximidade de casa.
Daí a nada aparece a ponte. O ultimo obstáculo. Um vislumbre da mais bela cidade do meu Mundo. O casario em cascata. O ouro do rio. As cores do horizonte. Um raio de sol a pôr-se no mar.
Senhores passageiros, a viagem terminou. Invade-me a nostalgia da chegada a casa, ao porto de abrigo.

sábado, 7 de novembro de 2009

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Lavei-me, livrei-me.

Que horas são? Tão cedo. Ainda nem nasceu o sol.
Apetece-me dormir mais um bocadinho?
Não, não tenho sono. Não estou cansada. E se me levantasse...
Levanto-me da cama. Abandono os lencóis quentes, o conforto do edredão de penas e abro a janela. Sinto a ténue claridade do nascer do dia. Sinto o ar frio nas narinas, nas maçãs do rosto. Sinto o cheiro da chuva na terra seca. Sinto que chegou o Outono.
Aconteceu-me algo. Não consigo perceber o quê.
Olho à volta. Há algo diferente no ar.
Não sonhei durante a noite. Não estou cansada. Não me sinto melancólica. Tenho os sentidos alerta. Os meus ombros estão leves.
De repente apercebo-me. De repente caio em mim.
Adormeci a pensar em ti. Acordei a pensar em mim.
Lavei-me com as primeiras chuvas. Livrei-me dos teus sinais.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Caminhos cruzados

Ele regressou à civilização, sem aviso prévio. Em pezinhos de lã cruzou o horizonte dela.
Ela não o esperava. Não naquele espaço, não naquele tempo.
Ele fingiu que não a viu. Depois, quando finalmente cruzaram olhares, fingiu surpresa. Parecia que não era suposto ela estar ali, aquela hora, naquele local.
Sorriram-se. Trocaram acenos de cabeça.
Ele deu-se ares de pessoa importante, cheio de afazeres.
Ela fingiu que ele era pouco importante. Dirigiu-lhe um comentário banal.
Ele respondeu sem convicção.
Não se olharam mais. Não se falaram mais.
Ela ficou imóvel.
Ele foi-se embora. No ar, deixou o rasto do seu perfume. Na mente dela, uma série de dúvidas.
Ela quis perguntar. Não se atreveu. Desistiu.
Ele não iria responder. Não saberia o que lhe dizer. Já tinha desistido.
Cada um seguiu o seu caminho. Um dia voltarão a cruzar-se.

sábado, 31 de outubro de 2009

E se...

E se,
tu acabasses com a tua vida,
e voltasses ao meu abraço?
Sobreviveríamos ao toque?

Por fios

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sigo

Vagueio pelas ruas de uma qualquer cidade.
Não tracei um destino, ou sequer um caminho.
Cruzo-me com outros seres humanos, criaturas cheias de intenções.
Todos têm um destino. Todos seguem um percurso riscado, planeado para si, com todo o rigor.
Não se afastam um milímetro da guia, do carreiro. São formigas abúlicas.
Paro, olho-os, sinto por eles uma indiferença gritante, um desprezo atroz.
Abomino os trajectos impostos, os sentidos únicos.
Desdenho das gentes que se deixam guiar, manipular.
Abalroo o conformismo, desafio as leis da gravidade.
Sigo contrariando a maré, até ao infinito, até à extinção.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Era duas vezes...

Quando acordei estava estendida num sofá da escola, com uma multidão de gente à minha volta. Olhei em redor. Procurei a luz dos seus olhos. Não a encontrei. Um ruído de vozes enchia o ar. Percebi apenas as palavras "foi o Leonel quem a segurou". Leonel era o seu nome.
Nos dias seguintes vivi em sobressalto. Tinha dificuldade em adormecer. Sonhava constantemente com tempestades, ventos, chuvas torrenciais, dilúvios. Uma inquietude ocupava-me o corpo e a mente. Não conseguia compreender o que me estava a acontecer.
Voltei a vê-lo, exactamente uma semana após o primeiro encontro. Dirigiu-se a mim. Sorriu. Olhou-me nos olhos. Disse-me que precisava de saber as horas, mas tinha medo de perguntar. Não queria ter que me carregar de novo. Sorri. O seu sentido de humor quebrou todas as minhas defesas. Conversamos. Trocamos nomes. Prometemos novo encontro, daí a uma semana, à mesma hora, no mesmo local...

