segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Segunda-Feira

O grilo delirante, que tranca com fortes cadeados nos porões da sua mente, conseguiu, durante a noite, tirar a mordaça que o cala e dirigir-se a ela. Durante o sono fê-la acreditar que, se "lesse" as ultimas palavras com atenção, encontraria no nonsense subliminar, um sinal declarado. Quando acordou de manhã, ela ainda se sentiu tentada a escutar um som antigo, enquanto tomava banho. Mas recordou-se a tempo que os grilos fazem sempre muito barulho por pouca coisa. E como este teimava em não se calar, enfiou-lhe pela goela abaixo dois comprimidos de Haloperidol e quando ele sossegou, mudou-o para uma nova cela. Mas desta vez escolheu uma à prova de som.

domingo, 30 de outubro de 2011

Saber a mar

Mandamos às urtigas o objectivo definido e arrumamos o "discurso psicanalítico em educação" nas mochilas. Saltamos para a areia porque te apetecia cheirar o mar de perto. Não sei o que te deu para resolveres correr desenfreadamente e enfiares-te no mar. Tu que tens sempre tanto frio, que reclamas pelo calor do teu país tropical.  "Eu djissi que me ápiticia cheirar o mar dji pérrto." - justificaste-te tu. Não sei o que me deu para te seguir. Eu que tenho sempre tanto frio, mesmo sem conhecer o teu clima tropical. Rimo-nos como uns doidos, enquanto tremíamos, molhados até à cintura. Agarrei-te na mão, puxei-te pela areia até ao carro e conduzi-te a casa, com o aquecimento no máximo. Quando estacionei, ordenaste-me que subisse para me secar. Obedeci. Enquanto procuravas a toalha, não resisti a dizer: "-Tu és completamente louco." Respondeste-me fazendo o beicinho com que habitualmente te diriges a mim, enquanto me entregavas a toalha com a mão direita e me agarravas a nuca com a mão esquerda : "Ué! Cláro qui sou. Por isso qui tenho você dji minha psicóloga, né."

sábado, 29 de outubro de 2011

Or dance mood

Grandes ensinamentos #2

A propósito do post anterior, assomou-me uma recordação à mente. Era inverno e, apesar de ser ainda cedo, já tinha anoitecido. Ela estava num estado de embriaguez avançado, confirmado na plenitude pelo conjunto de palavrões que, com a voz arrastada, já tinha proferido. Eu decidi que seria melhor deitá-la e tentar que adormecesse. Ajudei-a a vestir o pijama e tentei enfiá-la na cama sem que fosse causado qualquer acidente. Antes de me permitir que a deitasse, sentou-se na cama e olhou-me fixamente. Sem pestanejar, disse-me em voz alta, quase em jeito de ordem:
"- Nunca compitas com nenhuma gaja por causa do teu homem. Se ele te puser numa situação dessas, manda-o foder com puta que o quer e arranja outro. Não há nenhum gajo no mundo que mereça que desperdices um pingo que seja da tua dignidade. "
Disse-lhe que sim, sem perceber o verdadeiro alcance do que me estava a dizer, e fiz com que se deitasse. Na altura era muito miúda e as suas palavras soaram-me a conversa de bêbado. Hoje faço disso filosofia de vida.

Reencontros

Reencontrei-a ao fim de 6 anos. Apesar de envelhecida, mantém o ar de menina mal comportada que sempre lhe conheci. Cambaleava quando a via aproximar-se ao longe. Lancei-lhe um grito em forma dos seus dois primeiros nomes. Ela avistou-me e gritou também: "- Ó gaja! Que fazes aqui?". Aproximou-se de mim ainda a cambalear. Verifiquei que não tinha bebido nada, mas percebi que, nos dias de hoje, já só sabe caminhar desta forma. Demos um abraço sentido e sentamos-nos a fumar o cigarro da praxe. Eu senti-me transportada para o tempo em que quase vivíamos juntas. Mais uma vez conversamos sobre gajos e copos e vidas e merdas. E foi como se retomássemos a ultima conversa que tínhamos tido, há muito, muito tempo atrás. Separamos-nos ao fim de algum tempo para darmos seguimento aos nossos afazeres. Ambas nos afastamos a sorrir, satisfeitas. E eu fiquei com a agradável sensação de que há coisas que nunca mudam e de que há coisas que sempre nos farão felizes.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O xadrez é um jogo que se joga a dois.

