quarta-feira, 29 de junho de 2011

Manifesto pelo fim do assassinato da poesia

Nem todos os actores sabem dizer poesia. Por isso, antes de os deixarem vir para a televisão declamar, obriguem-nos a treinar em frente ao espelho.

Obra do Diabo

Os sensores, apesar de danificados, ainda conseguem reconhecer o modo "necessito de". Tal como nos carros modernos, emitem uma espécie de apito, que se torna cada vez mais frequente à medida que se aproximam o obstáculo. A condutora, aparentando desatenção aos sinais sonoros, finge ignorá-los até ao momento de quase embate. No último minuto trava, mete a primeira e arranca muito devagar percorrendo apenas alguns centímetros, o espaço suficiente para evitar a colisão e perpetuar a integridade.



A minha opinião vale o que vale.

Mas o José Gomes Ferreira é o comentador com mais nível da televisão portuguesa. Aliás, é o unico homem que não me faz mudar de canal ou adormecer, quando o assunto é economia.

terça-feira, 28 de junho de 2011

domingo, 26 de junho de 2011

sábado, 25 de junho de 2011

O que os outros escrevem.

Há pessoas cuja criatividade nos vicia, pois são capazes de transformar a mais pequena parvoíce num enredo alucinante.

Está oficialmente roubado, mas com a devida permissão.

E os homens também.


Sentado na esplanada, B. vê A. caminhando com ar perdido e acena-lhe para o chamar. A. retribui o aceno com aparente dificuldade e caminha lentamente na direcção do amigo. Sem falar, puxa uma cadeira, deixa-se cair como se tivesse sido baleado naquele momento e fica aparvalhado a olhar para o horizonte, no caso a fachada em ruínas de um prédio do outro lado da rua. B. que lhe conhece os exagerados gestos teatrais a pedirem tortuosas explicações, bebe metade da imperial, agarra meia dúzia de tremoços para ir debulhando como pipocas no cinema e pergunta sem preâmbulos:
– Então, o que foi agora?
A., suspira ruidosamente recuperando vitalidade (mas pouca), estica o braço para colher uma mão cheia de sementes amarelas demolhadas em água e sal, ergue um dedo a pedir uma imperial, ergue outro a pedido de B., espera que o empregado lhe veja os dois dedos no ar e, quando isso acontece, aponta para o copo quase vazio de B.
– Ó pá... – A. interrompe-se para descascar e comer um tremoço, numa sucessão perfeita de movimentos mínimos mas absolutamente eficazes, e, depois de deglutida a semente cozida, continua com ar sofrido: – Não me digas nada... não me digas nada.
B. bebe o resto da cerveja, pensa como era bom se isso resultasse e murmura:
– Se eu não disser nada tu também não dizes?
– O quê?! Estás a rezar ou quê?
– Não. Estava a pensar numa coisa.
– Ah... Quem me dera ser assim, a poder pensar noutras coisas, a poder estar sentado como tu, despreocupadamente, numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços...
– Pois é... – B. mantém-se sério. – Ás vezes, as pessoas nem percebem a sorte que têm em poder estar assim, sentados, numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços... Aliás,...
A. concorda movendo a cabeça em câmara-lenta, com o ar cómico de quem vai desfalecer se continuar a concordar com tanto empenho.
B. olha-o, percebe que A. não o ouve e só espera que ele se cale para desfiar as suas últimas e insuperáveis tragédias, e conclui:
– Aliás, parece-me que há pessoas que mesmo quando estão sentadas numa esplanada a beber cervejas e a comer tremoços não sabem que aí estão e que, se depois lhes perguntarem, negam ou então dizem que só lá estiveram por absoluto altruísmo para acompanhar um amigo, só por isso, e só beberam uma imperial e comeram um tremoço por solidariedade e com muito esforço.
– Pois é... – A cabeça de A. continua a pender e a subir e a pender e a subir como se tivesse ganho autonomia. – Ó pá mas tu nem sabes o que me aconteceu...
– Mas vou saber.
– As gajas são todas iguais. Não há uma que se aproveite.
– Essa é que é uma grande verdade – intromete-se o empregado, que pousa as duas imperiais e, agarrando no copo vazio, declara enfático, antes de se afastar: – Leiam os meus lábios: Ne-nhu-ma! Nem uma, amigos!
B. não comenta, agarra no copo cheio e dá dois goles. A. agarra no seu copo e acompanha-o, depois, a cabeça, logo que a boca se vê livre do copo, volta por motu próprio ao anterior movimento pendular e, por fim, diz:
– É que quando querem alguma coisa de um gajo – "Mas alguém quer alguma coisa de ti?" admira-se o amigo –, não o largam, andam atrás, não descolam, e isto e aquilo, e que torna e que deixa e ronhonhó...
– E re-béu-béu pardais ao ninho...
– Pois é – anui A., pondo na boca todos os tremoços que tem na mão, sem os descascar, uns sete ou oito, que come de boca aberta ante o olhar espantado de B., e, ainda com a boca cheia e a cuspir pedaços amarelos, continua: – Depois de terem o que querem, deixam de nos ligar e um gajo que se lixe!
A. espera que B. concorde mas este, hipnotizado pelo espectáculo amarelo, branco e cor-de-rosa que se desenvolve na boca de A. e arredores, demora a perceber e só depois de um "Não achas?" sibilino e amarelecido de A., replica, sem saber do que está a falar:
– Podes crer.
Satisfeito, A. bebe o resto da sua imperial para empurrar a massa de tremoços e cascas que não tinham sido engolidas ou expelidas como projécteis e conclui:
– É que são todas. As mulheres são todas iguais!
– Mas há umas que são mais iguais do que outras – replica B.
– É, lá isso é – concorda A. imediatamente, sem ouvir, mais preocupado em ser visto pelo empregado e garantir a pronta reposição de cerveja na mesa do que com o rumo da conversa. – Queres outra? É que hoje estão a escorregar que é uma maravilha!
B. diz que sim, que quer, que sim, que estão, e sorri satisfeito, mas com uma ponta de remorso, certo da inevitabilidade de ter de ouvir o que aconteceu a A. mas seguro de que isso só acontecerá quando ele próprio já estiver alcoolicamente preparado para tal.


