quinta-feira, 31 de março de 2011

Marinhagem

És o capitão de mar que tenta, a todo o custo, fazer voltar ao rumo um barco que deixou, sem intenção, ficar à deriva. Apesar de saberes que, mais dia menos dia, mesmo à deriva encontrarás porto seguro, teimas em manter o controlo do leme.  Pensas assim garantir que não haverá perdas ou danos. Não percebes que estás apenas a atrasar a chegada ao destino. E esqueces-te que o mar é soberano e cheio de armadilhas e que mesmo munido de cartas, astrolábios, bússola e imediatos experientes, a impetuosidade das tempestades e o capricho das correntes podem rapidamente atirar-te para aridez de uma qualquer ilha deserta.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Incertezas

Design_by_Postalfree_Isabel Pinto Coelho

Após mais um almoço na minha esplanada da praia, naquela em que os empregados já quase me conhecem pelo nome, e depois de esgotar todos os minutos que tinha à disposição, dirijo-me ao balcão para pagar a conta, de forma mais célere, na máquina do dinheiro. Enquanto espero que o aparelho me cuspa a tira de papel que me informa que estou uns euros mais pobre, olho distraidamente para um expositor que se encontra no fundo da sala.  É um daqueles escaparates que alojam postais gratuitos. Embora nunca tenha tido grande interesse pelo conceito, não posso deixar de reparar num trio de manchas vermelhas que sobressaem no meio do conjunto de cartões. Ao longe, e devido à minha falta de visão, são apenas manchas. À medida que me vou aproximando, os borrões vão tomando a forma de coração. Estico o braço e recolho um dos postais e regresso ao balcão para receber o recibo comprovativo do pagamento. Carrego o postal na mão, sem voltar a olhá-lo. De volta ao carro, deposito-o em cima do tablier e regresso ao trabalho. Deixo-o no local onde o coloquei, durante dois dias. Ao terceiro, resolvo traze-lo para casa, sem saber muito bem porquê ou para quê. Coloco-o em cima da mesa do escritório. Olho-o através de diferentes ângulos. Estas composições gráficas de cariz algo abstracto, causam-me sempre uma sensação de angústia, pois por muito que consiga perceber o que significam para mim, nunca conseguirei ter a certeza do que pretendia o autor quando as desenhou.  Sei os sentimentos que os seus estímulos me causam, os pensamentos que me fazem brotar na mente, mas interrogo-me sempre se a intenção do autor, aquela que ele tinha ao riscar o papel com lápis e tintas, seria a mesma que eu lhes atribuo. Chego a ir mais além e a questionar-me acerca das propriedades explicativas da realidade que emanarão destas imagens. E neste caso em particular pergunto-me: - Será que é nesta imagem que reside a prova final de que na disputa entre o amor e tudo o resto que o tenta aniquilar, o amor sai sempre vencedor?
Seria tão fácil se eu fosse supersticiosa e acreditasse que um ente superior nos vai colocando à frente dos olhos os mapas com os caminhos da vida, mas percebo que apenas consigo ser céptica e digo para mim mesma que o postal está muito bem desenhado.

Constatação #7

A idade arruina a capacidade de não aceitarmos as coisas que não compreendemos.

Divagações

Às vezes chego a pensar que a imortalidade não é mais do que uma capacidade de auto-preservação - a capacidade de não pensarmos na própria morte.