Ela preparou-se para dormir. O cansaço acumulado e as baterias descarregadas pedem-lhe cama, muita cama. Estava prestes a desligar todos os aparelhos electrónicos quando a curiosidade mórbida a atacou e a impeliu a carregar numa das teclas do canto. A folha em branco encheu-se de letras e ela começou  a lê-las. E de repente deu de caras com a afirmação, ali, escarrapachada, salientada com pontuações simétricas, a confirmar tudo o que ela já conjecturara. E mais uma vez, apesar das dúvidas que se coloca e que permite que os outros lhe coloquem, soube que a sua capacidade de leitura se mantém intacta. E regozijou, porque percebeu que isso ninguém lhe poderá tirar, porque hoje vai dormir mais descansada.

Se eu te oferecesse um poema, fazias as pazes comigo?

Dias

Se tens por vezes desses dias
em que as montanhas se confundem 
ou com a neve que as oprime
ou com as nuvens que as circundam

também eu tenho destes dias
em que as montanhas me seduzem 
desde que a neve as não agrida
nem vogue em torno uma só nuvem

Mas temos ambos outros dias
em que as montanhas são de lume
É quando a neve se expatria
mesmo que as nuvens não sucumbam

David Mourão Ferreira - Obra poética

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Explicações

Há quem diga que sou fria. Outros apelidam-me de anti-social. Há quem diga ainda simplesmente que tenho mau feitio. É  tudo verdade. Isso e o facto de não querer na minha vida gente que não me interessa, da mesma forma que não quero estar na vida de gente a quem eu não interesso. E por isso, apenas vou dando espaço aos poucos a quem chega e mostra que veio por bem, e vou aumentando esse espaço a quem fica e vai ficando por bem. Mas em situação alguma deixo que me tomem de assalto, que usurpem mais do que tenho disponível. E da mesma forma e num exercício de equidade e coerência tento, a todo o custo, não me impingir aos outros, e não ocupar nem mais um milímetro para além do espaço que me colocam à disposição. E por isso, quando sou ausente e distante e fria e anti-social é porque sinto que não há lugar para mim naquele terreno. Por vezes engano-me. Nessas alturas, basta apenas que me convidem de novo a entrar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Descompasso

Não sei como hei-de domar
Este orgão desobediente
Que teima sempre em galopar
Assim que te sente iminente.

Na primeira noite do Outono


domingo, 23 de outubro de 2011

Se há democracia, comemos todos!

http://www.publico.pt/Pol%EDtica/ministro-da-administracao-interna-renuncia-ao-subsidio-de-alojamento-1517844?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+PublicoRSS+%28Publico.pt%29

Parece-me bem. Até porque, muitos de nós também terão que renunciar ao subsídio de Natal e de férias. E pasmem-se! Esses também estão na lei...

Porque andamos por aqui?

"...à travers le récit on apprend à analyser la réalité, à organiser et à comprendre le monde dans lequel on vit, le monde naturel autant que le monde social."

Porquoi nous racontons-nous des histoires? Le récit au foundement de la culture et de l'identité individuelle. Jerôme Bruner

Já falta pouco

As desculpas pintam-se sempre de amarelo



(ou Há coisas que nunca mudam.)

sábado, 22 de outubro de 2011

Ninguém a compreende

Ainda se ri à gargalhada quando recorda da expressão estupefacta de ambos, quando lhes disse que apenas a atraem os homens que a fazem sentir pouco inteligente, apontando um dos alvos da sua atenção. Que é muito velho, que tem um ar assustador, que não conseguiria satisfaze-la, defendem eles. Refutou todos os argumentos, mesmo o de que estariam ambos dispostos a chamar-lhe ignorante, se isso a fizesse direccionar para eles. Replicou que a sua auto-estima é suficientemente sólida para não ser beliscada com tal caracterização, mesmo que fosse efectuada de forma convincente.
Ainda se ri à gargalhada quando recorda a expressão de desânimo de ambos, quando lhes confirmou  a veracidade da afirmação retórica: "Então nós não temos qualquer possibilidade."

Sem tradução.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Deixem-se de ilusões

A escolha é uma palavra que se diz no feminino.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Dúvidas existenciais ou Podias ser o meu Menino Jesus

Há dias em que ela não consegue decidir se o preferiria deitado (na cama) ou estendido (na chaise-longue do consultório).

