quinta-feira, 31 de julho de 2014

Em partes

"Não discuto isso, Ken, só sei que um cientista famoso é um bom partido para uma mulher que não gosta de vulgaridade. O melhor marido para a maior parte das mulheres é uma mistura. Experimenta fazer disso conversa. Já tenho feito e os resultados são muitíssimo curiosos. As mulheres ingénuas dir-te-ão: gostava de um bocadinho deste, com um bocadinho daquele. Um bocadinho de Muhammad Ali só para o sexo, um bocadinho de Kissinger pelo miolo, Cary Grant pelo aspecto, Jack Nicholson para divertir e André Malraux e um judeu qualquer pela inteligência."

Morrem mais de mágoa - Saul Bellow, p.234-235

domingo, 13 de julho de 2014

Sinal dos tempos

Em quarenta anos de campeonatos, não me lembro de ter visto tanta choraminguice como neste. Ninguém ensina a estes jogadores da bola que os rapazes não choram?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Dá-se para adopção...


...este animal amoroso que se mudou para o jardim cá de casa.

Eles não sabem nem sonham...

..que a capacidade de se rirem de si próprios é a melhor estrada.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Abraço(s)


Cometa Halley

"Ele era um homme à femmes, um caçador, um homem de encanto impressionante, que era capaz de cumprir as suas promessas là ci darem. A senhora que lhe entregasse a mão não se arrependeria. Nem sequer lamentaria voltar para o marido, já que uma pessoa sensata se aperceberia de que o meu pai era um acontecimento único, como o Outono ou a Arca de Noé."
Morrem mais de mágoa - Saul Bellow, p. 41

domingo, 6 de julho de 2014

Confiança

Metemos mãos à obra ontem, em conjunto, mas o clima não ajudou, e passados cinco minutos já chovia de tal forma, que viemos recambiadas para dentro de casa com a roupa colada ao corpo e sem qualquer progresso visível. Hoje, com o sol a dar um ar de sua graça, resolvemos tentar de novo. Rumamos à planície, porque não há outra forma de o fazer, e recomeçamos a tarefa. Os primeiros dez minutos foram caóticos, cheios de gritinhos de "não me largues!" e "ai que eu não consigo". Assegurei-a de que conseguiria. Todos conseguem e ela não é exceção. Assegurei-a de que não a largaria até que a sentisse segura. Não a larguei, mas afrouxei aos poucos a força com que a segurava, sem que ela percebesse, até a minha intervenção não passar de um mero adereço. Disse-lhe baixinho que já não estava a segurar e que a ia deixar ir sozinha. Consentiu. Gargalhou de alegria quando percebeu que era capaz. Gritou  aos sete ventos sem parar: "Mãeeee! Já ando de bicicleta sozinha."


sábado, 5 de julho de 2014

terça-feira, 1 de julho de 2014

Eu sou, tu és, ele é...

Cresci em casa dos meus avós maternos. Até aos doze anos, mais coisa menos coisa, a casa dos meus pais era o dormitório de onde eu saia cedo, onde chegava tarde, muitas das vezes já jantada, e para onde migrava ao fim de semana, para rapidamente abandonar no início da nova semana. Até aos meus doze anos, a casa dos pais da minha mãe foi o sítio onde passei mais tempo útil e os meus avós maternos foram os maiores responsáveis tanto pela formação do meu carácter, como por grande parte das deformações da personalidade.
Da infância, uma memória ficou-me vincada. Quando morria alguém, fazia-se silêncio e não se ligava a televisão ou o rádio durante três dias. Confesso que não achava piada nenhuma à coisa. Primeiro porque eu era a fala-barato da casa e dificilmente conseguia estar calada. Depois porque nesse tempo só tínhamos direito a meia dúzia de horas diárias de televisão. Fazia lá algum sentido, só porque morreu a Dona Aninhas que morava duas casas abaixo, que ficássemos sem ver os desenhos animados durante três dias. Ainda por cima sem podermos correr ou fazer qualquer tipo de ruído. "- Nada de fazer barulho, (dizia-nos a avó em surdina) que morreu o Sr. Bernardino da quinta e parece mal andarem para aí aos gritos e em correrias." Com muitos amuos e sem se perceber muito bem porquê, lá íamos obedecendo, sempre a amaldiçoar o raio dos velhotes que parecia fazerem de propósito para morrer nos dias em que era mesmo importante assistirmos ao episódio do Babar, dos Estrumfes ou dos Flintstones. E assim andávamos crianças, pelos cantos da casa, emburrados, em encenado sossego, a aprender que a morte se vive em silêncio.
Em silencio continuo hoje, sempre que o dever ou o zelo me conduzem a algum tipo de exéquias.
Nunca aprendi a partilhar a dor em palavras. Creio que os longos e empáticos discursos dos mais loquazes, pejados de "também já passei por isto", "dói muito, mas acaba por passar", "ele está num sítio muito melhor" ou outras expressões de cemitério afins, não só não têm qualquer efeito apaziguador da dor, como são poderosíssimos no que toca a cansar os já exaustos endoados. Compreendo finalmente os meus avós. A dor do luto é idiossincrática. O silêncio será sempre a melhor forma de a honrar.