domingo, 28 de fevereiro de 2010

Já falta pouco.

Uma criança dorme profundamente num quarto. Um gato, estendido em cima do sofá, dormita sobre uma manta. No rádio toca uma música do Rodrigo Leão.
Uma mulher entra na sala a trautear baixinho a música que se ouve, senta-se no sofá, acaricia o gato, abre um livro que está pousado e começa a ler.
Não quer adormecer. Tenta manter-se acordada a todo o custo. Quer aguardar pela hora.
Espera por algo. Acredita em algo.
Acontecerá?

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Recordas-te? Recordas-me?


Recordas-te do tempo em que eu acreditava no amor?

Tudo na vida era conturbado, mas apenas porque tu existias, apenas tu me inquietavas.
O vento não me arrefecia a pele, era a tua ausência que me gelava o corpo como o toque de um iceberg; a chuva não me molhava o rosto, era a tua indiferença que me humedecia a face, qual neblina em manhã de primavera; o sol não me queimava a pele, era o teu toque que me escaldava a derme e me consumia como uma labareda.

Recordas-te dos dias felizes?

Um vislumbre da tua essência alargava-me o sorriso, até que os meus lábios tocassem nos apêndices auriculares. E assim ficava até à hora da despedida, com o batimento cardíaco aumentado dez vezes, e uma sensação de vertigem de montanha-russa. E quando partias, o céu enegrecia, o sol eclipsava-se, a noite caia, e assim permanecia até ao teu regresso.

Recordas-te? Ainda te recordas? Ainda queres recordar-te? Ainda queres recordar-me?

sábado, 20 de fevereiro de 2010

E outra vez...




(2ª oportunidade - tiradas com o telefone móvel)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A felicidade à distância de um olhar

Acabada de passar por uma porta aberta para o exterior, ouço um murmúrio e pressinto o que está iminente. Sem aviso prévio, um céu negro começa a despejar água com toda a fúria. Tenho urgência em chegar ao carro, que está a 100 metros de distância. Não tenho guarda-chuva ou impermeável que me proteja.
Começo a amaldiçoar tudo o que me rodeia. Amaldiçoo a chuva que não para de cair. Amaldiçoo o guarda-chuva esquecido no carro. Amaldiçoo o estacionamento distante. Amaldiçoo o frio... Começo a correr até ao carro. Fico com a roupa encharcada em água da chuva e com o humor tão negro como as nuvens que atapetam o céu.
Arranco com o carro, faço inversão de marcha, olho para cima e avisto-as, as sete. Vermelho. Laranja. Amarelo. Verde. Azul. Anil. Violeta. Formam um arco perfeito que toca a terra com ambas as pontas. Brilham, contrastam com o céu negro. Emanam uma energia grandiosa. Formam o mais belo e perfeito arco-íris já visto. Carregam um pote de ouro, a capacidade de me fazer sorrir, a capacidade de me fazer feliz.
Anseio por guardá-las na memória da minha câmara fotográfica. Não posso, não a tenho comigo. Peço aos deuses que as conservem inalteradas por mais alguns momentos. A minha súplica é ignorada. As nuvens começam a dispersar, deixando o sol aparecer por entre elas. O arco-íris começa a desvanecer até se apagar por completo.
Não consegui guardá-lo em filme. Guardo-o na memória dos meus olhos castanhos. Guardo-as neste lugar onde escrevo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Saudade

saudade s. f. 1 melancolia causada pela lembrança de um bem de que se está privado; 2 nostalgia; 3 mágoa que se sente pela ausência ou desaparecimento de pessoas, coisas, estados ou acções; pesar...

(Dicionário da Língua Portuguesa 2003 - Porto Editora)

Um reencontro após uma longa separação. Dois corpos nus, enroscados um no outro, numa noite fria de inverno.
Ela pergunta-lhe:
- Estavas com saudades minhas?
Ele desvia-se da pergunta, dizendo:
- Estou cheio de frio. Está um gelo aqui.
Ela insiste, acrescentando:
- Estavas ou não?
E a conversa continua. Ele responde:
- O quê?
- Estavas com saudades minhas?
- Que é isso? Saudades?
- Sabes muito bem.
- Não, não sei. Diz-me lá.
- Saudades é sentir a falta de alguém, é ter vontade de estar com alguém...
- Ah! É isso?
- Olha. Vai gozar outra.
- Vou-me vestir. Está muito frio aqui. Não tens frio?
- Tenho. Está um gelo, realmente.
- Queres uma fatia de bolo?
- Não. Tenho que me ir embora.
- Já vais? Tens a certeza que não queres?
- Já vou. Tenho que me levantar cedo amanhã.
- Vai lá então. Mas dá-me um beijo antes.
- Um bocadinho assim...
- Um bocadinho assim de quê?
- Um bocadinho assim...Adeus.