terça-feira, 29 de março de 2011

segunda-feira, 28 de março de 2011

Pensamentos

Ouve o despertador a tocar e pensa que ainda é demasiado cedo, que não quer acordar, que não lhe apetece mais um dia de trabalho. Faz ronha debaixo dos lençóis deixando passar minutos preciosos que lhe irão fazer falta, quando a hora de entrada no trabalho se for aproximando. Dá um salto abrupto para fora da cama, pois essa é a única forma de os músculos contrariarem as células nervosas que comandam a vontade. Dirige-se para a banheira e pela primeira vez no dia pensa nele. Sente que um sorriso lhe irromper nos lábios, deixando à mostra os dentes irregulares. Recorda-se do sorriso dele. Recorda-se de como gosta de o ver sorrir, de como o seu rosto se torna luminoso e imaterial quando sorri.  Agarra com uma mão na torneira da água quente e com a outra na torneira da água fria. Começa a rodar ambas até que a  água atinja o ponto térmico adequado à sua pele. Entra na banheira e deixa a agua correr-lhe por si abaixo desde a raiz dos cabelos até à ponta dos dedos dos pés.  Pensa nele pela segunda vez no dia.  Lembra-se que ele deverá estar a deitar-se naquele momento, recorda-lhe o rosto ensonado de quem tem os horários trocados. Ensaboa-se com o gel de banho para bebés que partilha com a outra habitante da casa. Lentamente deixa de novo a agua correr-lhe pela pele para se livrar da espuma suave com que se cobriu. Pensa nele pela terceira vez no dia. Recorda-se das palavras que lhe escreveu na noite anterior e que jurou não lhe repetir "aprendi a gostar de ti com calma, com tranquilidade, sem pressas nem cobranças". Desliga ambas as torneiras, pega na toalha de banho e enrola-se nela. Procura o creme hidratante. Pensa nele pela quarta vez no dia. Percebe que é ele quem está a ensiná-la a gostar sem ansiedades, sem imposições, sem medos. Começa a espalhar o creme hidratante pela pele. Aspira o aroma que ele liberta. Pensa...

sábado, 26 de março de 2011

Sei do que falo...

...quando lhe digo o que é percorrer meia-hora de caminho a pé, até à escola, com seis anos de idade, fosse qual fosse o estado meteorológico, porque apesar de haver um carro velhinho à porta de casa, não havia dinheiro para a gasolina.
...quando lhes digo o que é nunca ter tido uma peça de roupa de marca durante a adolescência, e ser olhada pelos colegas como a extraterrestre do grupo.
...quando lhes digo que li todos os livros que existiam em casa, por várias vezes, incluindo entre eles os Lusíadas, porque não havia dinheiro para comprar outros.
...quando lhes digo o que é comer na pior cantina da faculdade, para ter mais tarde dinheiro para o café.
...quando lhes digo o que é um primeiro trabalho em que praticamente só se ganha para os transportes, mas do qual não se abdica porque é importante trabalhar.
...quando lhes digo o que é ter três trabalhos a recibos verdes em simultâneo, que nos ocupam todas as horas do dia, porque temos que amealhar por não sabermos como será o dia de amanhã.
...quando lhes digo que troquei um trabalho de sonho, pelo sonho da estabilidade que ameaça ruir todos os dias.
...quando lhes digo que conheço o valor do trabalho, quanto mais não seja, porque lido todos os dias com o desemprego.
...quando lhes digo que não há uma "geração à rasca". Há "pessoas à rasca", mas nem sequer são, na sua maioria, os jovens, mas sim os seniores que perderam o emprego e que embora sejam novos para a reforma, são considerados velhos demais para trabalhar.

(porque não gosto de deixar comentários pertinentes sem resposta e porque as minhas verdades são minhas e não têm que ir de encontro às verdades dos outros)

domingo, 20 de março de 2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

What goes around comes around.

À porta da livraria, na famosa Rua de Ceuta, lembrei-me da promessa e entrei. Fui direita à estante da ficção estrangeira traduzida, letra A. Espreitei e nada. Dirigi-me ao vendedor e perguntei se não haveria um exemplar escondido, na parte de trás da estante. O vendedor tirou alguns dos livros da frente para espreitar para trás e abanou com a cabeça. Ofereceu-se para ver se haveria algum exemplar numa outra das lojas da cadeia. Sentou-se ao computador e carregou nas teclas para efectuar a pesquisa. Para grande espanto meu, encontrou um exemplar perdido a cerca de mil metros daquele local. A meu pedido telefonou imediatamente aos colegas e pediu que me reservassem, referindo que "a senhora ainda hoje passaria lá para o levantar", conforme confirmado por mim. Agradeci, dei-lhe as boas tardes e saí da livraria.
À noite, passei pela outra livraria, aquela que dista um quilómetro da primeira, e pedi que me fossem buscar a encomenda. Entregaram-ma e perguntaram a medo se efectivamente pretendia ficar com ela. Percebi imediatamente porque me colocavam tal questão, e confirmei que sim. O rapaz atrás do balcão entregou-ma desconfiado. Peguei nela e informei-o que iria dar uma volta e regressaria depois para pagar.
Dirigi-me à secção de poesia e percorri a prateleira com os olhos. Nada de novo, nada de particularmente interessante. A não ser um livro fino, com uma lombada branca apenas manchada por uma pequena palavra escrita a negro, na zona inferior. Retirei-o da prateleira e tentei folheá-lo mas não consegui. As folhas estavam ainda presas entre si. Resolvi trazê-lo comigo. Paguei-o juntamente com a encomenda que tinha feito e regressei a casa.

