quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Não sei...

...marralhar,
disputar,
marcar território.
E como sou dada à preguiça, nem sequer vou esforçar-me para aprender.
Se queres, queres, se não queres, deixas.

Cenas da vida urbana

A loiça do jantar está lavada e empilhada no escorredor. A areia do gato foi trocada. O saco de água quente está já colocado na cama. A chávena com a infusão de ervas calmantes está sobre a mesa-de-cabeceira, mesmo junto à pilha de remédios para a asma. A criança foi embalada com uma história e já dorme. A casa está em sossego absoluto.
E eis que chegas tu, com esse teu ar angelical. Sorris, dás as boas noites e qual dona de casa que se sabe traída pelo marido embora nunca o admita começas de imediato a refazer as tarefas domésticas que já estão concluídas, e soltas a língua num metralhar desenfreado de palavras ocas e ideias vazias. Precisas de ocupar as mãos e a cabeça. Só assim consegues sobreviver. Só assim consegues, com mestria, transformar o inferno ardente a que nos condenaste, numa sucessão de prados floridos aquecidos pelo sol da Primavera. Pena que, apesar do belo cenário, eu continue a sentir as labaredas que me queimam a pele e a ouvir os gritos agonizantes que me retalham os ouvidos.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dos diversos fantasmas.

Depois de preparado o teatro da intervenção, deitei dois dedos de whiskey velho num copo de balão e bebi-o de um trago só, sem o saborear devidamente. A bebida cumpriu a sua função, deu-me a coragem necessária para continuar.
Limpei a superfície com álcool etílico. Com a mão firme e a precisão cirúrgica que a tarefa implicava, segurei o bisturi no ar, afundei-o até ao local escolhido e comecei a cortar. Primeiro a pele, de seguida o músculo, as veias, os tendões, tudo até chegar ao osso. Terminada a tarefa, pousei o bisturi e olhei para o tabuleiro colocado em cima da mesa. Escolhi um cutelo bem afiado, segurei-o com firmeza, levantei-o bem alto e com rapidez, sem qualquer reflexão, apliquei um golpe seco sobre o osso, golpe que separou o membro ferido do corpo que aos poucos se preparava para matar. Estava cumprida a tarefa. Tinha sido eliminado o pedaço de carne podre. O ser que o carregava poderia encher-se de novo de vida.
Com todo o rigor, cauterizei as veias, cozi a carne e apliquei-lhe os unguentos mágicos que se vendem na farmácia, para garantir que a ferida cicatrizaria devidamente.
Antes de sentir firmeza na cura, comprei uma prótese. O corpo teria que habituar-se a ela. Aos poucos fui obrigando a que a experimentasse, uns minutos, umas horas, uns dias, até que a mesma se tornou parte de si. Ao fim de alguns meses, a situação estava regularizada. O corpo tinha recuperado a saúde habitual, a prótese funcionava às mil maravilhas na substituição do membro, tudo era perfeito. Bem, tudo não. Havia ainda aquela dor intermitente que se instalara no lugar do membro cortado. Dor que quando dava acordo de si, nenhum analgésico era capaz de abrandar. Dor cujo desaparecimento não se vislumbra. Dor que a vai acompanhar até ao fim dos seus dias. Dor que a ciência apelida “do membro fantasma”.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Manhã de Natal



Enquanto se reciclavam os despojos da ceia de ontem e se preparava o almoço de hoje, a banda sonora da manhã de Natal foi esta. Com o alto patrocínio do pai querido, que partilhou, com os restantes membros da família, o CD que eu, filha querida, lhe ofereci. Haveria melhor som para acompanhar o cheiro a cominhos do farrapo velho?

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

FIOS BRILHANTES - Maria Isabel Mendonça Soares

O Natal já vinha perto.
E, em casa, que confusão.
Toda a gente atarefada.
Com a vassoura na mão.
E as aranhas perseguidas.
Fugiam a oito patas.
E iam esconder-se no sótão.
Com os ratos e as baratas.

Lá em cima, muito tristes.
Lamentavam o seu mal:
- Ai, se ao menos nos deixassem.
Ver a árvore de Natal!

Mas, o Menino Jesus.
Mandou-lhes este recado,
Por uma estrela que brilhava.
Entre as frestas do telhado.

«Quando a gente desta casa.
Estiver toda deitada.
Aranhas, tendes licença.
De ir ver a árvore enfeitada.

As aranhas, uma a uma.
Saíram lá do seu canto.
E foram ver o pinheiro.
Que estava mesmo um encanto.

Mas, ao andarem pelos ramos,
As pobres aranhas feias
Deixavam atrás de si
Os fios cinzentos das teias!

O Deus Menino, porém.
Estendeu sua mão bendita.
Transformando em fios de prata.
Os sinais dessa visita.

Dizem que foi desde então,
Que se tornou habitual.
Enfeitar com fios brilhantes.
As árvores de Natal.


Fios Brilhantes, Maria Isabel Mendonça Soares.

E para todos os que lêem, já leram ou vão ler o Vida(s) Urbana(s), fica este poema que em tudo espelha o que é o espírito do Natal.

ONDE A MULHER É SECRETA, O HOMEM É INUTIL - Paul Éluard

A indiferença radicalmente excluída
Tudo se jogava
Em torno do ventre louco e das palavras sem nexo
De uma mulher feita para si mesma
E mais bruma do que real

Tinha um encanto a mais
Do que essa de quem nascera
Pleno de virtualidades

Acolhia tantos prodígios
Todos os mistérios
Na luz aberta do atónito

Sob a sua imensa cabeleira
Debaixo das suas pálpebras descidas
Numa voz abafada entremeada de risos
Ela e seus lábios contavam
A vida
De outros lábios semelhantes aos seus
Procurando entre eles o seu prazer
Como sementes ao vento

A vida também
De homens tão pouco agarrados a ela
De mulheres com mágoas esquisitas
Que se pintam para se apagar

E ninguém compreendia sobre que fundo de delícias e de certezas
A memória vindoura e memória desconhecida
Faria melhor do que a esperança
Para ser implicada no vulgar, no habitual.

Últimos poemas de amor, Paul Éluard, pp. 29-31. Relógio D'Água.

Para a CS, uma mulher misteriosa, "feita para si mesma", com a esperança que nos deixe ler as suas palavras, pois os seus comentários indiciam que serão um deleite.

CLANDESTINO - Paul Auster

Recordem hoje comigo - a palavra
e contra-palavra
da evidência: a táctil aurora, amanhecendo
da minha mão cerrada: o aperto
ciliário do sol: o trecho de escuridão
que escrevi
na mesa do sono

Agora
é a hora.
Tudo aquilo de que
me vieram privar,
levem-no agora de mim. Não
se esqueçam
de esquecer. Encham
de terra os bolsos,
e selem a boca
da minha caverna.

Foi lá
que sonhei a minha vida
rumo a um sonho
de fogo.

Poemas escolhidos, Paul Auster, pp. 94. Edições Quasi.

Para o Pedro, que é uma pessoa cheia de sensibilidade, cuja escrita  nos faz sempre sorrir, quando não rir à gargalhada. Não lhe sei bem explicar porquê, mas este poema rima consigo.

SAUDADE -Florbela Espanca

A Noite vem pousando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura…
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!

Por que é assim tão ´scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem…
Talvez de ti, ó Noite!… Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!