Inocência

Diverte-a que, após algum tempo de interacção verbal e quando já lhes mostrou que nada mais há a acrescentar, eles inventem todo o tipo de artimanhas para passar mais alguns minutos na sua presença, como se  o passar do tempo auxiliasse a atingir o impossivel objectivo de a seduzir. Diverte-a ainda mais que, após tanta encenação, ainda se deixem apanhar desprevenidos quando lhes indica a porta de saída e, ao despedir-se, faz questão de lhes dizer que não voltarão a encontrar-se.

Não quero que te falte nada*

...

(exceptuando o sono, é evidente)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Não sei se ria ou se chore.

Diz ele "...há vida para além da austeridade..."

(uma coisa é certa. se não ganhar a vida a ajudar na des(construcção) do país, pode sempre tornar-se comediante.)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Até mudar de opinião

A minha persistencia transforma-se em teimosia sempre que me recuso a abdicar de algo que me é precioso.

***

E os senhores, às tantas, até nos estão a fazer um favor...

Quem pensas tu que és? (exorcismo à caixa de rascunhos)

Ela pediu-me com carinho e eu acedi prontamente. Pedi uma frigideira emprestada à avó dela, porque a que existe cá em casa não serve o propósito. À hora definida chamei-a para me ajudar a misturar os ingredientes inscritos na receita retirada da internet. Era uma estreia. Nunca antes tínhamos cozinhado tal coisa. Liguei o fogão e tratei de cozinhar a massa viscosa. A primeira ficou com um ar algo desarranjado e demasiado tostada, mas as seguintes adquiriram um tom caramelo e mantiveram a forma redonda adquirida aquando do contacto com a frigideira. A pedido dela, enquanto cozinhávamos, ouvíamos a Cristina Perri a perguntar-lhe quem pensa ele que é para coleccionar jarros de corações. Na minha mente apenas surge a mesma questão:
- Quem pensa ele que é?
Na minha mente paira apenas uma inquietação, a de descobrir como escapar, sabendo que é para ali que os pés me levam sem qualquer hesitação.As panquecas estão prontas e a sua ingestão apazigua as traças que me roem o aparelho digestivo, a infusão de erva príncipe amaina o tropel que me invadiu o peito. O sossego voltou ao meu ser. Até quando?

O seu estado mental é definido pelas músicas que a atormentam #3



(o rapaz que canta, tivesse ele idade e cantasse música em termos, e não seria nada de se deitar fora)

There is a God!

Bonnie "Prince" Billy, no domingo, na primeira fila.

domingo, 16 de outubro de 2011

Dias cheios de horas #2




Dias cheios de horas




Dei-me conta de que, se usássemos uma interpretação pavloviana da vida, eu seria a tua campainha.

Ou não



Flor ou não

É Flor, ou não.
É bruma, ou não.
À meia-noite vem
De madrugada vai.
Chega, devaneio, vernal, efémero.
Parte, neblina, matinal, sem traço.

Flor ou não. Bai Juyi. Uma antologia de poesia chinesa por Gil de Carvalho. Assírio e Alvim. pp.220-221

sábado, 15 de outubro de 2011

Fenómenos preocupantes

A medida que avanço no tempo vou achando cada vez mais piada a participar em jantares em que praticamente só conheço o anfitrião, e nos quais os restantes participantes pouco ou nada têm em comum comigo.

(Às tantas, desta vez, a culpa foi da sangria. E eu que sempre considerei que a sangria é a pior forma de se estragar ainda mais o vinho de má qualidade.)

Conversas móveis

- Ó mãe, hoje a minha amiga explicou-me como é que os rapazes conquistam a rapariga de quem gostam. - conta-me ela toda entusiasmada
- Ai foi! Então explica-me lá isso a mim. - peço-lhe eu, temendo a resposta.
- Ela contou-me que eles lhes dizem o que sentem por ela e ela fica conquistada. - diz ela confiante nos ensinamentos da amiga.

Apeteceu-me refutar a teoria. Apeteceu-me dizer-lhe que só funciona assim para as distraídas, para aquelas que não conseguem de forma alguma ler sinais, para as que são completamente autistas para o amor. Apeteceu-me explicar-lhe que aqueles que nos interessam realmente não fazem assim, que o perigo não reside nas cordas vocais, mas nos olhos. Apeteceu-me ensinar-lhe que é com uma dança de olhares que eles nos queimam a pele, nos atordoam todos os outros sentidos e nos introduzem o desejo na corrente sanguínea, para o fazer circular a grande velocidade por todo o corpo até à mais distante terminação nervosa. E principalmente apeteceu-me confidenciar-lhe que nesta coisa das conquistas, a primeira e mais importante aprendizagem é que as narrativas verbais comportam todo o tipo de inverdades, enquanto que os olhos, os olhos nunca mentem.

