sábado, 31 de outubro de 2009

E se...

E se,
tu acabasses com a tua vida,
e voltasses ao meu abraço?
Sobreviveríamos ao toque?

Por fios

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sigo

Vagueio pelas ruas de uma qualquer cidade.
Não tracei um destino, ou sequer um caminho.
Cruzo-me com outros seres humanos, criaturas cheias de intenções.
Todos têm um destino. Todos seguem um percurso riscado, planeado para si, com todo o rigor.
Não se afastam um milímetro da guia, do carreiro. São formigas abúlicas.
Paro, olho-os, sinto por eles uma indiferença gritante, um desprezo atroz.
Abomino os trajectos impostos, os sentidos únicos.
Desdenho das gentes que se deixam guiar, manipular.
Abalroo o conformismo, desafio as leis da gravidade.
Sigo contrariando a maré, até ao infinito, até à extinção.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Era duas vezes...

Quando acordei estava estendida num sofá da escola, com uma multidão de gente à minha volta. Olhei em redor. Procurei a luz dos seus olhos. Não a encontrei. Um ruído de vozes enchia o ar. Percebi apenas as palavras "foi o Leonel quem a segurou". Leonel era o seu nome.
Nos dias seguintes vivi em sobressalto. Tinha dificuldade em adormecer. Sonhava constantemente com tempestades, ventos, chuvas torrenciais, dilúvios. Uma inquietude ocupava-me o corpo e a mente. Não conseguia compreender o que me estava a acontecer.
Voltei a vê-lo, exactamente uma semana após o primeiro encontro. Dirigiu-se a mim. Sorriu. Olhou-me nos olhos. Disse-me que precisava de saber as horas, mas tinha medo de perguntar. Não queria ter que me carregar de novo. Sorri. O seu sentido de humor quebrou todas as minhas defesas. Conversamos. Trocamos nomes. Prometemos novo encontro, daí a uma semana, à mesma hora, no mesmo local...

(por questões relacionadas com o crescimento desmesurado, esta história continuará num outro formato)

Caminho(s)

Não acredito que seja este o meu caminho, mas vou continuar a caminhar por ele.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Era uma vez...

Há dias em que me parece que acabei de nascer.
Há dias em que me parece que estou quase a morrer.
Hoje é o dia do meu aniversário. Completo 79 anos. E, incrivelmente, tenho apenas uma histórias para contar.
Acabei com a minha vida no dia em que fiz 16 anos. Continuei a sobreviver, mas não mais me permiti viver.
Não acreditam? Eu conto.
Era uma adolescente comum. Tinha 15 anos. Estava quase a completar 16. Sentia-me como qualquer outra adolescente. Uns dias alegre, outros deprimida. A adolescência é por excelência, a idade maníaco-depressiva. Qualquer coisa nos faz a pessoa mais feliz do mundo, qualquer coisa nos faz sentir a criatura mais soturna e desgraçada na face da terra.
Naquele dia, estava à porta da escola que frequentava, quando, de repente, surgiu no horizonte um rapaz. Vestia um blusão de couro e trazia no braço um capacete para conduzir uma motorizada. Quando o vi, fiquei paralisada. Não porque fosse um rapaz muito bonito. Nem sequer era minimamente atraente. Fiquei paralisada, porque tinha no olhar uma luz que parecia querer incendiar tudo à sua volta. Nesse momento enamorei-me. Senti que esse seria o homem da minha vida. Que não poderia, alguma vez, amar outra pessoa.
Vim a saber, pouco depois, que se chamava Leonel. Soube-lhe o nome, porque se dirigiu a mim e me perguntou as horas. Não lhe consegui responder, não sabia identificar os números, ou o local onde os ponteiros do relógio se situavam. Tinha perdido a memória, e estava quase a perder os sentidos. Ele segurou-me evitando a queda desamparada...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Paisagem