O mundo foi um lugar feliz

O oxigénio que lhe alimenta as células vem em pequenos balões, em quantidade apenas suficiente para a sua sobrevivência. E ainda assim, há dias em que ela abdica dele só para poder sentir a agonia de quem está prestes a sufocar. É no momento em que sente a aproximação da morte que finalmente consegue sentir-se viva.

terça-feira, 21 de junho de 2011

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Assim se reforça a confiança nas instituições

Só faltou mesmo o tal do tiro, porque sapos foram pelo menos dois, enormes e bem verdes.

domingo, 19 de junho de 2011

Freud explica

O mundo queixa-se com dores por todo o corpo. São as dores de cabeça do evitamento, as dores nas costas da contenção, as dores no estômago do adiamento.  Eu não fujo à regra e também tenho as minhas. As dores no peito de quem perdeu mas nunca virou as costas ao desafio.

sábado, 18 de junho de 2011

Apenas

Não desisti de encontrar,
apenas não me apetece procurar.

terça-feira, 14 de junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Filósofos da vida # 5

"Não é preciso que o bebedor abdique da sua razão, mas o amante que conserva a sua não obedece até ao fim ao seu deus."

Memórias de Adriano. Marguerite Yourcenar. pp. 16.

domingo, 12 de junho de 2011

Constatação #10

Alcançaremos a serenidade quando encontrarmos o meio do caminho entre a minha espontaneidade e a tua contenção.

sábado, 11 de junho de 2011

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Apostas

A ingenuidade carregada pela aflição,
Fez-me num espaço de dias esquecer
Que quem vive da competição
Não passa muito tempo sem ansiar vencer

E eu que não sei senão viver,
Mesmo que por vezes com temor,
Estou disposta a pagar para ver.
E tu? Ainda és jogador?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Encruzilhadas

Numa encruzilhada escolheu um caminho. Tinha outros à disposição, mas aquele pareceu-lhe o certo. Percorreu-o ultrapassando as pequenas barreiras que lhe iam aparecendo, até que se deparou com muro alto que a impedia de continuar. Fez várias tentativas para o ultrapassar, mas todas elas foram inúteis. Ainda colocou a hipótese de voltar atrás e tentar um dos percursos alternativos. Mas sente-se demasiado cansada e por isso decidiu procurar algo onde pudesse sentar-se e esperar que um cataclismo derrube o obstáculo. Até porque, enquanto espera, poderá sempre aparecer alguém disponível para a transportar em braços até ao seu destino.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Enganos

Resolvi cartografar-te,
muito devagar e com rigores.
Peguei num lápis de carvão
e apontei-te os pormenores.

Na pele memorizei-te os sinais,
dela destilei os teus odores.
E da boca, ao prová-la,
guardei todos os sabores.

Fiz mapas complicados,
devidamente legendados.
Quis tudo muito muito direito!

E com toda esta exaustão,
gerou-se a confusão.
Errei o caminho para o teu peito.

domingo, 5 de junho de 2011

Contrariedades

Dever cumprido sem qualquer tipo de convicção. Mais um bocadinho de mim que se esvaziou ao colocar a cruz. Qualquer dia não sobra nada para além do invólucro.

sábado, 4 de junho de 2011

Pôr-do-sol

A quebrar recordes de velocidade

Ou como se chega dos 0 aos 100 em menos de 2 semanas. 



The Kubler-Ross grief cycle. Imagem retirada daqui.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Verdades absolutas #2

"Não é a nostalgia de um amor que nos faz enamorar, mas a convicção de não termos nada a perder tornando-nos aquilo que somos; é a perspectiva do nada à nossa frente. Só então se constitui dentro de nós a propensão de nos lançarmos no tudo ou nada..."

Enamoramento e amor. Francesco Alberoni. pp. 76

Em ruinas

Arruinamos o amor quando decidimos intelectualiza-lo e transformar a sua expressão num conjunto de manifestações reguladas pelo socialmente adequado.

O amor é emoção, o amor deve ser ridículo.


Retratamento- Da Weasel

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Viva a retórica


Não sou de forma alguma defensora de gente que escreve nas paredes alheias. Aliás, critico veementemente esse tipo de atitude e considero que deve ser punida, quanto mais não seja, com a imposição de se limpar o que se suja. No entanto, não posso deixar de sentir alguma simpatia por quem evita os famosos "Amo-te Cátia Vanessa" e de uma forma pueril opta pela indefinição quer temporal, quer da quantidade de amor devotado, quer mesmo do próprio objecto, garantindo a veracidade da afirmação, em qualquer momento da sua existência.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Queria contar-te...

...que ontem tive um dia feliz, que me fizeram acreditar que a esperança pode subsistir, que me colocaram a auto-imagem nos píncaros, que estou prestes a concretizar os projectos que me fizeste definir, que o mar ainda me faz sorrir, que consegui impor a minha posição, que a insónia me tem abandonado aos poucos, apesar dos pesadelos continuarem a assombrar-me, que a vida é tão difícl para alguns e tão fácil para mim, que descobri uma amiga nova, que a ansiedade decresce à medida que o auto-controlo aumenta, que hoje fugi do plano, mas que volto a ele de imediato.
Queria contar-te tanta coisa, mas tenho medo de já não saber falar contigo. Tenho medo que já não me saibas ouvir.