(por questões relacionadas com o crescimento desmesurado, esta história continuará num outro formato)

Caminho(s)

Não acredito que seja este o meu caminho, mas vou continuar a caminhar por ele.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Era uma vez...

Há dias em que me parece que acabei de nascer.
Há dias em que me parece que estou quase a morrer.
Hoje é o dia do meu aniversário. Completo 79 anos. E, incrivelmente, tenho apenas uma histórias para contar.
Acabei com a minha vida no dia em que fiz 16 anos. Continuei a sobreviver, mas não mais me permiti viver.
Não acreditam? Eu conto.
Era uma adolescente comum. Tinha 15 anos. Estava quase a completar 16. Sentia-me como qualquer outra adolescente. Uns dias alegre, outros deprimida. A adolescência é por excelência, a idade maníaco-depressiva. Qualquer coisa nos faz a pessoa mais feliz do mundo, qualquer coisa nos faz sentir a criatura mais soturna e desgraçada na face da terra.
Naquele dia, estava à porta da escola que frequentava, quando, de repente, surgiu no horizonte um rapaz. Vestia um blusão de couro e trazia no braço um capacete para conduzir uma motorizada. Quando o vi, fiquei paralisada. Não porque fosse um rapaz muito bonito. Nem sequer era minimamente atraente. Fiquei paralisada, porque tinha no olhar uma luz que parecia querer incendiar tudo à sua volta. Nesse momento enamorei-me. Senti que esse seria o homem da minha vida. Que não poderia, alguma vez, amar outra pessoa.
Vim a saber, pouco depois, que se chamava Leonel. Soube-lhe o nome, porque se dirigiu a mim e me perguntou as horas. Não lhe consegui responder, não sabia identificar os números, ou o local onde os ponteiros do relógio se situavam. Tinha perdido a memória, e estava quase a perder os sentidos. Ele segurou-me evitando a queda desamparada...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Paisagem

Resolvi fumar um cigarro nas escadas do jardim.
Tenho a companhia dos meus gatos. O meu gato preto e o gato branco que por vezes me visita.
Tenho a companhia do meu leitor de mp3.
Tenho a companhia deste lugar onde escrevo.
Podias cá estar tu, mas não queres. Já não me queres.
Começou a dar MGMT - Time to pretend. Nem de propósito.
Ouço
"sinto-me dura, sinto-me crua"..
"mas não há nada que realmente possamos fazer,
o amor deve ser esquecido a vida pode sempre começar de novo"
Vejo ao longe milhares de luzes.
Lembro-me que te disse "Vem cá, espreita. Da minha casa pode-se ver o mundo todo"
E tu sorriste. Não percebeste realmente o que te disse. Não percebeste grande parte das poucas coisas que te disse. Não percebeste que tens tanto para aprender e que eu poderia ser a tua mestra. Preferes guardar-te na tua simplicidade. 
Olho para o prédio que detesto, porque me tapa o mar. Dezoito andares de vidas. Janelas com luzes, janelas com escuridão. Gente a comer, a ver televisão, a copular. Pessoas a amar e a odiar, Vidas sem sentido, para além do instinto de viver.
Vais crescer, vais perceber, vai ser tarde.
Ainda sinto o teu cheiro na minha pele. Quero libertar-me dele. Não consigo.
Apago o resto do cigarro no cinzeiro. Desligo o leitor de mp3. Levanto-me. Entro em casa. Fecho a porta.
Vou fechar este lugar onde escrevo. Vou pôr a minha vida em suspenso.
Quando assim se está, a dor deixa-se esquecer. Fica encerrada. À espera de ser libertada.