Poesia Completa, Florbela Espanca, pp. 227. Publicações Dom Quixote.

Para a A., uma mulher sempre cheia de sentimentos. A Saudade. A Florbela Espanca.

NOCTURNO - Juan Ramon Jimenez

Por onde quer que a minha alma
navegue, ou ande, ou voe, tudo, tudo
é seu. Que tranquila
em toda a parte, sempre;
agora na alta proa
que em duas pratas abre o azul profundo,
descendo ao fundo ou subindo ao céu!

Oh, que serena a alma
quando se apoderou
como rainha solitária e pura,
do seu império infindo!

Antologia Poética, Juan Ramon Jimenez, pp. 86. Relógio D'Água.


Para o António, porque efectivamente aos meus olhos, é uma pessoa com a alma serena. E porque o Juan Ramon Jimenez, me lembra sempre o seu Alentejo.

TACITURNO - Mário de Sá Carneiro

Há ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais -
Jóia profunda a minha alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.

No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe real de heróis d´Outras bravuras
Em Mim se despojou dos seus brazões e presas.
Heráldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
Humilhações a lis, desforços de brocado;
Basílicas de tédio, arneses de crispado,
Insígnias de Ilusão, troféus de jaspe e Outubro...

A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou - embalde a tentarão descer...
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer -
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido...

Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trono a espessas densidades,
Onde os panos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redor, ânsias, lassas, absortas...

Há roxos fins de Império em meu renunciar -
Caprichos de cetim do meu desdém Astral...
Há exéquias de heróis na minha dor feudal -
E os meus remorsos são terraços sobre o Mar...

Paris - agosto de 1914

Poemas, Mário de Sá-Carneiro, pp. 66-67. Biblioteca Editores Independentes

Para o Ricardo, cujas ideias que põe por escrito continuam a surpreender-me. Para toda a tua complexidade não poderia ser menos que um Mário Sá-Carneiro.




BONDADE - Sylvia Plath

A bondade plana perto da minha casa.
A Dona Bondade, ela é tão simpática!
As jóias azuis e vermelhas dos seus anéis de fumo
Nas janelas, os espelhos
Enchem-se de sorrisos.

Que há mais real do que um gemido de uma criança?
O gemido de um coelho pode ser mais selvagem
Mas não tem alma.
O açúcar tudo cura, é o que diz a bondade.
O açúcar é um fluido necessário.

De cristais que são como um pequeno penso.
Ó bondade, bondade
a apanhar delicadamente os grânulos!
As minhas sedas japonesas, borboletas desesperadas,
Para fixar a qualquer momento, anestesiadas

E lá vens tu, com uma chávena de chá
Numa auréola de vapor.
O jacto de sangue é poesia,
Nada o pode estancar.
Tu trazes-me dois filhos, duas rosas.

Ariel, Sylvia Plath, pp. 167. Relógio D'Água

Para a Helena. Que nos brinda com a genialidade das suas palavras. Que é mais doce que o açúcar, que é mais bondosa do que qualquer Dona Bondade.

CÂNTICO NEGRO - José Régio

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces, Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

Não vou por aí, José Régio, pp. 15-17. Edições Quasi

Para o Marco, o inconformista, o homem que continua a fazer-me gastar rios de dinheiro com os livros que nos mostra. Para ti só poderia escolher este.

INSÓNIA - Boris Pasternak

Que horas são? Está escuro. Talvez - três.
Parece que não irei novamente fechar os olhos.
O pastor, no povoado, estala o chicote na madrugada.
Entra o frio pela janela virada para a rua.
E eu sozinho.
Mentira!
Com toda a pureza ondulante da tua corrente,
tu estás comigo.

Poetas Russos, pp. 123. Relógio de Água

Para a Cuca. Quem mais? Um poema russo. Poderia ser qualquer outro, dentro de um leque de algumas dezenas de poemas, porque também tu encerras em ti algumas dezenas de mulheres. Mas parece-me que terás o sentido de humor apropriado para integrares as diversas interpretações que estas parcas linhas contêm. A tradução foi ligeiramente alterada por mim. Já deu para perceber que não consigo resistir.

O HOMEM E O MAR - Charles Baudelaire

Homem livre, tu sempre adorarás o mar!
O mar é o teu espelho; a tua alma contemplas
Na sua ondulação, no infinito vaivém,
E o teu espírito é fosso não menos amargo.

Gostas de mergulhar na tua própria imagem;
Chegas mesmo a beija-la, e o teu coração
Distrai-se algumas vezes do seu próprio som
Com o rumor dessa queixa indomável, selvagem.

Sois ambos, afinal, discretos, tenebrosos:
Homem, ninguém sondou os teus fundos abismos,
Ó mar, ninguém conhece os teus tesouros íntimos,
Tanto que sois dos vossos segredos ciosos!

E porém, desde sempre, há séculos inumeráveis,
Que os dois vos combateis sem piedade ou remorso,
De tal modo gostais da carnagem da morte,
Ó lutadores eternos, irmãos implacáveis.


As flores do mal - Charles Baudelaire, pp.75. Assírio e Alvim

Para o Pipoco mais salgado. Por ser um homem cheio de mar, por ser um homem de muitos mares.

Tradições de Natal

O Natal é passado com os "meus", ou como se diz em linguagem cuidada, com a minha família nuclear. Durante a tarde somos visitados por alguns amigos com quem lanchamos e trocamos presentes. Pessoas especiais que gostamos de mimar, que gostam de nos mimar. Durante a tarde preparam-se os doces, descascam-se as batatas, põe-se a mesa a rigor. Prepara-se tudo para o jantar de Natal, o ponto alto da quadra. O bacalhau cozido, prato que habitualmente declino, nesta noite, sabe-me melhor que o meu prato preferido. E por isso, nem sequer é dada a opção mudar o menu. O jantar é sempre barulhento. Todos falam sem pedir vez. Há alturas em que paro um pedacinho e escuto e sinto-me no seio de uma família da máfia italiana e nessa altura, mais que em qualquer outra, a satisfação de ter uma mesa cheia de gente querida e barulhenta invade-me.
Depois do jantar, saio durante alguns minutos, para levar duas rabanadas e uma fatia de bolo-rei a um colega de trabalho, que passa o Natal sozinho, numa cabina despida de enfeites ou conforto natalício. Damos duas de conversa e regresso a casa. É então altura de trocar os presentes. O membro mais novo da família, calmamente, distribui, com a minha ajuda, os presentes por todos. Desembrulham-se um a um, com tempo, debaixo dos olhares atentos. A troca de presentes não é o momento mais importante do Natal, mas é, sem dúvida, uma das formas de dizermos ao outro que pensamos em si quando escolhemos aquele objecto em especial, com o qual o vamos presentear. É uma forma de nos mimarmos mutuamente.
E porque os mimos são para todos os que nos fazem bem, os posts que se seguem são um presente para os amigos bloggers virtuais que me acompanharam durante este ano, com hiperligações e/ou comentários sempre simpáticos. Na esperança de que a vossa Noite de Natal termine com um sorriso adicional.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Gostos não se discutem

Serei eu a única mulher no mundo a considerar que este senhor, apesar do seu mau gosto futebolístico, é um dos homens mais sexys em Portugal?