Cabe agora fazer os esclarecimentos em falta.

A encomenda em causa é o Livro das Ilusões do Paul Auster. O único à venda em toda a cidade do Porto, com a capa em mau estado, e por isso comprado a preço de saldo, e por isso entregue a medo pelo rapaz da caixa. Não porque seja necessário, mas porque me apetece, vou escrever um e-mail a dar conta que já o tenho comigo e que o podem reclamar assim que queiram.
O outro livro, é uma colectânea de haikus, sobre as estações do ano, traduzida para francês. Certamente uma encomenda que alguém se esqueceu de levantar.
Acabei agora de lhe separar as páginas, enquanto bebia uma caneca de infusão de ervas digestivas. Vou já deitar-me e ler dois ou três dos poemas. Há que doseá-los, pois são preciosos.

E com tudo isto, resta-me apenas finalizar.

Ainda bem que eu cumpro as minhas promessas. Ainda bem que há pessoas que não gostam de livros com ar usado. Ainda bem que há criaturas que não levantam os livros que encomendam.

Assalto à mão desarmada



Roubado à descarada ao Wegan Volf, um dos meus Dj's favoritos.

terça-feira, 15 de março de 2011

De(formação)

Após 3 horas a debitar comandos e mais comandos de programas informáticos cujo único objectivo é transformar fotos mais ou menos más em fotos mais ou menos boas, o formador explicou-nos que, quando temos uma imagem que nos apetece guardar, o melhor é tirar a foto no momento, e depois, se necessário for, apagar alguns elementos que possam estar a sobrar no enquadramento. E dizia-nos isto, mostrando, lado a lado num diapositivo, duas fotos quase iguais, onde apareciam algumas pessoas a construir um tapete de flores para uma procissão. Numa das fotos, aparecia, do lado direito, no meio do asfalto, um balde de plástico vermelho com uma asa branca, na outra aparecia apenas o asfalto brilhante, livre do balde vermelho.
- Photoshop! - dizia o senhor com a sua graça natural que nos arranca risada atrás de risada.
Depois de acabada a sessão, não consegui deixar de pensar no balde vermelho, que ora aparecia numa foto, ora desaparecia na outra. E imaginava como seria tudo mais fácil se fosse possível, em alguns dias da nossa vida, termos um Photoshop da realidade que, com vista a intrujar a existência, comportasse as funções de "apagar pessoas desagradáveis", "clarear o céu cinzento e todas as sombras", transformar as gotas de chuva em arco-íris luminosos", “mascarar o cansaço com boa disposição", entre outras. E na minha versão, num cantinho escondido, estivesse um pequeno botão em forma de coração que, com um simples clique, copiasse e colasse os teus braços, debaixo dos meus lençóis, na hora de eu adormecer.

Será que a Adobe me comprava a patente?

sábado, 12 de março de 2011

Porque cada fim não é mais que um reinício...

La Fin de la Journée


Sous une lumière blafarde
Court, danse et se tord sans raison
La Vie, impudente et criarde.
Aussi, sitôt qu'à l'horizon

La nuit voluptueuse monte,
Apaisant tout, même la faim,
Effaçant tout, même la honte,
Le Poète se dit: «Enfin!

Mon esprit, comme mes vertèbres,
Invoque ardemment le repos;
Le coeur plein de songes funèbres,

Je vais me coucher sur le dos
Et me rouler dans vos rideaux,
Ô rafraîchissantes ténèbres!»

Fleurs du Mal— Charles Baudelaire

(...fico à espera que a fénix se deixe encontrar.)

domingo, 6 de março de 2011

Domingo

Quiri quiri quiri quiri

Que bem me sabe, apesar da ressaca, acordar a um domingo de manhã e perceber que o povo do meu país tem sentido de humor.

sábado, 5 de março de 2011

Gostos não se discutem #2

(Imagem retirada daqui)

Tem fama de ter mau feitio e de maltratar a mãe, mas é um actor do caraças e lindo de morrer.