Desejo

Desejei. Fui desejada.
Fui feliz por momentos. Momentos efémeros. Microsegundos mágicos.
Mas a felicidade rapidamente se esgota. Acabou.
Mergulhei num mar de sentimentos azedos. O seu cheiro viscoso entranhou-se-me na pele.
Vomito a dor que me invade. Não consigo esgotá-la. Cresce e renova-se dentro de mim.
Quero. Quero querer. Quero que me queiras.
Quero voltar a ser feliz.

domingo, 25 de outubro de 2009

Ontem

Ontem descobri
um novo mundo,
cheio de pureza, de sinceridade,
sem artifícios ou enganos.
Ontem descobri
que apesar de ser bom crescer,
às vezes temos de voltar a ser meninos.
Ontem descobri
que viver pode ser simples,
se o fizermos sem pressas.
Ontem descobri
que ainda posso ser surpreendida,
se afogar os preconceitos, e alertar os sentidos.
Ontem descobri-te e fui feliz.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Frieza

- És tão má!
- Porque me estás a dizer isso? Por que razão dizes que sou má?
- Porque és incapaz de um gesto de carinho para comigo. E eu que te adoro.
- És tão lamechas. Pára lá com isso.
- Porquê? Não posso dizer que te adoro? Que passo o dia á espera de poder ver-te, de poder tocar-te, de poder ouvir a tua voz, sentir o teu cheiro.
- Já te disse para acabes com isso. Detesto essa conversa. Não foi isso que combinamos.
- Pois não. Mas, agora, é esta a realidade. Estou perdidamente apaixonado por ti. E tu? Para ti sou apenas alguém de quem te serves quando estás esfomeada e cujos restos deixas na valeta a apodrecer quando te satisfazes.
- És tão exagerado.
- Não, não sou. Sou apenas um homem apaixonado. Um homem desprezado, que passa cada segundo do dia à espera de um sinal de que é correspondido.
- E depois do sinal?  O que acontecia? Ajoelhavas-te e pedias-me em casamento à moda antiga. Casávamos e éramos infelizes juntos, para todo o sempre. Até que a morte nos separasse.
- E por que razão seríamos infelizes?
- Porque a experiência diz que é assim. Porque eu sou incapaz de amar alguém. Porque sou capaz de cometer as maiores atrocidades quando me provocam.
- Isso é impossível. Ninguém é incapaz de amar. Falas como se fosses uma velha.
- E sou. Eu já esgotei tudo o que tinha para dar.  Apenas procuro companhia e a satisfação das minhas necessidades mais básicas. Sinto-me como se tivesse centenas de anos. Não tenho apetência para gestos de carinho. Não tenho paciência para pajear quem quer que seja. Sou livre para desprezar.
- Não aguento mais isto. Vou embora. Desta vez não regresso.
- É o preço que acabo por pagar. Adeus.
- Adeus
- Sem mais demora, o lugar que libertaste é preenchido.

domingo, 18 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Desisti de ti?

Na noite passada tive um sonho.
Estávamos sentados, lado a lado, num banco de madeira, ambos a olhar para o horizonte.
Tudo à nossa volta era púrpura. Um púrpura faiscante que me magoava os olhos. Um púrpura vazio de objectos.
Estavas calado, alheado. Com as costas muito direitas, as sobrancelhas carregadas, um olhar distante e frio.
E eu, sem compreender, falava em contínuo, sem sequer parar para respirar. Como se tivesse medo que os movimentos de inspiração e expiração, me desligassem. Como se temesse que o meu silêncio, pudesse fazer-me desaparecer.
Tu não ouvias, atentamente.
Cansei-me de falar. Calei-me de repente. Percebi que era inútil.
Levantei-me. Comecei a andar em direcção ao vazio púrpura. Não virei a cabeça para um último olhar.
Enquanto caminhava, também pairava sobre ti. Conseguia observar-te.
Não reagiste ao meu abandono. Não te moveste, nem um centímetro que fosse.  Não tentaste deter-me.
Continuei a andar. Fundi-me na paisagem. Desapareci.
Continuei a pairar sobre ti. Aguardei um sinal. Permaneci.

Cirros










segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tenho saudades...

Tenho saudades...
do riso,
do ar de menino mimado,
das birras fingidas,
das explosões narrativas,
das acusações,
da verborreia,
da sabedoria,
da inocência,
da tristeza,
das palavras doces, ditas,
dos desafios impostos,
dos silêncios,
da crueldade.
Tenho saudades tuas.

Sabes nadar?