Resolvi fumar um cigarro nas escadas do jardim.
Tenho a companhia dos meus gatos. O meu gato preto e o gato branco que por vezes me visita.
Tenho a companhia do meu leitor de mp3.
Tenho a companhia deste lugar onde escrevo.
Podias cá estar tu, mas não queres. Já não me queres.
Começou a dar MGMT - Time to pretend. Nem de propósito.
Ouço
"sinto-me dura, sinto-me crua"..
"mas não há nada que realmente possamos fazer,
o amor deve ser esquecido a vida pode sempre começar de novo"
Vejo ao longe milhares de luzes.
Lembro-me que te disse "Vem cá, espreita. Da minha casa pode-se ver o mundo todo"
E tu sorriste. Não percebeste realmente o que te disse. Não percebeste grande parte das poucas coisas que te disse. Não percebeste que tens tanto para aprender e que eu poderia ser a tua mestra. Preferes guardar-te na tua simplicidade. 
Olho para o prédio que detesto, porque me tapa o mar. Dezoito andares de vidas. Janelas com luzes, janelas com escuridão. Gente a comer, a ver televisão, a copular. Pessoas a amar e a odiar, Vidas sem sentido, para além do instinto de viver.
Vais crescer, vais perceber, vai ser tarde.
Ainda sinto o teu cheiro na minha pele. Quero libertar-me dele. Não consigo.
Apago o resto do cigarro no cinzeiro. Desligo o leitor de mp3. Levanto-me. Entro em casa. Fecho a porta.
Vou fechar este lugar onde escrevo. Vou pôr a minha vida em suspenso.
Quando assim se está, a dor deixa-se esquecer. Fica encerrada. À espera de ser libertada.

Desejo

Desejei. Fui desejada.
Fui feliz por momentos. Momentos efémeros. Microsegundos mágicos.
Mas a felicidade rapidamente se esgota. Acabou.
Mergulhei num mar de sentimentos azedos. O seu cheiro viscoso entranhou-se-me na pele.
Vomito a dor que me invade. Não consigo esgotá-la. Cresce e renova-se dentro de mim.
Quero. Quero querer. Quero que me queiras.
Quero voltar a ser feliz.

domingo, 25 de outubro de 2009

Ontem

Ontem descobri
um novo mundo,
cheio de pureza, de sinceridade,
sem artifícios ou enganos.
Ontem descobri
que apesar de ser bom crescer,
às vezes temos de voltar a ser meninos.
Ontem descobri
que viver pode ser simples,
se o fizermos sem pressas.
Ontem descobri
que ainda posso ser surpreendida,
se afogar os preconceitos, e alertar os sentidos.
Ontem descobri-te e fui feliz.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Frieza

- És tão má!
- Porque me estás a dizer isso? Por que razão dizes que sou má?
- Porque és incapaz de um gesto de carinho para comigo. E eu que te adoro.
- És tão lamechas. Pára lá com isso.
- Porquê? Não posso dizer que te adoro? Que passo o dia á espera de poder ver-te, de poder tocar-te, de poder ouvir a tua voz, sentir o teu cheiro.
- Já te disse para acabes com isso. Detesto essa conversa. Não foi isso que combinamos.
- Pois não. Mas, agora, é esta a realidade. Estou perdidamente apaixonado por ti. E tu? Para ti sou apenas alguém de quem te serves quando estás esfomeada e cujos restos deixas na valeta a apodrecer quando te satisfazes.
- És tão exagerado.
- Não, não sou. Sou apenas um homem apaixonado. Um homem desprezado, que passa cada segundo do dia à espera de um sinal de que é correspondido.
- E depois do sinal?  O que acontecia? Ajoelhavas-te e pedias-me em casamento à moda antiga. Casávamos e éramos infelizes juntos, para todo o sempre. Até que a morte nos separasse.
- E por que razão seríamos infelizes?
- Porque a experiência diz que é assim. Porque eu sou incapaz de amar alguém. Porque sou capaz de cometer as maiores atrocidades quando me provocam.
- Isso é impossível. Ninguém é incapaz de amar. Falas como se fosses uma velha.
- E sou. Eu já esgotei tudo o que tinha para dar.  Apenas procuro companhia e a satisfação das minhas necessidades mais básicas. Sinto-me como se tivesse centenas de anos. Não tenho apetência para gestos de carinho. Não tenho paciência para pajear quem quer que seja. Sou livre para desprezar.
- Não aguento mais isto. Vou embora. Desta vez não regresso.
- É o preço que acabo por pagar. Adeus.
- Adeus
- Sem mais demora, o lugar que libertaste é preenchido.

domingo, 18 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Desisti de ti?