As minhas verdades

Não sou exemplo para à geração “à rasca". Tenho um emprego estável, um vencimento razoável e a viagem entre casa e o trabalho demora-me, na pior das hipóteses 10 minutos. Não tenho dívidas. O que ganho permite-me sustentar-me e ainda juntar uns trocados para um luxo ocasional. Posso afirmar que tenho uma qualidade de vida muito boa.
Como disse, apesar de nem sempre ter tido estas condições de vida, não sou exemplo. Mas alguns dos meus amigos são. E posso falar-lhes daquele que deixou a família cá em Portugal e emigrou para África, para poder juntar algum dinheiro, uma vez que cá no país não conseguia as condições de emprego que pretendia. Ou posso falar-lhes de um outro que trabalha a cerca de 60 quilómetros de casa, e cuja quase metade do vencimento, por não ser tão elevado quanto isso, fica no caminho, em combustível e portagens. Isto porque os horários que tem nem sempre lhe permitem usar os transportes públicos. Ou a outra que trabalha em dois sítios, porque apesar de um deles lhe garantir o sustento, não quer que nenhuma porta se feche e portanto mantém um segundo emprego que lhe dá dores de cabeça e um lucro monetário quase nulo. Ou então posso falar-lhes de uma outra, que por amor veio do Leste, onde tinha um emprego relacionado com a sua formação e que lhe conferia elevado prestígio, e que chegada cá, porque queria contribuir para a economia doméstica, aceitou trabalhar como empregada de balcão até conseguir, à custa de muitas batalhas e enorme esforço, encontrar trabalho na sua área de formação de nível superior.
Estes são os meus amigos, que nunca se queixaram que estão à rasca, porque fazem pela vida. Não terão uma vida fácil, mas têm a dignidade de quem fez tudo o que estava ao alcance para não depender de terceiros.
Desculpem-me a sinceridade, mas em grande parte dos casos, neste momento, não me parece que estejamos perante uma geração "à rasca", mas sim perante uma geração de "atados", que pouco ou nada faz, para que a vida lhe corra melhor.

Revelações

O segredo, miúda, é bem simples. Se ele for um homem, claro, porque se for um miúdo difilcimente surtirá efeito, e não te esqueças que muitos deles mantêm-se miúdos por toda a vida. Mas como te dizia, o segredo é muito simples, só tens que te certificar de que não te falta a energia para continuares a operacionaliza-lo indefinidamente.
 Então, é assim. Acorrenta-o a uma cadeira da montanha-russa e venda-lhe os olhos. Dá o sinal de partida e certifica-te que o motor nunca pára. E acima de tudo, nunca o deixes tirar a venda, pois será o inesperado o que o fará permancer.

Há gente que nunca nos desilude.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Constatação #6

É quase sempre na iminência de a perder que ele começa a encontrar-se.

quinta-feira, 3 de março de 2011

As estradas que se atravessam.



It took me nearly a year to get here. It wasn't so hard to cross that street after all. It all depends on who is waiting for you on the other side. - Elizabeth.

Transformações

O conquistador hábil é uma espécie de alquimista. Com paciência junta ingredientes sagrados, cozinha-os em lume brando, e vai tentando transformar, aos poucos, blocos de granito inquebrável, em torrões de areia que se desfazem ao mais leve toque. O conquistador hábil, ao contrário do alquimista, é capaz de transformar o metal mais inútil, no ouro mais puro.

terça-feira, 1 de março de 2011

Quimeras

"The moral I draw is that the writer should seek his reward in the pleasure of his work and in the release from the burden of his thoughts; and, indifferent to aught else, care nothing for praise or censure, failure or success"

W. Somerset Maughan. The Moon and Sixpence. pp. 8

O dia...

...é hoje.

(mensagem tão encriptada que nem mesmo o destinatário a vai compreender).

A promise that I could not keep...

Faças o que fizeres, tem atenção ao que te digo. Não lhe cries expectativas, se não tiveres a certeza absoluta que possuis os meios e a coragem para as cumprir, porque, caso contrário, estás apenas a contribuir para que se acrescente mais uma camada de material inquebrável à dura casca de noz onde ela se refugia do mundo e das pessoas.