- Sabes nadar?
- Que raio de pergunta. Nem sequer estamos na praia.
- Sabes ou não?
- Não, não sei.
- Então não te ponhas fora de pé.
- O que quer dizer isso?
- Que deves ter cuidado e não sair fora de pé. Se não sabes nadar, podes afogar-te.
- Vocês mulheres, são todas iguais. Complicadas e ininteligíveis.
- Vocês rapazes são todos temerários e inconscientes.
- A minha única inconsciência é estar apaixonado por alguém que me despreza.
- Então deixa de estar?
- Pensas que é fácil? Que basta decidir e pronto?
- Claro que é fácil. Centra a tua atenção nos seus piores defeitos. Ah! E escolhe outra vítima para a tua paixão. Uma que não te despreze.
- Os seus piores defeitos são o alimento da minha paixão. E as mulheres que me perseguem, não têm qualquer interesse para mim.
- Porque tu assim o queres. Dá-te uma nova oportunidade. Dá-lhes uma oportunidade.
- Amo-te. Foge comigo.
- Não sejas tolo. Eu avisei-te.
- Avisaste?
- Já saíste de pé. Agora só tens que esperar até te afogares.

domingo, 11 de outubro de 2009

Luz II

Luz

Menino

Vês-me, ao longe, a aproximar. O teu sorriso ilumina-se.
Começas a procurar uma frase inteligente para me dizer. Pensas que é esse o caminho até mim.
O caminho até mim não existe.
Sorrio! Respondo-te qualquer coisa provocatória e continuo a andar. Por vezes paro. Dou-te alguma atenção. Depois continuo. Por vezes ignoro-te. Confundo-te.
Pões a língua de fora, em jeito de rebeldia. Fico desarmada. Rio à gargalhada. Incentivo-te.
És apenas um menino.
Encantas-te com a minha espontaneidade planeada. Vibras com a minha loucura sensata.
Eu sou o desafio que procuras.
Preocupas-te com o meu bem-estar. Guardas-me as costas. Cirandas à minha volta.
Queres-me com todo o teu ser. Desejas cada poro da minha pele. Procuras o meu cheiro, no ar que respiras. Anseias pelo som dos meus passos...
Não te aproximes mais. Luta. Foge. Afasta-te.
Não te deixes atrair pelas cores vivas, pelo brilho que liberto.
Eu sou a viúva negra, o escorpião, a louva-a-deus, a piton.
Sou desprovida de moral, de lealdade, de piedade.
Guio-me pelo princípio do prazer. Não olho a meios.
Uso os objectos do meu desejo como marionetas, e quando me canso, tranco-os no fundo de um baú velho.
Liberta-te de mim. Eu serei a tua perdição...

sábado, 10 de outubro de 2009

Sonhos

O David Byrne canta em francês no rádio. Au fond du temple saint.
Os meus sonhos são meu templo, o meu santuário.
A eles regresso quando cai a noite. Deles não quero sair quando amanhece.
Enquanto durmo, passam-me pelos olhos todos os momentos vividos ao teu lado.
Noite após noite. Sempre o mesmo sonho.
Dançamos, rimos, corremos como crianças.
Sinto,
o sabor dos teus beijos,
o cheiro do teu corpo,
o toque da tua pele,
o timbre da tua voz,
a beleza do teu ser.
Somos felizes até à exaustão. Somos felizes até a felicidade se esgotar.
Estás infiltrado na minha pele.
Liberto-te quando me deito, aprisiono-te de novo ao acordar.