Na noite passada tive um sonho.
Estávamos sentados, lado a lado, num banco de madeira, ambos a olhar para o horizonte.
Tudo à nossa volta era púrpura. Um púrpura faiscante que me magoava os olhos. Um púrpura vazio de objectos.
Estavas calado, alheado. Com as costas muito direitas, as sobrancelhas carregadas, um olhar distante e frio.
E eu, sem compreender, falava em contínuo, sem sequer parar para respirar. Como se tivesse medo que os movimentos de inspiração e expiração, me desligassem. Como se temesse que o meu silêncio, pudesse fazer-me desaparecer.
Tu não ouvias, atentamente.
Cansei-me de falar. Calei-me de repente. Percebi que era inútil.
Levantei-me. Comecei a andar em direcção ao vazio púrpura. Não virei a cabeça para um último olhar.
Enquanto caminhava, também pairava sobre ti. Conseguia observar-te.
Não reagiste ao meu abandono. Não te moveste, nem um centímetro que fosse.  Não tentaste deter-me.
Continuei a andar. Fundi-me na paisagem. Desapareci.
Continuei a pairar sobre ti. Aguardei um sinal. Permaneci.

Cirros










segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tenho saudades...

Tenho saudades...
do riso,
do ar de menino mimado,
das birras fingidas,
das explosões narrativas,
das acusações,
da verborreia,
da sabedoria,
da inocência,
da tristeza,
das palavras doces, ditas,
dos desafios impostos,
dos silêncios,
da crueldade.
Tenho saudades tuas.

Sabes nadar?

- Sabes nadar?
- Que raio de pergunta. Nem sequer estamos na praia.
- Sabes ou não?
- Não, não sei.
- Então não te ponhas fora de pé.
- O que quer dizer isso?
- Que deves ter cuidado e não sair fora de pé. Se não sabes nadar, podes afogar-te.
- Vocês mulheres, são todas iguais. Complicadas e ininteligíveis.
- Vocês rapazes são todos temerários e inconscientes.
- A minha única inconsciência é estar apaixonado por alguém que me despreza.
- Então deixa de estar?
- Pensas que é fácil? Que basta decidir e pronto?
- Claro que é fácil. Centra a tua atenção nos seus piores defeitos. Ah! E escolhe outra vítima para a tua paixão. Uma que não te despreze.
- Os seus piores defeitos são o alimento da minha paixão. E as mulheres que me perseguem, não têm qualquer interesse para mim.
- Porque tu assim o queres. Dá-te uma nova oportunidade. Dá-lhes uma oportunidade.
- Amo-te. Foge comigo.
- Não sejas tolo. Eu avisei-te.
- Avisaste?
- Já saíste de pé. Agora só tens que esperar até te afogares.

domingo, 11 de outubro de 2009

Luz II

Luz

Menino

Vês-me, ao longe, a aproximar. O teu sorriso ilumina-se.
Começas a procurar uma frase inteligente para me dizer. Pensas que é esse o caminho até mim.
O caminho até mim não existe.
Sorrio! Respondo-te qualquer coisa provocatória e continuo a andar. Por vezes paro. Dou-te alguma atenção. Depois continuo. Por vezes ignoro-te. Confundo-te.
Pões a língua de fora, em jeito de rebeldia. Fico desarmada. Rio à gargalhada. Incentivo-te.
És apenas um menino.
Encantas-te com a minha espontaneidade planeada. Vibras com a minha loucura sensata.
Eu sou o desafio que procuras.
Preocupas-te com o meu bem-estar. Guardas-me as costas. Cirandas à minha volta.
Queres-me com todo o teu ser. Desejas cada poro da minha pele. Procuras o meu cheiro, no ar que respiras. Anseias pelo som dos meus passos...
Não te aproximes mais. Luta. Foge. Afasta-te.
Não te deixes atrair pelas cores vivas, pelo brilho que liberto.
Eu sou a viúva negra, o escorpião, a louva-a-deus, a piton.
Sou desprovida de moral, de lealdade, de piedade.
Guio-me pelo princípio do prazer. Não olho a meios.
Uso os objectos do meu desejo como marionetas, e quando me canso, tranco-os no fundo de um baú velho.
Liberta-te de mim. Eu serei a tua perdição...