Apeteceu-me, mas acabei apenas por sorrir, e continuei a conduzir em silêncio.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Este post tem linguagem imprópria

Olha! E se fosses cortar o caralhinho? É que se calhar também não te faz falta.

Constatação # 11

A principal característica das ilusões de óptica é que acabam sempre, com maior ou menor rapidez, por se transformar em desilusões, reconfigurando-nos, cada uma dessas transformações, todo o sistema cognitivo. A grande vantagem de se ter uma grande colecção desse tipo de ilusões é que, enquanto estas se mantêm intactas, enchem-nos de euforia, quando se convertem, passam a ser apenas mais um tijolo na parede.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011


"Não me importa uma porra que as mulheres tenham os seios como magnólias ou como figos secos; uma pele de pêssego ou de lixa. Também é indiferente se amanhecem com um hálito afrodisíaco ou um hálito insecticida. Sou perfeitamente capaz de suportar um nariz que arrecadaria o primeiro prémio numa exposição de cenouras; mas, isso sim – e nisso sou irredutível –, não lhes perdoo, sob nenhum pretexto, que não saibam voar. Se não sabem voar perdem tempo as que pretendam seduzir-me."
Espantalhos. Oliverio Girondo


Roubado ao Marco, mas com a devida autorização.

Morri e fui para o céu...

Os dois, juntinhos, no mesmo ecrã, com um bocado de sorte sem camisa e a lutarem um contra o outro. Definitivamente, vou estar na fila da estreia.


(Imagens retiradas daqui)

Dicotomias #2

Apesar de conhecer os diferentes cambiantes de cinzento que a vida lhe oferece, ela apenas consegue senti-la a preto e branco.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Saudade

"Quem dorme com canalha..."

A minha mãe, que é uma perita em sabedoria popular, conhecimento que herdou da sua mãe, usa com frequência  o famoso provérbio "Quem te avisa, teu amigo é", para alertar os incautos relativamente aos perigos da vida. E a  mim, hoje, seguindo a tradição familiar, apeteceu-me usá-lo também. Não que tu não sejas suficientemente grande para te defenderes sozinho. Não que tu acredites na minha capacidade de avaliação dos sinais e sintomas. Não que eu não saiba que os avisos valem o que valem.. Mas apesar de saber tudo isto, ainda assim apetece-me dizer-te que considero que te estás a meter num labirinto sem teres o mapa e nem sequer consegues dar conta disso, ou então, se dás, estás demasiado eufórico para perceber que te vais perder pelo caminho. E por isso peço-te. Antes de avançares, senta-te sozinho, silencia as emoções e escuta o que te diz a maturidade e a razão e por uma vez age em conformidade com elas. E se amanhã ou depois, concluirmos que eu não tenho razão nenhuma, acredita que, por uma vez na vida, ficarei feliz por me saber equivocada.

Consciente(s)

A quem possa interessar esta coisa da psicanálise, ou ande com os conceitos baralhados, recomendo os escritos do Luís Augusto que sabe sabe muito sobre o assunto e sabe expor de forma perceptível os seus conhecimentos. Volta e meia o Luís fala sobre isto cá no Porto, na Faculdade de Letras. Se tiverem oportunidade de o ouvir, não percam.

(Imagem retirada daqui)