Eterno namoro

Lembras-te do nosso primeiro encontro? Do dia em nos vimos pela primeira vez?
Eu estava com um amigo. Tu chegaste e falaste com ele. Parecias ignorar a minha presença. Eu não conseguia desviar o olhar de ti.
Desmascaraste-me.
E a partir desse momento, foste tu quem não mais conseguiu desviar o olhar. Passaste a pousar demoradamente os olhos em mim, nos meus olhos.
Começamos a namorar-nos em silêncio.
Cruzávamo-nos por todo o lado, sem nunca proferir palavra. As palavras não seriam mais que um estorvo.
Comunicávamos com o corpo, com os olhos, com os gestos, com o sorriso. Contávamos um ao outro histórias infindáveis, inarráveis.
Todos à nossa volta nos conseguiam ler. Éramos transparentes. Negavamos sempre.
Viviamos em mundos paralelos, que seguiam mais ou menos juntos.
Amávamos outras pessoas. Beijávamos outras bocas. Copulávamos com outros seres humanos. Mas sempre nos fomos leais. Sempre nos fomos fieis.
Houve um dia em que quase nos destruímos.
Cruzamo-nos por um acaso e falamos. Conversamos sobre banalidades. Trocamos contactos. Prometemos encontros. As palavras cumpriram o seu desígnio. Fizeram esmorecer o desejo.
Continuamos a encontrar-nos ora aqui, ora ali. Umas vezes propositadamente, outras por acidente. Continuamos a falar. Mas nunca mencionamos os gestos passados. Não são descritíveis, não são do domínio das palavras.
As palavras acabaram com o enamoramento.
A distância reacendeu a chama.
Já passaram quantos anos?15? 20? Mais? Menos?
Acabei de falar contigo. Uma pequena conversa à distância.
Chamaste-me para perto de ti. Recusei.
Brincamos a medo com as palavras. Reacendemos o romance. Retomamos o passado.
Continuamos a adiar novo encontro. Um adiar permanente da satisfação do desejo.
O prolongar da sedução...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Trocadilho

É madrugada.
Finalmente decido deitar-me.
Entro no quarto e lá estás tu, estendido nos meus lençóis.
Meio a dormir, meio acordado, entreabres os olhos para me ver.
Esticas os membros, espreguiças-te, abres totalmente os olhos, os teus olhos verdes por que me apaixonei.
Fixas o olhar me mim, enquanto me preparo para deitar.
Observas-me enquanto tiro a roupa.
Com o olhar chamas-me para a cama.
Queres sentir o meu calor. Queres que me enrosque em ti.
Sinto-me tentada. Recuo. Hoje não me apetece.
Pego-te ao colo. Acaricio o teu pelo negro. Ronronas de prazer.
Deito-te na tua cama. Atiras-me um olhar de desânimo.
Volto para o meu quarto. Deito-me na minha cama.
Hoje vou dormir comigo.

Não te faço falta...

Quando acordas não me procuras.
Quando te sentes só não chamas por mim.
Quando tens fome de amor procuras outrem.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Porquê?

Porque não sopra o vento quando tenho calor?
Porque não vens quando te chamo?

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Regressos

Encontrei-me de novo com o Mar.
Sentei-me virada para a praia. Observo.
A maré está vaza. O sol começa a pôr-se. Centenas de gaivotas deambulam por perto, em voos rasantes, preguiçando na areia, embalando as ondas...
Na mesa ao lado estão um homem e uma mulher. A mulher narra um drama.
Duas crianças brincam na areia, junto à linha de água. Correm na direcção da agua, fogem das ondas, riem, gritam.
Um baloiço abana com o vento. As correntes rangem ritmadamente.
A mulher na mesa ao lado continua a falar ininterruptamente. O homem mantém-se em silêncio fingindo estar atento ao seu discurso. Tem um ar cansado. Não quer ouvir mais. O som das palavras está a tortura-lo. Quer apenas leva-la para a cama.
Ouve-se ao longe um ruído abafado. Um grupo de gaivotas levanta voo. Dezenas de asas batem simetricamente. Num rádio perto toca uma música latina que faz recordar tardes de verão ao sol.
O sol põe-se. Anoitece. As sombras reduzem-se até ao nada.
A mulher calou-se finalmente. O homem suspirou, aliviado pelo silêncio. Levantam-se e saem.
Estou sozinha.
A maré começa a encher. O ruído das ondas relembra-me o sabor do Mar. Sabor a sal e a peixe.
Observo-o embevecida. Sinto o seu odor. Escuto as palavras doces que me murmura. Enalteço as suas virtudes. Esqueço as suas imperfeições.
Enamorei-me de novo pelo Mar. Voltei a senti-lo em mim.
Porque não consigo voltar a enamorar-me por ti?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sou...