Imagem retirada daqui

domingo, 19 de dezembro de 2010

Paixões ingénuas



Posso resistir às mais diversas tentações, mas rendo-me sempre, sem excepção, ao mais insignificante fogo de artificio que cruze os meus céus.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O primeiro presente de Natal


E isto é coisa para imbuir uma mulher no espírito natalício. Obrigada Pipoco.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Os originais, e os outros

Há aqueles que são malas Fendi. E há os outros que são excelentes imitações. O problema destes últimos é que, embora consigamos enganar toda a gente ao apresentá-los como verdadeiros, nós vamos sempre saber que foram encontrados na feira de custoias ou na loja dos chineses.

Almoços marítmos


Têm-se almoçado assim, nos ultimos dias. Pode não ser no melhor restaurante do Mundo, mas é sem dúvida na esplanada com mais graça de Matosinhos.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Amor ou Desânimo aprendido

Começaram por ser amigos. Mas os sentimentos em que se foram envolvendo eram demasiado intensos para estar contidos apenas numa amizade, e por isso, acabaram com a vida toda que estava para trás e rapidamente se tornaram amantes. Continuaram a viver as emoções com demasiado ímpeto e, após algum tempo, não conseguiam continuar a ser amantes. Então decidiram desaparecer da vista um do outro, embora não tenham conseguido evaporar-se da memória.
Como a memória tem vida longa, e a vontade move planetas, após longos anos em que não se vislumbrou a a existência de qualquer um deles pelo outro, um reencontro foi provocado. Rapidamente tornaram-se amantes e ainda mais rapidamente concluíram que a violência dos sentimentos não lhes permitia continuar a viver dessa forma. Decidiram então ser apenas amigos. Aos poucos compreendem que a amizade não lhes serve o propósito. Não tarda nada cada um deles voltará a desaparecer do raio de visão do outro. É certo que continuarão a habitar a lembrança.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Censura

otário s. m. [pop.] individuo fácil de enganar; lorpa

parvo  A adj. 1 pouco inteligente; 2 insensato; 3 pequeno B s. m. 1 indivíduo que revela falta de inteligênciae de bom senso; 2 indivíduo cujo comportamento é considerado desagradável e irritante

In Dicionário da Lingua Portuguesa 2003 - Porto Editora

Assim à primeira vista eu diria, "venha o diabo e escolha", mas estou certa de que, depois de efectuares uma análise apurada, vais conseguir explicar-me a avassaladora diferença. Ou então, deixas de uma vez por todas de questionar a minha escolha de palavras.

E já agora:

indiferenciado adj. 1 sem diferenciação, indiscriminado

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Palavras que eu gostaria de ter escrito #1 - A interpretação,

...ou a tradução selvagem, que pode, de algum modo, não respeitar as palavras ou a forma do original.

Deleita-me?

Deleita-me?
Que não sofras por mim e que eu não sofra por ti,
Que o concreto globo terrestre, nunca fuja debaixo dos nossos pés, nunca deixe de girar.
Deleita-me?
Que eu possa ser divertida - bem humorada - clara com as palavras.
E que não core de um vermelho violento, e não sufoque de ansiedade,
cada vez que, levemente, a pele dos nossos dedos se tocar.
Deleita-me?
Que, estando próximo de mim, possas calmamente abraçar outra mulher,
E que não me condenes às chamas do inferno, se diante de ti, um outro homem eu beijar.
Que o meu delicado nome, meu querido, não refiras, nem de dia, nem de noite - em vão...
Que, no silêncio da igreja, nenhum anjo cante sobre nós: Aleluia!
Agradeço-te?
Com o coração e com as mãos levantadas, pelo amor, que apesar de não saberes, me devotas
E pelas minhas noites tranquilas.
Pois que, são raros os nossos encontros ao pôr do sol.
Pois que, nunca caminhamos sob o luar.
Pois que, o sol nunca brilhou sobre as nossas testas.
Deleita-me?
Que tu - maldição! - não sofras por mim,
Que eu - maldição! - não sofra por ti.

Palavras que eu gostaria de ter escrito #1 - O som

Palavras que eu gostaria de ter escrito #1 - O original

Мне нравится - Марина Цветаева

Мне нравится, что вы больны не мной,
Мне нравится, что я больна не вами,
Что никогда тяжелый шар земной
Не уплывет под нашими ногами.
Мне нравится, что можно быть смешной -
Распущенной - и не играть словами,
И не краснеть удушливой волной,
Слегка соприкоснувшись рукавами.
Мне нравится еще, что вы при мне
Спокойно обнимаете другую,
Не прочите мне в адовом огне
Гореть за то, что я не вас целую.
Что имя нежное мое, мой нежный, не
Упоминаете ни днем, ни ночью - всуе...
Что никогда в церковной тишине
Не пропоют над нами: аллилуйя!
Спасибо вам и сердцем и рукой
За то, что вы меня - не зная сами! -
Так любите: за мой ночной покой,
За редкость встреч закатными часами,
За наши не-гулянья под луной,
За солнце, не у нас над головами,-
За то, что вы больны - увы! - не мной,
За то, что я больна - увы! - не вами!

domingo, 12 de dezembro de 2010

Confiança(s)

Caminho de olhos fechados, conduzida pelo tom grave da tua voz. Indicas, com firmeza, o local onde devo colocar cada pé, um à frente do outro. Sinto, sei que estou a rasar o abismo e que a queda seria fatal. Ainda assim, não temo pela vida. Entrego-me cegamente às tuas cordas vocais e deixo que me conduzas até ao meu destino. Entrego-me cegamente, mas não sem, aqui e ali, desobedecer ao teu comando. Desvio-me da rota. Ignoro os avisos que me envias. Forço uma intervenção mais drástica. Obrigo-te a sair do teu poiso, só para sentir as tuas mãos no meu corpo, para sentir o teu cheiro nas minhas narinas.

Da janela do meu quarto

Quando o sol se põe

Filosofia de bolso

Chuck Zlotnick/Fox Searchlight Pictures


- So, what are you exactly? - Paul
- I don´t know.- Tom
- Are you her boyfriend? - Paul
- It´s not that simple.- Tom
- Sure it is.- Mc Kenzie
- What, like, are we going steady? Come on guys. You know, we're adults. We know how we feel. We don´t need to put labels on it. I mean, "boyfriend", "girlfriend". All that stuff is - it's really juvenile. - Tom
...
- You start putting labels on it, that´s like the kiss of death. - Tom

(500) Days of Summer

sábado, 11 de dezembro de 2010

Temporalidade

Olha para trás, olha em frente. O pescoço gira num movimento preguiçoso. Um conjunto de pensamentos entra-lhe na caixa craniana, girando em torno da espiral de cogitações que lá habita. Pensamentos que, por breves momentos, lhe assombram o sorriso aberto, aquele sorriso que teima em continuar a habitar os seus lábios, boca, dentes, língua.


Ando constantemente atrasada ou adiantada. Raras vezes consigo andar acertada com o resto do mundo. E nas poucas alturas em que isso acontece, não consigo o perceber e, na tentativa de me ajustar, volto a deixar-me ficar para trás ou a avançar demasiado. Hoje, sinto que estou simultaneamente demasiado avançada para poder usufruir da perspectiva de um futuro pródigo e com um atraso significativo relativamente a um sonho que quase vivi. Tenho agora duas opções. Abandono-me à desesperança, ou sigo o teu conselho e esqueço o que já foi, ignoro o que está para vir, vendo todos os relógios físicos e desobedeço aos imateriais, solto mais uma gargalhada e deixo-me ser feliz no aqui e no agora. A escolha é simples. Assim o fosse a eliminação dos velhos hábitos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Wishlist de Natal

Comecei a sentir-me algo marginalizada no mundo blogosférico, porque sou um indivíduo do sexo feminino e não possuía ainda, a esta altura do ano, uma wishlist de Natal. Resolvi então criar uma, para de novo sentir que estou perfeitamente integrada no seio das bloggers do sexo feminino.

