segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Filósofos da vida

- Estou certa de que se começassemos a viver juntos, não durariamos muito tempo.
- Lamento, mas tenho que te dar razão. Somos muito semelhantes no essencial e demasiado diferentes nos pormenores.

domingo, 28 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Funerais

Como o coveiro, continuo a deitar pás de terra sobre o buraco onde te enterrei. Mas ao contrário de um morto vulgar, tu continuas a emergir das profundezas. E são vãs todas as diligências que faço para lá te manter. Acho que deveria ter-te mandado para o crematório, para depois espalhar as cinzas bem longe da minha morada.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pormenores

 Ela observa as luzes da cidade com nostalgia, sentindo o frio da noite na ponta do nariz, na ponta dos dedos nus. Fuma um cigarro que vai alertar-lhe os sentidos e entorpecer-lhe os músculos. Observa o fumo que sobe o ar gelado lentamente,  preguiçosamente.  Sente o cheiro intenso que a laranjeira do vizinho exala. A luz da lua ilumina-lhe o pátio e aclara-lhe os pensamentos. A cena apresenta-se-lhe como quase perfeita. Apenas lhe falta um enorme pormenor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Definições #1

"- A alma, - diz ele - ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia toma cor. Há seres cuja alma é uma continua exalação. Há-os cuja alma é uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes de a matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluídos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsa dessa névoa sensível."

Húmus, Raul Brandão. Porto Editora

domingo, 14 de novembro de 2010

Surpresas

Duma assentada só disse-lhe, alto e a bom som que não tem medo dela, que ainda a vai deixar sem resposta. Depois baixou um bocadinho o tom de voz e acrescentou que ela lhe faz bem. Não percebeu, e ela também não lhe vai dizer, mas com esta última afirmação deixou-a sem palavras. Só lhe falta confirmar se ele é suficientemente louco para a enfrentar sem medos.

Mais um segredo que se revela

Numa atitude à Pipoco mais salgado, resolvi hoje educar o povo. Não que eu considere que as 7 pessoas que me lêem necessitem dos ensinamentos que irei de seguida debitar, mas pode sempre dar-se o caso de aparecer por cá alguém por engano, a quem estas palavras possam servir de guia.


Quem lê o Principezinho do Antoine de Saint Exupery prende-se, na maioria dos casos, com a passagem em que se diz que "só se vê bem com o coração" e réu béu béu pardais ao ninho. Não deixa de ser uma citação interessante, mas que se encontra reproduzida por milhares de outros escritos de cariz metafísico ou místico, quer posteriores a esta obra, quer mesmo anteriores, que não acrescenta muito àquilo que já se sabe e que, apesar de ser uma frase bonita, não serve de grande coisa na prática.
No entanto, nesta obra, há uma passagem que poderá ser uma metáfora às relações romantico-amorosas, e que usada com discernimento pode facilitar todo o processo de enamoramento. A dada altura da narrativa, uma raposa diz ao príncipe que para se cativar alguém é necessária paciência, e que este processo demora algum tempo.
Transpondo a questão para os relacionamentos amorosos, pode-se dizer que para conquistar alguém, para que esse indivíduo se deixe conhecer e eventualmente partilhe connosco toda uma existência, é necessário que se gaste tempo e paciência, e que se esteja disposto a avançar e recuar na conquista, sem pressas nem pressões. Esse é mais um dos ingrediente teórico que lhes garantirá o sucesso. O difícil é conseguir pô-lo em prática.

sábado, 13 de novembro de 2010

Preconceitos

prejudice n.
1. a. An adverse judgment or opinion formed beforehand or without knowledge or examination of the facts. b. A preconceived preference or idea. 2. The act or state of holding unreasonable preconceived judgments or convictions. 3. Irrational suspicion or hatred of a particular group, race, or religion.
4. Detriment or injury caused to a person by the preconceived, unfavorable conviction of another or others.

in http://www.thefreedictionary.com/prejudice

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Pecado capital

Egocentrismo - s. m. 1 tendência para referir tudo a si mesmo; 2 preocupação exclusiva consigo e com os seus próprios interesses; 3 individualismo extremo...
in Dicionário da Língua Portuguesa 2003. Porto Editora

Eu sempre soube que estavas destinado a grandes desígnios. És o designer do oitavo pecado capital.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Frustrações

Sinto necessidade de frequentar uma licenciatura em Economia, para poder ver televisão e compreender o que lá se diz.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Porquê?