Sou
eléctrica,
irritante, entediante, oscilante,
histérica,
carinhosa, ambiciosa, curiosa,
frágil,
honesta, pouco modesta, indigesta,
temível,
obcecada, ensonada, imponderada,
robusta,
traiçoeira, verdadeira, inteira
perturbante,
estridente, luminescente, carente.
O meu eu uno.
Em tudo igual, em tudo diferente...

The end

Vivemos momentos mágicos.
Acabou.
Perguntas-me se te amo, se me sinto feliz.
És o meu melhor amigo.
Não te amo. Não me sinto feliz.
As espécies evoluem, os sentimentos também.
Fui errada, magoei-te...É difícil viver e conviver comigo. Também tenho virtudes.
Também fui magoada, também tive desilusões.
Fechei-me numa concha, isolei-me, afastei-me.
Não quero desistir. Quero começar a abrir a concha em que me enfiei.
Socorro!
Preciso que cuides de mim, que me protejas, que me mostre que não sou feliz sozinha.
Quero voltar a desejar amar, amar-te. Quero pensar em ti todos os momentos do dia.
Quero voltar a não poder viver sem ti.

Pensamentos soltos

Estou perdida na escuridão dos meus sentimentos.
Apanho do chão os cacos do meu eu fragmentado.
A minha única companhia é a ausência.
Acerca-se dos meus pés a vertigem do vazio.
A minha fragilidade causa-te náuseas.
Vomitas desprezo e compaixão.
Anuncias em néon a tua dona.

Muralha

Isolo-me, crio uma parede entre mim e o mundo, entre mim e ti.
Aproximas-te devagar, sorrateiramente e fazes-me começar a desmancha-la.
Diriges-me palavras doces, gestos afectuosos.
Começo a esquecer-me de tudo o que já vivi. Tenho a memória de um colibri.
Aos poucos, a minha capa protectora derrete.
Sou um bloco de gelo. Tu és o meu sol.
Deixo-te aproximar demasiado. Começo a sentir o calor.
Recordo-me que não me queres para além da necessidade que tens de ser desejado. Por isso te aproximas. Por isso não nunca libertas totalmente.
Quando a muralha está vencida, atacas. Comparas-me. Diminuis-me. Ignoras-me. Mostras-me que sou nada, que para ti sou o vazio.
A minha pele começa a queimar, o teu veneno a circular-me nas veias.
Coloco de novo os tijolos. Quando amanhecer estará de novo formada a barreira que me protege. Então poderá repetir-se o ciclo.

domingo, 27 de setembro de 2009

Fragmentos

É o meio da tarde. Estou sozinha em casa. Tu estás do outro lado do Mundo.
Vêm-me à memória fragmentos de ti.
O primeiro encontro. Um rapaz tímido, mas com fogo nos olhos. Um sorriso avassalador, que enchia o horizonte.
O último encontro. Um estremecer, o arrepiar de todos os pelos do meu corpo. Um abraço. Os teus lábios junto ao meu ouvido. O teu nariz junto ao meu pescoço. E uma frase que acabou com qualquer resistência que eu ainda pudesse ter.
Um concerto de uma banda que já não ouves. As mãos dadas às escondidas. O roçagar clandestino dos nossos corpo, na escuridão.
Uma sessão fotográfica na cozinha. Um beicinho. Uma birra de menina que não queira ser fotografada.
Uma viagem à praia. As mentiras contadas, para te encontrar. Um beijo ao pé do mar. A satisfação do desejo que nos incendiava.
Os discos trocados. Os livros emprestados. As coisas que nos ensinávamos.
Um fim-de-semana no Minho. Os olhares que queimavam. A tensão que crescia, e que os outros não conseguiam ver.
Uma tarde de carícias com a tua mãe na sala ao lado.
Conversas trocadas durante tardes inteiras, em dias de trabalho. As vezes que te fui buscar à sexta, ao trabalho.
As confidências que me fizeste. As histórias negras que me contaste. A dor que tentava acalmar com as minhas carícias. Os teus fantasmas.
A tua cabeça deitada no meu colo. A tua expressão de criança abandonada.
A despedida. As lágrimas que a seguiram.
O desejo que sentia quando estavas longe. Os teus beijos.
Ontem voltei ao local do nosso último encontro. Procurei-te por todo o lado. Sabia que não te encontraria, mas não pude deixar de procurar. Queria um sinal da tua passagem por lá, um indício de que estavas perto. Sentei-me no banco onde te vi. Acariciei-o. Imaginei que te estava a tocar. Senti o frio da pedra.
Deixo escapar uma lágrima, que leva consigo a certeza de que nada voltará a ser igual.