Mas um contratempo inultrapassável surgiu na elaboração da lista. Depois de dar voltas e voltas à cabeça, depois de rabiscar com corações casinhas flores e borboletas cerca de 7 folhas de papel, cheguei à triste conclusão de que não será possível publicar a referida lista. Pois. A verdade é que, actualmente, a minha vida está preenchida com tudo o que eu poderia querer ou necessitar. E parecendo que não, nestas alturas festivas, isso pode ser um enorme aborrecimento.

(Ainda para piorar a coisa, o meu aniversário está iminente. Sou mesmo uma rapariga de pouca sorte.)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Dúvidas

Continuo a caminhar em passo lento, permitindo que o acaso me escolha o destino, ou faço uma rotação de 180º e regresso ao (des)conforto dos dias sempre iguais?

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Filósofos da vida

- Estou certa de que se começassemos a viver juntos, não durariamos muito tempo.
- Lamento, mas tenho que te dar razão. Somos muito semelhantes no essencial e demasiado diferentes nos pormenores.

domingo, 28 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Funerais

Como o coveiro, continuo a deitar pás de terra sobre o buraco onde te enterrei. Mas ao contrário de um morto vulgar, tu continuas a emergir das profundezas. E são vãs todas as diligências que faço para lá te manter. Acho que deveria ter-te mandado para o crematório, para depois espalhar as cinzas bem longe da minha morada.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pormenores

 Ela observa as luzes da cidade com nostalgia, sentindo o frio da noite na ponta do nariz, na ponta dos dedos nus. Fuma um cigarro que vai alertar-lhe os sentidos e entorpecer-lhe os músculos. Observa o fumo que sobe o ar gelado lentamente,  preguiçosamente.  Sente o cheiro intenso que a laranjeira do vizinho exala. A luz da lua ilumina-lhe o pátio e aclara-lhe os pensamentos. A cena apresenta-se-lhe como quase perfeita. Apenas lhe falta um enorme pormenor.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Definições #1

"- A alma, - diz ele - ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia toma cor. Há seres cuja alma é uma continua exalação. Há-os cuja alma é uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes de a matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluídos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsa dessa névoa sensível."

Húmus, Raul Brandão. Porto Editora

domingo, 14 de novembro de 2010

Surpresas

Duma assentada só disse-lhe, alto e a bom som que não tem medo dela, que ainda a vai deixar sem resposta. Depois baixou um bocadinho o tom de voz e acrescentou que ela lhe faz bem. Não percebeu, e ela também não lhe vai dizer, mas com esta última afirmação deixou-a sem palavras. Só lhe falta confirmar se ele é suficientemente louco para a enfrentar sem medos.

Mais um segredo que se revela

Numa atitude à Pipoco mais salgado, resolvi hoje educar o povo. Não que eu considere que as 7 pessoas que me lêem necessitem dos ensinamentos que irei de seguida debitar, mas pode sempre dar-se o caso de aparecer por cá alguém por engano, a quem estas palavras possam servir de guia.


Quem lê o Principezinho do Antoine de Saint Exupery prende-se, na maioria dos casos, com a passagem em que se diz que "só se vê bem com o coração" e réu béu béu pardais ao ninho. Não deixa de ser uma citação interessante, mas que se encontra reproduzida por milhares de outros escritos de cariz metafísico ou místico, quer posteriores a esta obra, quer mesmo anteriores, que não acrescenta muito àquilo que já se sabe e que, apesar de ser uma frase bonita, não serve de grande coisa na prática.
No entanto, nesta obra, há uma passagem que poderá ser uma metáfora às relações romantico-amorosas, e que usada com discernimento pode facilitar todo o processo de enamoramento. A dada altura da narrativa, uma raposa diz ao príncipe que para se cativar alguém é necessária paciência, e que este processo demora algum tempo.
Transpondo a questão para os relacionamentos amorosos, pode-se dizer que para conquistar alguém, para que esse indivíduo se deixe conhecer e eventualmente partilhe connosco toda uma existência, é necessário que se gaste tempo e paciência, e que se esteja disposto a avançar e recuar na conquista, sem pressas nem pressões. Esse é mais um dos ingrediente teórico que lhes garantirá o sucesso. O difícil é conseguir pô-lo em prática.

sábado, 13 de novembro de 2010

Preconceitos

prejudice n.
1. a. An adverse judgment or opinion formed beforehand or without knowledge or examination of the facts. b. A preconceived preference or idea. 2. The act or state of holding unreasonable preconceived judgments or convictions. 3. Irrational suspicion or hatred of a particular group, race, or religion.
4. Detriment or injury caused to a person by the preconceived, unfavorable conviction of another or others.

in http://www.thefreedictionary.com/prejudice

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Pecado capital

Egocentrismo - s. m. 1 tendência para referir tudo a si mesmo; 2 preocupação exclusiva consigo e com os seus próprios interesses; 3 individualismo extremo...
in Dicionário da Língua Portuguesa 2003. Porto Editora

Eu sempre soube que estavas destinado a grandes desígnios. És o designer do oitavo pecado capital.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Frustrações

Sinto necessidade de frequentar uma licenciatura em Economia, para poder ver televisão e compreender o que lá se diz.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Porquê?

Tendemos a procurar a cura através da complexidade. Procedemos a análises aturadas, efectuamos sinteses intrincadas após revisões completas da literatura. Consultamos os melhores especialistas e consumimos os remédios mais caros. E no fim, depois de esgotadas todas as forças, compreendemos que a solução está nas simplicidade, pois é ela que nos retempera as energias.
E a culpa deste engano permanente é da maldita educação judaico-cristã, que  nos remete sempre para a escolha do caminho das pedras.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Artigos de luxo, ou "como transformar uma casa séria numa lamechice pegada".

Saltear uns camarões com azeite e alho no wok. Juntar-lhes uma mistura congeladade espinafres com queijo, da marca branca do supermercado mais famoso. Deixar derreter o queijo, até este se transformar em molho. Juntar finalmente o esparguete integral pré-cozido.
Abrir um garrafa de vinho tinto e ditribui-lo por dois copos de pé alto.
Finalmente, juntar o artigo de luxo e disfrutar.



Depois de saíres, lembrei-me que ouvíamos isto em 1993. E sorri. Porque também tu me trazes o sorriso aos lábios.

sábado, 6 de novembro de 2010

Diálogos complexos

Antes do jantar

- Eu apenas vou jantar contigo, porque estou a gostar desta amizade emergente.
- E eu apenas te convidei para jantar porque quero conhecer melhor o meu novo amigo.
- Então estamos em sintonia, no mesmo patamar?
- Sem dúvida alguma.

Após o jantar.

-Estás quase a dormir.
-Não. Engano teu. Estou bem acordada.
-Tens os olhos fechados.
-Sim. Mas não porque tenha sono.
-Então tens o quê?
-Não é o que tenho, mas sim o que me falta.
-E o que queres tu ter?
-Sabes bem o que quero. Mas também sabes que não vou pedir.
-Não precisas. Aqui está.