Ele afasta-se com um sorriso traquina nos lábios, pensando que deixa a dúvida no ar. Ela fica na ombreira da porta a vê-lo partir e a saborear mais uma conquista.

Promessas adiadas

Ele acabou de sair da casa dela.
Lentamente, ela levanta-se da cama, dirige-se ao quarto de banho, abre a torneira da água quente e senta-se na borda da banheira, alheada de tudo, à espera que esta encha. Já sabe que o toque da água demasiado quente lhe vai escaldar a pele, mas não recua. Depois de encher a banheira, imerge totalmente dentro da água durante alguns segundos. Tal como esperava, a água quente provoca-lhe uma dor aguda, que a obriga a tomar consciência de cada músculo do seu corpo, que a obriga a libertar a razão, até então aprisionada no calabouço do esquecimento. Aos poucos, a dor vai desaparecendo e os músculos relaxam-se com o calor da água. A água quente a correr, deixou no ar uma nuvem de vapor, que a pouco e pouco invadiu todo o compartimento. A nebulosidade que a envolve transporta-a para o momento da chegada dele, obrigando-a a reviver todos os minutos passados na sua presença. Mais uma vez disseca o encontro. Mais uma vez promete a si própria que não irá repetir-se.

Tudo nele é único. Tudo nele o distingue. Até mesmo a forma como toca na campainha de casa dela, cada vez que a procura. Um toque vigoroso, como que a dizer: "Cheguei e vou reconquistar cada centímetro de ti. És um pedaço de terra do qual fui despojado. É urgente reaver-te." Até mesmo a forma como toca na campainha é um logro. Não quer reconquistá-la, pois conquistada está ela há muito, quer apenas usá-la vezes sem conta.
Ela, quando o sente aproximar, esquece-se de tudo. Uma amnésia fulminante corrompe-lhe as células cerebrais, tornando-a num ser vegetativo. É apenas capaz de obedecer ao desejo que a eminência da presença dele carrega até si. Quer odiá-lo, quer despreza-lo, quer não sentir coisa alguma na sua presença. Após ouvir o toque da campainha, dirige-se rapidamente até à porta e abre-a com a impaciência de uma criança. Sorri-lhe. Convida-o imediatamente a entrar. Sabe que está mais uma vez a quebrar a promessa que repetidamente faz a si mesma. Não consegue evitar.
Ele agarra-lhe a cintura com a mão e beija-a na face. Diz uma piada e dirige-se à sala para se servir de algo para beber. Movimenta-se na casa dela, como se da sua se tratasse, sem pudores, sem cerimónias. Ela segue-o reverentemente, sem abrir a boca, sem articular qualquer som, sem exprimir desacordo com a sua presença, com as suas pretensões. Comete mais uma vez o erro grave, o erro que repete até ao infinito.
Não demoram 10 minutos, até que ele comece a beija-la apaixonadamente. Primeiro devagar, como quem prepara o terreno, depois, tornando-se mais e mais impetuoso. Ela não lhe resiste. A sua razão ordena-lhe que o faça parar, que não corresponda. O seu corpo desobedece-lhe e geme a cada toque dos seus dedos na nuca, na face, no dorso... O roçar dos lábios no seu pescoço, o cheiro que ele emana, o som grave da sua voz fazem-na estremecer de prazer, toldam-lhe a razão não deixando que os seus pensamentos se organizem.
Sem que ela tenha dado conta, ele desapertou-lhe o cinto do vestido, expondo-lhe o peito, a barriga, o umbigo, as pernas longas e inseguras. Lentamente, começa a passar-lhe a ponta da língua pelos ombros, fazendo-a gemer. Sabe que esse é um dos seus pontos-chave, que nada lhe dá mais prazer. Fá-lo calculadamente, sabendo que a conduzirá à entrega total. Continua a percorrer-lhe o corpo, tocando-lhe a pele muito levemente, ora com os lábios, ora com a ponta da língua. Provoca-a, parando por segundo para a olhar nos olhos e continua depois, saboreando devagar cada milímetro da sua pele dela. Despoja-a das peças de roupa que lhe restavam. Pára de novo por segundos, olha-a de novo nos olhos e sem aviso, entra dentro dela fazendo-a atingir o êxtase em segundos e continuando até ele próprio libertar toda a energia num orgasmo violento.
Ficam ambos em silêncio, abraçados, por breves momentos. Rapidamente ele desfaz o abraço, abandona a cama e veste-se. Volta a dizer-lhe uma piada, despede-se e deixa-a na cama vazia.