Tendemos a procurar a cura através da complexidade. Procedemos a análises aturadas, efectuamos sinteses intrincadas após revisões completas da literatura. Consultamos os melhores especialistas e consumimos os remédios mais caros. E no fim, depois de esgotadas todas as forças, compreendemos que a solução está nas simplicidade, pois é ela que nos retempera as energias.
E a culpa deste engano permanente é da maldita educação judaico-cristã, que  nos remete sempre para a escolha do caminho das pedras.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Artigos de luxo, ou "como transformar uma casa séria numa lamechice pegada".

Saltear uns camarões com azeite e alho no wok. Juntar-lhes uma mistura congeladade espinafres com queijo, da marca branca do supermercado mais famoso. Deixar derreter o queijo, até este se transformar em molho. Juntar finalmente o esparguete integral pré-cozido.
Abrir um garrafa de vinho tinto e ditribui-lo por dois copos de pé alto.
Finalmente, juntar o artigo de luxo e disfrutar.



Depois de saíres, lembrei-me que ouvíamos isto em 1993. E sorri. Porque também tu me trazes o sorriso aos lábios.

sábado, 6 de novembro de 2010

Diálogos complexos

Antes do jantar

- Eu apenas vou jantar contigo, porque estou a gostar desta amizade emergente.
- E eu apenas te convidei para jantar porque quero conhecer melhor o meu novo amigo.
- Então estamos em sintonia, no mesmo patamar?
- Sem dúvida alguma.

Após o jantar.

-Estás quase a dormir.
-Não. Engano teu. Estou bem acordada.
-Tens os olhos fechados.
-Sim. Mas não porque tenha sono.
-Então tens o quê?
-Não é o que tenho, mas sim o que me falta.
-E o que queres tu ter?
-Sabes bem o que quero. Mas também sabes que não vou pedir.
-Não precisas. Aqui está.

Na hora da partida

-Afinal os teus vaticínios e promessas sairam gorados.
-Pois sairam. E as vezes que eu prometi e ensaiei.
-É melhor que comeces a acreditar nas minhas capacidades de leitura. Poupar-te-ão a uma série de desilusões.
-Tenho que admitir que a razão está do teu lado. E sabes que mais. Isso nem sequer me aborrece.

Nota mental

Não voltar a duvidar da fiabilidade das suas interpretações.
Afinal, ela tem mesmo visão raio-X, e por isso o mundo, aos seus olhos, torna-se mesmo transparente.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Transparências

Esticou a mão para lhe pedir o objecto. Ele sabia qual era o propósito do seu gesto. É um gesto que repete já maquinalmente. É um gesto a que ele responde automaticamente. Desta vez, porque conversava com outra pessoa, estendeu-lhe a mão sem sequer olhar para ele. Ele, em vez de lhe estender o objecto, como era suposto, agarrou-lhe a mão e ficou a segurá-la até ela lha pedir de volta. Ela disfarçou mal a perturbação que o acto lhe infligiu. Corou, gaguejou, ficou assarapantada, disse-lhe que tinha a mãos geladas. Rapidamente recolheu o objecto que ele lhe entregou e fugiu dali. Não sem antes pensar que ele se tinha atrevido a tocar-lhe pela primeira vez. Não sem antes pensar que tudo o que ele lhe tinha dito que poderia vir a ser, já era. Não sem antes pensar que afinal, mesmo apesar de ele negar com todas as suas forças, ele está mesmo cada vez mais transparente.