Na hora da partida

-Afinal os teus vaticínios e promessas sairam gorados.
-Pois sairam. E as vezes que eu prometi e ensaiei.
-É melhor que comeces a acreditar nas minhas capacidades de leitura. Poupar-te-ão a uma série de desilusões.
-Tenho que admitir que a razão está do teu lado. E sabes que mais. Isso nem sequer me aborrece.

Nota mental

Não voltar a duvidar da fiabilidade das suas interpretações.
Afinal, ela tem mesmo visão raio-X, e por isso o mundo, aos seus olhos, torna-se mesmo transparente.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Transparências

Esticou a mão para lhe pedir o objecto. Ele sabia qual era o propósito do seu gesto. É um gesto que repete já maquinalmente. É um gesto a que ele responde automaticamente. Desta vez, porque conversava com outra pessoa, estendeu-lhe a mão sem sequer olhar para ele. Ele, em vez de lhe estender o objecto, como era suposto, agarrou-lhe a mão e ficou a segurá-la até ela lha pedir de volta. Ela disfarçou mal a perturbação que o acto lhe infligiu. Corou, gaguejou, ficou assarapantada, disse-lhe que tinha a mãos geladas. Rapidamente recolheu o objecto que ele lhe entregou e fugiu dali. Não sem antes pensar que ele se tinha atrevido a tocar-lhe pela primeira vez. Não sem antes pensar que tudo o que ele lhe tinha dito que poderia vir a ser, já era. Não sem antes pensar que afinal, mesmo apesar de ele negar com todas as suas forças, ele está mesmo cada vez mais transparente.

sábado, 30 de outubro de 2010

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Leituras arbitrárias

Os primeiros que o leram pensaram: "É comigo que ela sonha"
Os segundos cogitam: "Ela sonha com um dos primeiros"
Os terceiros dizem em voz alta: "Ela não sonha. É tudo um embuste."
O último sorri e exclama para os seus botões: "Não é comigo que ela sonha"
Nenhum deles sabe do que fala. Nenhum deles acerta  no alvo.

Ao telefone

Estás a 100 metros de mim. Demasiado longe. Quase inatingivel.
Pego no auscultador do telefone e marco o dígito que me dá acesso à tua atenção. Atendes. Imediatamente dizes:
"- Já tinha saudades da tua voz doce. As outras sãos sempre tão rudes."
Apenas consigo responder-te um:
"Oh!" e enquanto sinto os músculos a derreter, esqueço-me da desculpa que arranjei para te ligar.

Até amanhã

Tem vontade de esperar mais um bocadinho, até que ele chegue.
Sabe que a recompensa virá em forma de sorriso aberto, daqueles que saem do interior. Sabe que o hipotálamo lhe será inundado de euforia.
Mas a pouco e pouco, começa a fechar os olhos. Sente que os ruídos-ambiente se tornam cada vez mais distantes. Tenta resistir, abrir os olhos. Não quer adormecer. Quer esperar e voltar a sentir a sua presença ali ao lado.
Fecha de novo os olhos. Curtas imagens oníricas povoam-lhe as células cerebrais. Aos poucos ele vai entrando nas imagens que o cérebro lhe transmite. Já o tem ali. Já não necessita de esperar. Deixa-se adormecer.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

Antecipação

Virei as folhas do poemário do Mário Cesariny, que está esquecido em cima da minha secretária, até ao dia de amanhã. Esperava, qual horóscopo uma previsão do futuro. Encontrei este desconcertante redemoinho.

"Todo o visível adere ao invisível, tudo o que pode estender-se ao que não pode estender-se, todo o sensível ao insensível. Talvez tudo o que pode pensar-se ao que não pode pensar-se."

Novalis (1772-1801), Fragmentos. (tradução de Mário Cesariny)

Quem diria.

É o meu maior aliado, este Outono disfarçado de Primavera, que não permite que as nuvens se instalem e obriga o sol a aquecer-me o corpo com o seu brilho.
E tu, começas a derrubar as paredes do iglu que ergueram em meu redor, usando apenas o olhar. E começas a aquecer-me a alma gelada usando apenas o sorriso.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Que tal te parece?

Chique não era bem a palavra que eu espera ouvir.
Chique não era a palavra que tu querias usar.
Mas a prudência meteu-se entre ti e mim.
Chique, dadas as circunstâncias, poderá ser um bom começo.

Os meus dias também são quadrados

Amaldiçoava o sistema. Invocava todas as instituições. Jurava a pés juntos que não lhe tinha sido enviada qualquer carta a convocar a sua presença. Afiançava, quando se colocou a hipótese de estravio, que recebia toda a correspondência que lhe era remetida. "- A culpa era daquela Senhora Doutora. De certeza que não tinha mandado a carta. - vociferava com ar furioso"
A Senhora Doutora, com toda a calma que lhe é inata, foi aos arquivos e encontrou o registo da missiva que tinha enviado. Mostrou-lhe as provas.
A criatura empalideceu. Tinha fornecido a morada de um familiar, que já não visitava há alguns 3 meses. Não conseguia compreender como tinha feito tal erro. Era efectivamente a sua caligrafia. Amansou de imediato.
A Senhora Doutora com a sua paciência, resolveu-lhe o problema e passou a ser a sua melhor amiga, uma alma a defender para todo o sempre.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Conquistas

No processo de conquista, o momento alto, para ela, é aquele em que o objecto a conquistar nega com todas as palavras e acções que está a sucumbir, para depois, apenas com um olhar, confirmar que acabou de se perder nela.
Ela é tão boa a ler os olhares!

Olhares

Há algumas semanas atrás, disse-te em tom de provocação que tinhas ficado com os olhos a piscar como uma slot machine, quando ela se cruzou contigo. Ripostaste, negando veementemente que tal fosse verdade. Os teus amigos vieram em teu auxílio, de imediato, confirmando a veracidade da tua posição e deixando no ar pistas misteriosas acerca do objecto da tua afeição.
Hoje, no final do dia, percebi que te tinha estado errada. Hoje, os teus olhos pararam no ar para fixarem um outro olhar. Hoje, os teus olhos pareciam um barco à deriva num mar revolto, ou assemelhavam-se a duas estrelas cadentes perdidas num universo imenso. Hoje, preferi calar-me e não te dizer palavra. Apenas te devolvi um olhar mascarado de timidez, como se estivesse a entreabrir uma porta. E quando te preparavas para me fazer responder a todas as dúvidas, virei costas e parti.

O rigor, a exactidão...

Ainda dizem que os nosso jornalistas não são rigorosos.

Informação de última hora (ou verdade de La Palisse)

A melancolia corrói a graça e o sentido de humor.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Adeus

Dei por mim a preparar criteriosamente a roupa que vou vestir amanhã. Cada pormenor foi escolhido com minucia para que, no final, o conjunto esteja a raiar o perfeito. Amanhã será a prova de fogo. Estarei, de novo, algumas horas à sua frente. E durante esse tempo, farei tudo para que ele me percorra com os olhos, e deseje cada pedaço de pele que calculadamente deixarei a descoberto. Vou sorrir-lhe, desafiá-lo com palavras enigmáticas, fixar-lhe o olhar até à exaustão, incentivar-lhe os gestos de aproximação. Vou aumentar exponencialmente o seu querer, provocar-lhe a reacção que me convêm.
Enquanto isso, tu vais estar a procurar-me. Sem saberes o que me faz ausentar, vais procurar-me, mais uma vez, apenas nos locais óbvios.  Nos locais onde eu não estarei.
Porque amanhã, vou estar a cumprir a promessa que te fiz. Vou colocar-me em cima do pedestal que ele me erguerá e trancar-te no baú da minha memória. Naquele de onde nunca deveria ter-te deixado sair.