sábado, 10 de outubro de 2009

Sonhos

O David Byrne canta em francês no rádio. Au fond du temple saint.
Os meus sonhos são meu templo, o meu santuário.
A eles regresso quando cai a noite. Deles não quero sair quando amanhece.
Enquanto durmo, passam-me pelos olhos todos os momentos vividos ao teu lado.
Noite após noite. Sempre o mesmo sonho.
Dançamos, rimos, corremos como crianças.
Sinto,
o sabor dos teus beijos,
o cheiro do teu corpo,
o toque da tua pele,
o timbre da tua voz,
a beleza do teu ser.
Somos felizes até à exaustão. Somos felizes até a felicidade se esgotar.
Estás infiltrado na minha pele.
Liberto-te quando me deito, aprisiono-te de novo ao acordar.

Eterno namoro

Lembras-te do nosso primeiro encontro? Do dia em nos vimos pela primeira vez?
Eu estava com um amigo. Tu chegaste e falaste com ele. Parecias ignorar a minha presença. Eu não conseguia desviar o olhar de ti.
Desmascaraste-me.
E a partir desse momento, foste tu quem não mais conseguiu desviar o olhar. Passaste a pousar demoradamente os olhos em mim, nos meus olhos.
Começamos a namorar-nos em silêncio.
Cruzávamo-nos por todo o lado, sem nunca proferir palavra. As palavras não seriam mais que um estorvo.
Comunicávamos com o corpo, com os olhos, com os gestos, com o sorriso. Contávamos um ao outro histórias infindáveis, inarráveis.
Todos à nossa volta nos conseguiam ler. Éramos transparentes. Negavamos sempre.
Viviamos em mundos paralelos, que seguiam mais ou menos juntos.
Amávamos outras pessoas. Beijávamos outras bocas. Copulávamos com outros seres humanos. Mas sempre nos fomos leais. Sempre nos fomos fieis.
Houve um dia em que quase nos destruímos.
Cruzamo-nos por um acaso e falamos. Conversamos sobre banalidades. Trocamos contactos. Prometemos encontros. As palavras cumpriram o seu desígnio. Fizeram esmorecer o desejo.
Continuamos a encontrar-nos ora aqui, ora ali. Umas vezes propositadamente, outras por acidente. Continuamos a falar. Mas nunca mencionamos os gestos passados. Não são descritíveis, não são do domínio das palavras.
As palavras acabaram com o enamoramento.
A distância reacendeu a chama.
Já passaram quantos anos?15? 20? Mais? Menos?
Acabei de falar contigo. Uma pequena conversa à distância.
Chamaste-me para perto de ti. Recusei.
Brincamos a medo com as palavras. Reacendemos o romance. Retomamos o passado.
Continuamos a adiar novo encontro. Um adiar permanente da satisfação do desejo.
O prolongar da sedução...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Trocadilho

É madrugada.
Finalmente decido deitar-me.
Entro no quarto e lá estás tu, estendido nos meus lençóis.
Meio a dormir, meio acordado, entreabres os olhos para me ver.
Esticas os membros, espreguiças-te, abres totalmente os olhos, os teus olhos verdes por que me apaixonei.
Fixas o olhar me mim, enquanto me preparo para deitar.
Observas-me enquanto tiro a roupa.
Com o olhar chamas-me para a cama.
Queres sentir o meu calor. Queres que me enrosque em ti.
Sinto-me tentada. Recuo. Hoje não me apetece.
Pego-te ao colo. Acaricio o teu pelo negro. Ronronas de prazer.
Deito-te na tua cama. Atiras-me um olhar de desânimo.
Volto para o meu quarto. Deito-me na minha cama.
Hoje vou dormir comigo.

Não te faço falta...

Quando acordas não me procuras.
Quando te sentes só não chamas por mim.
Quando tens fome de amor procuras outrem.