terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Viagens de Avião

Toda a gente que eu conheço tem medo de andar de avião. Pronto, não será bem toda a gente, mas a maioria das pessoas que conheço evita andar de avião. E mesmo os que dizem que não têm medo, não são propriamente entusiastas dos caminhos aéreos. Eu não tenho medo nenhum de andar de avião. Aliás, adoro andar de avião. Admito que as turbulências me aceleram o batimento cardíaco. Mas isso acontece porque não gosto de ser abanada. Além disso, parece que o avião decide sempre tremer na hora da refeição, o que é meio caminho andado para a comida começar a derramar-se sobre mim. Ora, não é uma imagem muito agradável, aos olhos de quem anda por um aeroporto, ver sair do avião, uma rapariga coberta de puré de maçã, sumo de laranja ou café, entre outros. Mas abanões à parte, para mim, viajar de avião, é sempre uma aventura, uma excitação, um motivo de entusiasmo. E não consigo compreender o medo que tais viagens parecem causar à maioria dos mortais.
Para mim, a aventura começa com a viagem até ao Aeroporto. Essa é a única altura em que viajo de táxi, na minha cidade. Adoro quando me sai um carro daqueles à moda antiga, preto com o tejadilho verde. São os meus preferidos. Entro no táxi e digo a frase da ordem:
- É para o aeroporto, por favor.
Invariavelmente, o taxista é um homem com mais de 45 anos e, invariavelmente pergunta:
- A menina vai viajar?
Como a mala gigante que me acompanha parece não esclarecer essa questão, eu respondo que sim, e a viagem de cerca de 20 minutos decorre em amena cavaqueira. Fala-se do local para onde irei viajar, do trânsito, de como é difícil ser taxista, da crise... E eis que chegamos ao aeroporto. Quando avisto o aeroporto da minha cidade sinto-me como se estivesse num filme sobre o futuro. Tubos de metal encaixados entre si, entrecortados com vidro ou acrílico. Luz que vem do céu e se estende por todo o lado. Corredores amplos, muito limpos, onde circulam meia dúzia de passageiros e centenas de assistentes de terra com fardas de cores diferentes. Um arco-íris de funcionários, à disposição dos passageiros, para lhes facilitar a viagem. O aeroporto da minha cidade é muito moderno e foi recentemente premiado com o selo de melhor do mundo (categoria - aeroportos com menos de 5 milhões de passageiros). É um dos orgulhos da cidade. A verdade é que, efectivamente, é um dos melhores onde já estive, e posso dizer que já embarquei e desembarquei em alguns.
Dirijo-me, então ao balcão, faço o check-in, peso as malas, entrego o passaporte. Sim, porque eu recuso-me a viajar sem passaporte, mesmo quando vou para a UE. É um dos rituais que não dispenso. Viajar sem passaporte, não me sabe a viajar.
E depois do check-in? O café obrigatório no bar do aeroporto. Provavelmente o último café tragável, que beberei até ao meu regresso. Por muito mau que seja, é sempre melhor que qualquer café que se beba num país estrangeiro. Tem o gosto das memórias do dia-a-dia, tem o gosto do meu país.
Depois a passagem pelo controlo de passageiros, a revista, o raio-X da carteira. Gosto de imaginar as coisas que o controlador de raio-X vê, através da íris da máquina. Basta uma imagem mais escura e toca a tirar tudo para fora. É a confusão total de frascos e moedas e batons e papéis e espelhinhos... Divirto-me com tudo isto. Afinal o problema era só o porta-chaves em forma de tesoura. Reposta a ordem e os objectos na carteira, inicia-se a entrada no avião.
É nesta altura que a adrenalina começa verdadeiramente a crescer. Procuro o lugar que me está reservado e instalo-me. O capitão liga os motores, inicia a manobra de marcha-atrás e entra na pista.
Dá-se, então, o ponto alto da viagem, o pico da excitação. O acelerar dos motores, o rápido deslizar pela pista, o momento em que se perde o contacto com o chão, a subida a pique. É por este momento que espero desde que compro o bilhete de avião. A sensação é a do início de uma aventura. Um arrepio forte na espinha, uma sensação de abismo no fundo das costas. Sinto-me como uma criança que acabou de entrar num parque de diversões pela primeira vez. E mesmo após viagens e viagens, parece-me sempre a primeira vez. Adoro descolar.
E depois o decorrer da viagem. A possibilidade de observar pessoas, analisar comportamentos, descobrir os medos, inventar personagens, criar histórias. Uma diversão que é apenas interrompida pela refeição e pela turbulência. Qualquer pessoa que tenha algum interesse pelo comportamento humano, pode ter, durante uma viagem de avião, momentos riquíssimos de estudo. Quem serão aquelas pessoas? Para onde vão? O que as leva a viajar? Aquele ali está a suar por todos os poros. Parece ansioso com algo. O outro ouve música aparentando descontracção. A rapariga que viaja com o namorado está a rir-se à gargalhada, está animadíssima. O miúdo que viaja com o avô não se cala um segundo... As histórias que se poderiam escrever a bordo de um avião.
Finalmente a aterragem. O contacto dos pneus com o solo. O desembarque. O cheiro do ar de outro país ou outra cidade, que nunca é igual ao odor na hora da partida. E a eminência de repetir tudo de novo, no regresso.
E depois de tudo isto, poderá ainda haver quem sinta medo ou desassossego? Não consigo mesmo compreender.

1 comentário:

  1. Também não:).
    O poder de obervação de gente em trânsito, inspira-me, completamente - em aeroportos; em estações de serviço; dentro dos aviões, comboios, metros...
    Talvez a sensação de transitoriedade me desperte o imaginário, sei lá!

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