Ouvir sem preconceitos

Causa-Efeito

Ele ameaçou.
Ela pediu-lhe que não concretizasse a ameaça.
Ele fez "orelhas moucas" e tratou de pôr em prática o plano.
Ela ficou triste, refugiou-se no casulo, e desta vez só sairá de lá borboleta.
Ele? Sabe-se lá. Já não se sabe há muito. E não tarda, não se quererá voltar a saber.

domingo, 17 de outubro de 2010

A casa dos homens maus

Já conhece os cantos à casa, mas cada vez que toca à campaínha da porta, fa-lo com um misto de excitação e curiosidade. Nunca sabe o que vai encontrar em cada visita. Já não fazia uma visita há cerca de 2 anos, mas ainda se recordavam do seu rosto. Esqueceu-se de que terá que passar

Segundas oportunidades

sábado, 16 de outubro de 2010

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Definições

"...ora mau é esse amante segundo o Eros vulgar, mais enamorado corpo do que da alma; é que não há nada nele de estável, visto que nada de estável é objecto do seu amor, e, desde que o corpo perdeu a flor da sua perfeição, "desprende-se e voa" renegando sem pudor tantas belas palavras tantos compromissos. Pelo contrário, aquele que está enamorado da beleza do carácter, assim fica toda a vida, visto que é à estabilidade que se agarra."

O Banquete, Platão. 380 a. C.

"O amor é uma entidade emotiva especifica, consistindo numa variação mais ou menos permanente do estado afectivo e mental de um individuo, na ocasião da realização - pela acção fortuita de um processo mental especializado - de uma sistematização exclusiva e consciente do seu instinto sexual, sobre um indivíduo do outro sexo. Na maioria das vezes, este fenómeno não se produz sem exaltação do desejo."

A psychologia do amôr, Gaston Danville. 1894

"É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade"

Rimas, Luis de Camões. 1595

Em terras do Sul

O meu querido António e os seus companheiros estarão no próximo sábado em Santiago do Cacém, a fazer aquilo que melhor sabem.
Eu já vi o trabalho deles e adorei.
Vocês têm oportunidade de ver agora. Espreitem aqui e aqui.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Spider girl is having you for dinner tonight

Diálogos simples

-Tenho saudades tuas - digo eu.
-Eu também tenho saudades tuas - dizes tu.

(E é tão simples. Não é necessária uma equação de 3º grau como resposta. Um "idem aspas" é mais que suficiente.)

domingo, 10 de outubro de 2010

I went to Disneyland

















(É um exagero, eu sei, mas foi impossivel escolher)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Reunião de trabalho

Deixaram-na mais de meia hora à espera, pois foram almoçar não sei onde, local onde se comia muito bem. Ela já estava "a ferver" quanto baste, só por ter que estar presente, mas o atraso deixou-a furiosa. Entraram todos, com um ar algo comprometido. O mais próximo piscou-lhe o olho em sinal de cumplicidade. Ela atirou-lhe um sorriso entre o gélido e o "estás quase perdoado", mas manteve o semblante carregado. Sentaram-se frente-a-frente. O mais distante iniciou o seu discurso de pessoa que se julga sábia, mas cuja conversa é sempre a mesma. O mais próximo provocou-o com uma verdade inabalável que ele não refutou. Foram questionando os presentes e obtendo as respostas que pretendiam.
Por fim, o mais distante perguntou-lhe a opinião. Ela respondeu com segurança e exactidão, revelando elevado conhecimento e competência acima da média. Destacou-se dos outros. Brilhou.
O mais próximo sorriu embevecido.  O mais distante estacou entre a admiração e a incredulidade. Não estava à espera de tanto. As mulheres que os acompanhavam não abriram a boca. Depois de concluída a sua intervenção, foi feita a síntese e foram todos dispensados.
Ela saiu de cabeça erguida e com o mesmo ar zangado com que entrou.
Gostou da sua prestação, mas sabe que o brilho que emitiu lhe vai sair caro. É a deixa para que a sua vontade não seja satisfeita, a razão por que ele lhe vai dizer “nem penses mais nisso”. E ela vai ficar exactamente onde está, e vai continuar a perder a graça, em cada ser humano que por ela passa.

Será que vale a pena?

I'm going to Disneyland



Para cumprir a promessa feita.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Banda sonora


Beleza roubada - Bernardo Bertolucci

domingo, 3 de outubro de 2010

Do alto da minha torre

Vejo-te o revejo-te dia após dia.  Percorres incessantemente os caminhos que rodeiam as minhas propriedades. Procuras-me com afinco, mas sem eficácia.
Eu não quero que me encontres. Ou quererei? Enquanto decido, vou-me mantendo no esconderijo que elegi, atrás das cortinas que cobrem a janela. Meia escondida, meia descoberta.
Facilmente me encontrarias. Bastava que olhasses para cima. Mas continuas a olhar apenas em frente, vendo apenas aquilo que a cegueira te permite. E és (in)feliz assim.
E eu, enquanto brinco às escondidas, expulso do corpo o veneno que me faz arder as entranhas. O veneno com que me injectaste, quando de novo me procuraste.

sábado, 2 de outubro de 2010

A meio do caminho



Não é para todas,

e compreendo se me chamarem nomes feios, mas eu adoro fazer dieta.
É ver-me a comer lambarice atrás de lambarice, queijos e enchidos e massa e pão e outros alimentos ricos em hidratos de carbono e gordura.
Pois, porque a minha dieta é para engordar, claro.

Quem vem e atravessa a ponte

Maturidade?

Os cabelos brancos são como ervas daninhas. Aparece o primeiro e, por preguiça, não lhe ligamos muito. Um dia olhamos para o espelho e verificamos que se multiplicaram e tomaram conta do couro cabeludo.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Que bem que me soube.

A preguiça, mãe de todos os defeitos, quase não me deixou sair de casa. Aliás, nem sei muito bem como nem quando me decidi a sair, pois só dei conta que estava na rua quando já tinha o carro a trabalhar.
E já que estava na rua, lá fui eu.
O serão adivinhava-se simples, quase coisa de "cromos", mas acabou por ter muito interesse. Fui ouvir o João Tordo dissertar sobre o novo livro "O bom inverno", e a Maria do Rosário Pedreira anunciar as suas qualidades de escritor. O discurso de ambos foi inteligente, apurado, complexo, mas acessivel e humorístico, ao mesmo tempo. Soube-me bem ouvi-los. Assim como me sabe sempre bem lê-los.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Quem desce o Chiado, ao fundo...