Lentamente, ela levanta-se da cama, dirige-se ao quarto de banho, abre a torneira da água quente e senta-se na borda da banheira...
Mais uma vez disseca o encontro. Mais uma vez promete a si própria o impossível.

Vida doce

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Escutas

Neste espaço onde tudo se escuta,
eu apenas queria escutar o silêncio,
entrecortado pelo som dos teus passos,
interrompido pelo troar do meu peito.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Prazeres culpados

À terceira é de vez. Sim, porque esta já é a terceira tentativa que faço para escrever este post. E hoje, depois de ter lido um texto escrito pelo João Tordo no seu blog, decidi que tinha mesmo que acabar isto.
Considero-me uma rapariga com uma educação cultural acima da média. Concluí uma licenciatura em ciências sociais, que me conferiu alguma bagagem intelectual e capacidade e abertura para aprender. Sempre que posso vou ao cinema, ao teatro, a exposições e concertos e sou uma leitora assídua e uma compradora de livros compulsiva. Não posso dizer que tenha um conhecimento enciclopédico sobre cultura e arte, mas penso que vou tendo contacto com alguns exemplares de qualidade, no que concerne à literatura, à música, ao teatro, ao cinema e às belas artes. Tudo isto que acabei de escrever pode ser comprovado pelas pessoas que privam comigo e que não têm qualquer pejo em esvaziar a biblioteca, a cinemateca e a discoteca cá de casa.
Pois bem. Esta imagem de rapariga culta, a raiar o intelectual, que fui construindo ao longo dos anos, foi deitada por terra, um destes dias, quando confessei a um amigo que gosto de filmes de pancada e cheios de explosões, como por exemplo o "Triple X" ou o "Nascer para morrer". Foi o escândalo. O rapaz não conseguia compreender como era possível que eu gostasse desse tipo de filmes que, segundo ele, têm uma história completamente previsível e não deixam margem para que qualquer neurónio trabalhe, enquanto passam no ecrã. E acrescentou "Desiludiste-me muito". Eu ainda tentei explicar-lhe que também gosto de filmes com outras características, mas não foi possível, tal era o desgosto pelo qual o rapaz estava a passar. Desisti.
Passados uns dias, voltei a cometer um acto bárbaro de violência psicológica com um outro amigo. Conversávamos, expondo os nossos gostos acerca da musica anglo-saxónica. Estavam na mesa nomes como Nick Cave, David Bowie, Bauhaus, Artic Monkeys, Radiohead... No meio da conversa, o meu amigo elogiou o meu bom gosto musical. Foi então que eu resolvi dizer-lhe que também gostava de outras coisas, como por exemplo George Michael ou Paulo Gonzo. Referi mesmo que, quanto a este ultimo, não há música que eu não conheça de cor e não acompanhe cantando entusiasticamente, seja em que local for. É algo a que não consigo resistir. Gosto mesmo dos “Jardins Proibidos”, vibro com o “Sei-te de cor”. Escândalo total, de novo. Como é possível? Uma rapariga com tão bom gosto. Só lhe faltou a célebre frase do Diácono Remédios. "Não havia necessidade!". Ainda pensei em explicar-lhe, mas desisti de novo.
E então, depois desta segunda situação, compreendi que tenho duas possibilidades. Ou mantenho em segredo estes meus gostos e vou ao cinema às escondidas e fecho a sete chaves alguns Cd's, ou então vou inevitavelmente ser rotulada de parola. Isto porque me parece que é difícil para a sociedade compreender, que, se há alturas na nossa vida em que sentimos necessidade de estar perante desafios cognitivos, de aprender coisas novas e de estímulos que nos façam desenvolver e ir mais além, há outras alturas, em que queremos apenas que nos façam rir, que nos aqueçam o coração, ou simplesmente que nos façam passar o tempo sem que isso implique grande esforço cognitivo ou emocional. E não é por isso que deixamos de ser inteligentes ou passamos a ser seres menores.
Mas para que isso possa acontecer, é preciso que existam pessoas capazes de fazer músicas, filmes, livros,… que cumpram ambos os propósitos. E essas pessoas e a sua obra, não serão maiores ou menores porque nos fazem pensar ou nos fazem rir e relaxar. Serão apenas pessoas e obras diferentes.

(e este post dedico-o ao meu amigo DD e às suas leituras, que nos mantêm as discussões acesas, noite adentro)