sábado, 19 de setembro de 2009

Rituais da madrugada

Há já tanto tempo que partiste.
Mas ainda acordo a meio da noite. Nos primeiros momentos, tenho dificuldade em perceber onde estou. Estendo o braço e sinto o frio dos lençóis abandonados. Demoro a perceber que estou sozinha, que não estás ao meu lado. Não volto a adormecer. Fico atenta aos sons da madrugada. Oiço um carro a passar ao longe. O galo canta, anunciando que a hora de levantar ainda vem longe. Dou voltas na cama. Não consigo deixar de pensar em ti, em nós, naquilo que éramos, que fomos e no que nos tornámos. Lágrimas de nostalgia caem-me sobre o rosto. Limpo-as com as costas da mão. Levanto-me, vou até à janela e observo o nascer do sol. Nunca vi o nascer do sol contigo. Eras demasiado preguiçoso, para me acompanhar. Acendo um cigarro e penso na minha mãe a dizer: "Faz-te mal fumar em jejum". Sorrio. Penso no paradoxo. Nunca me diz que me faz mal fumar, diz-me que me faz mal fumar em jejum. Talvez um cancro no estômago seja pior que um cancro nos pulmões. As mães têm imensos conhecimentos de medicina, que aplicam principalmente nos seus filhos. Mal sabe ela que, efectivamente, desenvolvi uma doença grave. Uma insónia crónica, este acordar de madrugada, que se repete todos os dias e que ninguém consegue curar.
Os sons da madrugada, o nascer do sol, a lágrima, o cigarro... Rituais que me sossegam o espírito e me preparam para mais um dia sem ti.
Tenho 25 anos, mas parece-me que tenho 255. Vivo rodeada de gente, por todos os lados, mas sinto-me a criatura mais solitária do Mundo. Tenho o emprego que escolhi, mas detesto-o. Nada do que me rodeia, me faz, nem que seja por um breve momento, sentir satisfação. A felicidade tornou-se numa desconhecida para mim. Arrasto-me desde que acordo de madrugada, até que me deito, de madrugada também. O meu pensamento está preso à tua imagem. Não consigo deixar de sentir o teu cheiro, impregnado na minha casa, no meu carro, na minha roupa. O som da tua voz ecoa nos meus tímpanos. Quero livrar-me de tudo isto. Quero apagar todas as memórias que me esmagam, sufocam, destroem. Quero esquecer que um dia fui feliz.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Acordar

Sozinha em casa, oiço a chuva a cair lá fora. Sinto o cheiro dos primeiros pingos a cair na terra seca. Um odor familiar, a chuva de verão. Um odor de dias felizes.
Abro os olhos. Uma luz ténue entra pelos orifícios da portada.
Fecho de novo os olhos. O gato ronrona, abre os olhos e move-se para se enroscar de novo. Sinto o calor do seu corpo, junto aos meus pés. Ao longe toca uma música hipnotizante, música de carrossel, de feira de diversões.
Não me apetece acordar. Passam-me milhares de pensamentos pela cabeça. Quero deixar de pensar. Quero esvaziar o pensamento e flutuar no vácuo. Não consigo.
Abro de novo os olhos. Olho para o relógio. Ainda é madrugada. O novelo de pensamentos adensa-se. Quero voltar a dormir e não consigo. Recordações de momentos felizes flutuam na córnea. Quero esquecer a felicidade que já senti. Ou que julguei sentir. Não consigo esquecer. A dor torna-se ainda mais aguda.
Levanto-me da cama. Deambulo pela casa. O gato segue-me miando. Tem fome. Está a ordenar-me que lhe dê de comer. Despejo os biscoitos na taça. dou meia volta e regresso à cama.
O músculo cardíaco bate descompassado, a um ritmo ora lento, ora veloz. Sinto uma vertigem. O chão foge-me debaixo dos pés.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Há...