Estava no Chiado, quem desce, ao fundo. Tinha acabado de pedir o almoço e aguardava que o colocassem num tabuleiro para levar para a praça da alimentação, quando sentiu o telemóvel a vibrar no bolso. Pegou-lhe de imediato e viu as iniciais do Redentor escritas no visor. Atendeu. Do outro lado ele disse-lhe as palavras mágicas. Estava a caminho. Queria vê-la. Combinaram o local do encontro. Ela pediu apressadamente que lhe embalassem o almoço e partiu desenfreada. Tinha perdido a fome no exacto momento em que o telefone vibrou. Adivinhou o que aí vinha. Deslocou-se para a estação de Metro mais próxima e dirigiu-se ao local combinado. O percurso pareceu demorar uma vida. O comboio andava vagaroso, parecendo querer contrariar-lhe a vontade de se teletransportar.
Finalmente chegou. Procurava o local de encontro, pedia coordenadas a alguém que passava, quando finalmente o viu. Estava à sua espera com o sorriso aberto de sempre.
Disse-lhe que tinha muito pouco tempo, que não poderia demorar. Convidou-a para um café rápido. O sorriso que apresentava desvaneceu-se aos poucos, dando lugar a duas rugas entre as sobrancelhas. Ela disse-lhe que o achava estranho e com um aspecto cansado. Ele confirmou o cansaço mas não a estranheza. Conversaram sobre banalidades. Ela olhou-o nos olhos. Ele fugiu sempre com o olhar. Não consegue encara-la. Teme as consequências. Daí a nada disse-lhe que devia ir embora, que não tinha mais tempo. Acompanhou-a até à entrada da estação de Metro e pediu-lhe desculpa. Abraçaram-se na despedida. Ele rapidamente desfez o abraço, para de novo a agarrar e outra vez a largar, como se o toque o queimasse. Como se o toque aumentasse a culpa. Ela sorriu e disse-lhe que ele cheirava bem. Ele ignorou o comentário dela. Viraram costas e caminharam em direcções opostas. Ela ainda olhou para trás, mas ele já tinha desaparecido.
Dirigiu-se a casa, pois já não lhe apetecia voltar ao Chiado, ou sequer ler o jornal na esplanada do Hotel como tinha projectado. Tinha trocado todos os seus planos por 10 minutos de um sonho. Entrou no comboio e sentou-se. Fez o caminho anestesiada. Chegou a casa, comeu a refeição que já tinha arrefecido entretanto e deitou-se no sofá a ler, até que adormeceu. Sonhou com um encontro de 10 minutos. Acordou. Tomou banho. Vestiu-se e voltou à rua para jantar com amigos. Só se permitiu reflectir quando se deitou na cama.   Nessa altura decidiu que não quer voltar a ver as rugas da culpa estampadas no rosto dele. Decidiu que é hora de actuar, que é hora de parar a dor que a corrói. Compreendeu que não o conseguirá com qualquer paracetamol. Não. Grandes dores exigem grandes remédios. Vai proceder a uma intervenção radical. Vai amputar o membro dorido e depois vai acalmar o corpo com morfina.

DELILAH Hoje

DELILAH Ontem

Constatação alargada

Antes de mais, e para que não se pense que sou feminista ou algo que se pareça, eu sei que há homens bons, mesmo excelentes, ou quase perfeitos. E como sei eu, que existem? Porque já ouvi relatos de outras mulheres que referiam a sua existência. Tenho uma amiga ou outra que conseguiu abarbatar um para si, e que agora, como seria de esperar, não o quer largar.
Contudo, essa categoria de homens é escassa e os mesmos andam escondidos e bem escondidos, ou ocupados e bem ocupados.
Já os restantes indivíduos do sexo masculino são gente imperfeita que, na maioria dos casos não interessa conhecer.
Ontem escrevi um post sobre uma determinada franja de homens. Fui questionada acerca das observações que apresentei. Decidi, por isso, desenvolver melhor a teoria que, por preguiça, resumi em poucas linhas.
Escrevia então sobre os homens arrogantes que maltratam as mulheres que os seguem. Antes de mais, convêm clarificar que quando se fala em maltratar, não se pretende fazer referência à violência física, (porque nesse caso estariamos a falar de outro tipo bem diferente de homens), mas sim aquelas pequenas coisas como a falta de respeito, a má educação, a desatenção persistente e outras que tal.
Estes homens arrogantes, habitualmente têm bastante dinheiro, ou se não têm, tentam fazer os outros crer que sim. Vestem roupas de marca, têm carros de luxo, viajam constantemente, frequentam lugares caros, mesmo que tudo isso os deixe empenhados até à medula.
Gostam de coleccionar mulheres, frequentemente mais do que uma de cada vez. Costumam ter sucesso entre elas, o que lhes facilita a rotatividade e lhes permite, durante um período da sua vida, trocar de parceira com a mesma periodicidade com que trocam de lençóis. Mas, a dada altura  acabam por sentir necessidade de assentar arraiais e escolher aquela que os vai acompanhar por um tempo mais alargado. E é nessa altura que escolhem ou uma pobre coitada, que só dá graças ao Senhor por lhe ter calhado um homem daqueles na rifa, ou uma outra não tão pobre, nem tão coitada, que apenas tem interesse no dinheiro que ele tem, ou aparenta ter. E escolhem entre uma delas por uma questão de selecção natural, pois nenhuma outra mulher irá alimentar todas as necessidades de segurança e afirmação que ele possa ter, sem questionar ou pôr em causa a relação.
Com estas companheiras formam casais felizes porque as necessidades básicas de ambos estão satisfeitas. Eles encontram alguém que lhes vai afagando o ego e que podem espezinhar à vontade, sem correr o risco de represálias. Elas têm aquilo porque tanto almejavam. No primeiro caso, um homem, no segundo, uma conta bancária recheada (mesmo que de faz-de-conta).

(Não, não estou a falar de ninguém em concreto. Escusam de telefonar a perguntar. Apenas me apeteceu estereotipar)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Constatação

Os homens arrogantes, que insistem em maltratar as mulheres, têm habitualmente dois tipos de candidatas a parceiras românticas: as lorpas que têm medo de ficar sozinhas a vida toda e acreditam que qualquer homem lhes serve, e as que apenas têm interesse no seu dinheiro.
Depois vamos ver e formam, com elas, casais felizes. Não serão eles e elas os mais adaptados à realidade?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Explica-me

Tenho dificuldade em perceber se a zanga é contra mim, ou contra ti próprio.

domingo, 26 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Já era tempo de teres juizo

Se calhar aquele café às 18:30, no Magestic, não foi a melhor ideia do mundo. Principalmente para quem já não bebia café há mais de dois meses. Pronto! Agora é só esperar que o sono chegue.... O que é capaz de demorar, tendo em conta que nem sequer se vislumbra um pequeno bocejo.

Não me convenço, faças tu o que fizeres.

Podemos tentar esquecer o assunto, negá-lo, evitar falar dele, mas não será por isso que deixaremos de saber que ele está lá. E acima de tudo, não será por isso que deixaremos de o sentir.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Maldade #1

Como deixar um chefe, cujas competências informáticas não são propriamente muito desenvolvidas, e que às vezes é um bocado distraído, à toa uma tarde inteira:
- esperar por um dia em que a equipa de informáticos esteja ausente;
- entrar no sistema informático que se utiliza na empresa, no computador do chefe, com a nossa conta, a pedido do mesmo, logo a seguir ao almoço;
- deixar "por esquecimento" a sessão aberta;
- passar a tarde em reunião de equipa, no qual o chefe não participa.

