sábado, 19 de setembro de 2009

Rituais da madrugada

Há já tanto tempo que partiste.
Mas ainda acordo a meio da noite. Nos primeiros momentos, tenho dificuldade em perceber onde estou. Estendo o braço e sinto o frio dos lençóis abandonados. Demoro a perceber que estou sozinha, que não estás ao meu lado. Não volto a adormecer. Fico atenta aos sons da madrugada. Oiço um carro a passar ao longe. O galo canta, anunciando que a hora de levantar ainda vem longe. Dou voltas na cama. Não consigo deixar de pensar em ti, em nós, naquilo que éramos, que fomos e no que nos tornámos. Lágrimas de nostalgia caem-me sobre o rosto. Limpo-as com as costas da mão. Levanto-me, vou até à janela e observo o nascer do sol. Nunca vi o nascer do sol contigo. Eras demasiado preguiçoso, para me acompanhar. Acendo um cigarro e penso na minha mãe a dizer: "Faz-te mal fumar em jejum". Sorrio. Penso no paradoxo. Nunca me diz que me faz mal fumar, diz-me que me faz mal fumar em jejum. Talvez um cancro no estômago seja pior que um cancro nos pulmões. As mães têm imensos conhecimentos de medicina, que aplicam principalmente nos seus filhos. Mal sabe ela que, efectivamente, desenvolvi uma doença grave. Uma insónia crónica, este acordar de madrugada, que se repete todos os dias e que ninguém consegue curar.
Os sons da madrugada, o nascer do sol, a lágrima, o cigarro... Rituais que me sossegam o espírito e me preparam para mais um dia sem ti.
Tenho 25 anos, mas parece-me que tenho 255. Vivo rodeada de gente, por todos os lados, mas sinto-me a criatura mais solitária do Mundo. Tenho o emprego que escolhi, mas detesto-o. Nada do que me rodeia, me faz, nem que seja por um breve momento, sentir satisfação. A felicidade tornou-se numa desconhecida para mim. Arrasto-me desde que acordo de madrugada, até que me deito, de madrugada também. O meu pensamento está preso à tua imagem. Não consigo deixar de sentir o teu cheiro, impregnado na minha casa, no meu carro, na minha roupa. O som da tua voz ecoa nos meus tímpanos. Quero livrar-me de tudo isto. Quero apagar todas as memórias que me esmagam, sufocam, destroem. Quero esquecer que um dia fui feliz.

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