sábado, 5 de dezembro de 2009

Urgência(s)

Ela sempre fora muito ansiosa. Tinha sempre urgências. Nas filas, estava sempre à frente de tudo, de todos, e quando não estava, arranjava maneira de se pôr. Quando caminhava, quase corria, com passos firmes, que se ouviam ao longe. Quem a conhecia, quando ouvia tal ruído, já sabia que era ela quem se aproximava, e que, com ela, vinha sempre alguma bomba. Ela própria era uma bomba-relógio de vontades urgentes. Procurava o que aspirava com afinco. Expressava os seus desejos com assertividade. Por vezes, exigia com agressividade que os satisfizessem. E não aceitava um não como resposta. Nunca aceitava um não como resposta. E a verdade é que acabava sempre por ter o "sim pretendido". Todos lhe satisfaziam as vontades e os caprichos.
Um dia, conheceu alguém que não gosta de pressas. Alguém que percorre vagarosamente os caminhos da vida, ao ritmo dos tempos antigos. Alguém que a deixou confusa, por mostrar indiferença face à urgência das suas intenções. Ela tentou impor-lhe a sua vontade, quase a ferros, mas nada se alterou. O desdém, a insensibilidade do interlocutor face às suas vontades era atroz. Essa criatura só respondia se lhe apetecia, quando lhe apetecia, e ao ritmo que desejava. A confusão tinha-se instalado. Deixou-a furiosa. Quem era aquela criatura que ousava desafiar a ordem imposta? Porque não lhe obedecia?
Aos poucos, foi tentando compreender o que se passava. Reorganizou os seus pensamentos e compreendeu que não poderia continuar a fazer das corridas o caminho para a satisfação. E, então, começou a refrear-se. A impaciência que a caracterizava começou a esbater-se e a dar lugar a alguma languidez, por vezes encenada. Foi aprendendo a paciência, aos poucos e poucos. Deixou de andar a correr. Começou a andar mais lentamente, rebolando devagarinho as ancas, qual actriz de filme dos anos 30. Sem cair na invisibilidade, tornou-se menos evidente. Deixou de procurar com tanto afinco e ficou à espera de ser procurada. Por vezes, faz de conta que não vê, que aquilo por que anseia lhe passa à frente dos olhos. Mostra-se, ora distraída, ora demasiado concentrada nos seus pensamentos. Outras vezes, demora o olhar, quando passa, mostrando ao de leve o que a faz mover. Há dias em que não sorri sequer, em que exibe apenas o seu lado menos disponível. Há dias em que apenas mostra um sorriso camuflado. Há dias em que ri com gargalhadas ruidosas, para se fazer notar. Resolveu deixar a vida fluir, sem pressas, sem a ansiedade de chegar o mais cedo possível. Continua a controlar o seu destino, mas sem urgência. Os seus desejos continuam a ser satisfeitos, mas agora muito muito devagarinho.
Aprendeu que a conquista ,quando tem tempo, quando flui sem impaciência, deixa nos lábios um sabor a fruta madura, acabada de colher.

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