E depois, entrar no gabinete dele no final da tarde e vê-lo a arrancar os cabelos, porque perdeu todos os privilégios de administrador.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mais uma batalha ganha

Consegui fazer-te reagir aos estímulos. Foi uma reacção ténue, quase imperceptível, mas os meus aparelhos de medida são sensíveis às pequenas variações do teu ser e acusaram o estremecimento. A esperança regressou ao lar. E tu virás com ela, mais dia, menos dia.

Olha-me o miúdo

Ontem, no meio de uma animada discussão em que o tema era a satisfação de um pedido que recorrentemente faço, e que já justifiquei várias vezes, ele sai-se com esta:
- A senhora é muito esquisita.
Respondi prontamente que ele estava a confundir palavras. Eu até poderia ser esquisita, mas naquele contexto concreto, a palavra a usar seria outra. Ou seja, eu até sou uma pessoa esquisita, no sentido que poderei ser estranha, mas naquele caso estou apenas a ser exigente.
A discussão continuou e eu resolvi dizer-lhe que procurasse os significados no dicionário e posteriormente poderíamos então discutir.
Ele foi mesmo procurar, escreveu-os numa folha de papel que me entregou, tendo o cuidado de referir que a minha descrição estava sublinhada. Aos olhos dele eu sou:


E tudo isto porque eu peço que me acendam uma luz, sem a qual não consigo ver suficientemente bem para realizar o meu trabalho. Parece-me teremos novos desenvolvimentos. E não há-de tardar muito.

Sonhar

Hoje tentaste ensinar-me que, se empreendermos com muita força, conseguimos convencer-nos que podemos viver de  sonhos, sem nunca os concretizar. Para tal, basta que não se verbalizem, que se guardem dentro de nós, no cantinho mais íntimo do nosso ser, para que não fujam e ganhem vontade própria. O meu problema é que sou verborreica e não consigo conter dentro da caixa craniana tudo o por lá passa. Assim sendo, os meus sonhos transformam-se facilmente em "quereres". E esses são bem difíceis de domar, tal como eu.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Aleatoriedades

Hoje, através de uma selecção aleatória, consegui juntar na mesma sala o seguinte conjunto de indivíduos: um taxista completamente embriagado, uma mulher com uma gravidez de risco, uma pessoa que se atrasou uma hora, uma pessoa que se adiantou 9 dias, um condenado a centenas de horas de trabalho comunitário, um homossexual, uma mulher com uma doença nas pernas, alguém que necessita de um  mês de tratamento médico, uma mulher verborreica, um rapaz de 18 anos com o 4º ano de escolaridade e uma rapariga com dificuldades cognitivas.
Poderei dizer que a minha vida é pouco animada?

Eu tanta gente



Porque não encontro melhor definição, estas também são eu.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

À procura do sorriso.



Há alguns anos, o Pedro Paixão, num laivo de grande genialidade, intitulou um dos seus livros da seguinte forma: "Viver todos os dias cansa". O livro não despertou grande entusiasmo em mim, mas o título ficou-me na cabeça até hoje.
Efectivamente, viver todos os dias é extremamente cansativo, principalmente quando a vida nos coloca um desafio atrás do outro, a ritmos alucinantes.
No meio desses desafios, confrontamo-nos por vezes com a necessidade de escolher entre o egoísmo exultante, ou o altruísmo incapacitante. E nem sempre somos capazes de fazer a escolha necessária. Até porque compreendemos que o altruísmo não aparece sem uma dose de egoísmo e vice-versa. E então não escolhemos e esperamos que a resposta nos seja dada por uma fonte externa, por um acto aleatório, ou até por um sinal de uma qualquer divindade. E quando isso não acontece, adiamos e adiamos a decisão até à inevitabilidade.
Mas há um dia em que é necessário agir. E então, enchemo-nos de toda a coragem do Mundo e lá damos o passo que era necessário. E esse passo, que muitas vezes julgávamos inofensivo, torna-se em mais um desafio para nós e para quem nos rodeia, e transforma todo o Mundo em que vivíamos. E às vezes, o desafio é demasiado grande e não conseguimos ultrapassá-lo e temos de novo que tomar decisões. E a vida continua nesta espiral, a ser vivida todos os dias e a ser muito cansativa.
Quando o cansaço dá lugar à exaustão, chega o momento de parar, mandar os desafios às urtigas e começar do início. E às vezes, para recomeçar é necessário hibernar, desfazer os nós, cortar com as cordas e começar a tricotar a nova realidade. E muitas vezes recomeçar significa desaparecer temporariamente, para que possamos voltar em todo o esplendor preparados de novo para viver.

E porque estamos a falar da nossa vida, eu e o blog estaremos hibernados, até ao dia em que o esplendor consiga voltar a entrar em nós, até ao dia em que consigamos sorrir da mesma forma.


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

As coisas da vida.


Se eu fosse uma daquelas velhotas que se sentam à porta de casa a ver quem passa e a dar sermões a toda a gente, agora estaria a dizer algo do género:
-  Muita água correrá ainda debaixo da ponte e o ultimo suspiro ainda não foi dado.

Pois, mas não sou, por isso aviso-te apenas que, se pensas que é só dizer que não pode ser e fica tudo resolvido, estás enganado. Não é assim. Nunca foi assim. E certamente não será assim no futuro. E acima de tudo, eu não estou preparada para que assim seja. Portanto fica alerta, porque acabou-se-te de vez o sossego.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cinema

Entrou no cinema depois de iniciado o filme. Aos apalpões procurou a primeira cadeira livre e sentou-se. Tinha comprado o bilhete para um filme escolhido aleatoriamente e não fazia qualquer ideia do que o esperava. Fitou o ecrã, tentando habituar os olhos à escuridão da sala.
Na tela, vê-se uma mulher sentada numa cama, filmada à distância, envolta numa nuvem de fumo. Como música de fundo ouve Rachmaninoff, o Concerto para piano nº 2. Os lençóis que cobrem a cama são negros, a camisa que a mulher veste, e que é demasiado comprida e larga é negra. Apenas a sua pele é branca, ou aparenta ser, em contraste com todo o preto que a envolve. A mulher tem um aspecto franzino. Percebe-se que a camisa que enverga lhe é demasiado grande, que não lhe pertence. Terá sido deixada para trás por alguém. A mulher ter-se-á apoderado dela.
Ao lado da cama está um cinzeiro cheio de cigarros que foram acendidos, fumados pela metade e deixados a queimar até se extinguirem, dezenas de cigarros queimados. A câmara vagueia pelo quarto mostrando os pormenores que compõem a cena. Um par de sapatos de salto alto, roupa interior espalhada pelo chão, uma carteira de mulher de onde espreitam as chaves de um carro. No quarto, que poderá ser de um hotel barato, tal é a carência de mobília e conforto, não se vê mais ninguém. Aos poucos, a câmara aproxima-se do rosto da mulher. Os seus lábios mexem-se a um ritmo cadenciado. Diz algo imperceptível, de tão baixo que é o seu tom de voz. À medida que a câmara se aproxima, um som vai-se desenhando no ar e sobrepondo à música. À medida que a câmara se aproxima, a mulher vai falando cada vez mais alto, deixando perceber a mesma palavra incompreensível, repetida vezes sem conta.

- Почему, почему, почему...

Inesperadamente, o ecrã torna-se negro, aparecendo, escrita a branco, a palavra Конец. Desfiam os créditos finais. Ele abandona a sala.

Lisboa em preto e branco





Lisboa a cores







(Só porque pediste. Ou então não pediste e eu é que achei que sim.)