Há um lado negro em mim,
que ri face à desgraça, que troça dos infelizes.
Há um lado negro em mim,
que quer controlar o mundo, o meu e o dos outros.
Há um lado negro em mim,
escondido, latente, dominado,
prestes a reagir ao primeiro estímulo.
Há um lado negro em mim,
que controlo com todas as minhas forças, que domino com todo o meu ser.
Há um lado negro...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Não consigo dormir

Tenho sono.
Está muito calor.
Não consigo adormecer.
Estou deitada na cama.
Rebolo de um lado para o outro.
Não consigo adormecer.
Penso em tudo.
Ligo a televisão.
Desligo a televisão.
Não consigo adormecer
Ligo a luz.
Pego num livro.
Começo a ler.
Pouso o livro.
Apago a luz.
Não consigo adormecer.
A noite já arrefeceu.
Está menos calor.
Não consigo adormecer.
Penso noutra noite.
Não consigo adormecer.
Penso naquilo que escrevi.
A noite está mais fresca.
Fecho a janela.
Deito-me.
Não consigo adormecer.
Tudo são desculpas para não dormir.
Não quero dormir.
Quero pensar em ti.

domingo, 9 de agosto de 2009

Sorri amiga

sorri amiga!, só o teu sorriso já é uma alegria

- Onde vamos ver o futebol?
- A casa de um amigo.
- Quem?
- Não conheces.

Conheceram-se há mais ou menos 10 anos. Ela estava a passar um fim de semana na casa de uns amigos, no interior, com o namorado. Era dia de jogo de futebol importante. Talvez o FCPorto, talvez a selecção…
Perto da hora do jogo foram todos para a casa dele, para assistir na televisão. Ela nunca ligou muito a futebol. Gosta do Porto, gosta da selecção, mas gosta mais de fazer as suas coisas.
Chegaram a casa dele e foram apresentados. Quando o viu, ficou deslumbrada com a sua beleza. Pensou “Ele está para além do meu alcance.” Ele era um rapaz um pouco mais velho, mas certamente muito mais maduro. Ela era uma rapariga mais nova e muito parva. Ele sempre lhe pareceu estar muito embrenhado no seu mundo, distante, com um peso sobre a cabeça. Ela tinha a cabeça leve e uma auto-estima muito baixa. Viram o jogo de futebol. Ela andou a deambular pela casa, entre a sala, onde estava a televisão e o resto da casa, onde estava ele. No final da tarde foram todos jantar. Ela estava com o namorado, mas não deixava de pensar nele. Ele continuava a não lhe ligar. Ela pensava que ele era demasiado crescido, para se interessar por ela. Ele estava embrenhado nos seus pensamentos e dilemas. Ela sentiu sempre que para ele era invisível. Os anos foram passando. Foram-se encontrando com pouca frequência. Mantinham o contacto através dos amigos. Sempre com muita distância entre si. Um jantar aqui, uma ida à discoteca acolá. Ele pouco ou nada lhe falava. Ela pensava que ele era inatingível. Não o procurava, não tinha coragem para iniciar uma conversa. Pensava que ele a iria achar uma pessoa desinteressante. Achava-a uma pessoa interessante, mas continuava embrenhado nos seus pensamentos e dilemas.
Um dia, há cerca de um ano atrás, encontraram-se de novo. Já não se viam há algum tempo. Ele ficou sentado ao lado dela na mesa do jantar. Conversaram durante o tempo todo, quase ignorando todos os outros presentes. Falaram de muitas coisas. Ele expôs-se, contou alguns segredos, alguns fantasmas. Ela ouviu-o.
Ela já é mais madura e menos parva. Ele compreendeu isso. Ela valorizou-o. Ele gostou. Fez-lhe bem à auto-estima. Ele continua a considera-lo um homem muito belo. Continuam a encontrar-se. Ela deixou de se sentir invisível para ele. Ele deixou de ser distante. O peso sobre a cabeça desapareceu. São amigos.
Ontem ela estava triste, embora estivesse a rir. Sem saber disso, ele escreveu-lhe “sorri amiga!, só o teu sorriso já é uma alegria” Ele fez o mundo dela brilhar mais intensamente.