Só porque o Zé acha que não tem paleio para três horas

As avaliações que fazemos têm sempre no horizonte um parâmetro pré-estabelecido e estão obrigatoriamente cobertas pela sujectividade original que nos distingue. Há um tipo desses que sabem coisas, de quem eu não sei dizer o nome agora, que apregoa que um "objecto" mediano pode ser considerado muito mau ou muito bom, conforme os parâmetros a partir do qual o vemos. Se os termos de comparação forem elevados, o pobre será sempre muito mau. Se, pelo contrário, a norma for baixa, o dito "objecto" poderá elevar-se ao estatuto de muito bom. Parece-me que todos concordarão que não era preciso ser um tipo que sabe coisas a dizer isto. Até a minha avozinha quase analfabeta era capaz de ter chegado a esta conclusão, mas o facto de se referenciar qualquer argumentação como pertencendo a uma teria complexa, confere-lhe sempre uma credibilidade adicional, pelo que se mantém aqui que foi um tipo desses quem disse.
Assim sendo, o problema da questão reside efectivamente no termo de comparação e não propriamente na sua qualidade. Estamos ou estávamos habituados à genialidade de alguém que conseguia dar coerência ao caos, transformando qualquer pequeno estímulo, numa narrativa tão articulada como pejada de nonsense. Neste momento, o  paradoxo mantém-se, mas as conexões estão em falta. E é isso que transforma uma ideia, que noutros tempos teria sido brilhante e articulada, num mero conjunto de altos e baixos desconexos.
Não gostei. Ou melhor, não gostei na generalidade, embora tenha apreciado alguns momentos. Mas uma coisa posso afirmar. Esqueçam lá a Scarlet. Aquela Marion Cotillard sim, era rapariga para me fazer reequacionar temporariamente a minha orientação sexual.

sábado, 8 de outubro de 2011

Já sei!

Depois de um dia de 12 horas de trabalho ininterrupto levanto-me da cama, exactamente no momento antes de adormecer, para escrever num papel um dos meus projectos de vida para os próximos dois anos. E hoje quando acordo, percebo que nunca antes o tinha visto com tanta claridade. Epifania será uma palavra demasiado poderosa?

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Não pouses assim o teu olhar em mim

Andei ressacada. Fui acometida de todos os sintomas clássicos: olhos encovados, falta de sono, tremuras, suores frios... Aos poucos fui-me adaptando à realidade. A ausência passou a não ser mais do que um vazio sentido apenas num ínfimo nervo do ventrículo esquerdo. Uma pontada constante, mas muito pequenina e quase indolor, que me acompanhava desde a hora de acordar até ao momento e que o cansaço vencia a insónia. Uma dor que se entranhou e passou a fazer parte do meu ser.  Resignei-me ao meu fado. Habituei-me a viver na carência.
E agora, num repente, sem aviso, sem preparação, embora com presciência, voltaste a assaltar-me a vida ontem e hoje, uma e outra vez. E eu que vivia em privação, sinto-me a entrar em overdose. E tenho medo de não saber sobreviver.

Coisas da vida

Ao ler o Zygmunt Bauman, recordei-me de um outro Sigmund, que não era polaco, mas sim austríaco. Sim. Esse mesmo. Esse que todos conhecem e que os menos informados e os que não se querem informar citam selvaticamente, sem atentarem ao rigor quando usam os ensinamentos com que nos brindou. E apeteceu-me dizer. Plagiem. Se não conseguem compreender ou interpretar, plagiem tudo, sem mudar um virgula . Mas façam-no sem desvirtuar o legado que nos foi deixado. Obrigada.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Multiple bind*

A estranheza brota do paradoxo que faz questão de cultivar e que assume como intrínseco à psique e à moral. É graças a ela que nenhuma taxonomia se lhe aplica, é ela o íman, é ela o repelente.

* derivação do Double bind - G. Bateson
"Quando o visitador da hierarquia inspeccionou a paróquia e viu, na secção feminina do jardim infantil, a aglomeração de fedelhas, a revezarem-se no único par de sapatos de salto alto do bairro e a rebolarem-se frente à vigilância magistral da ex-alcoviteira, esfregou os olhos. Por fim, recuperando a fala, perguntou ao padre Seferino se tinha criado uma academia para prostitutas.
- A resposta é sim - respondeu o filho da Negra Teresita, varão que não temia as palavras. - Já que não há outro remédio senão dedicarem-se a este ofício, pelo menos que o exerçam com talento."

A Tia Júlia e o Escrevedor. Mario Vargas Llosa, pp. 239.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

E se não for "orgulho"? E se for apenas medo?



"I come undone"
 QOTSA

E depois

Entretanto

No princípio

Bola de cristal

No ano que passou, apeteceu-me que fosse o Mário Vargas Llosa. No ano passado a minha vontade foi satisfeita.
Este ano apetece-me que seja a minha ultima paixão, o Ismaïl Kadaré. Não sou a única. Será?

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Há homens assim...

Ele esteve três horas seguidas a falar; três horas seguidas a debitar frases, palavras, sons; três horas seguidas a dissertar sobre a temática que a ocupa durante um terço do dia, cinco dias por semana. Ela esteve três horas seguidas a ouvi-lo; três horas seguidas a permitir que os sons que ele emitia entrassem pelos canais auditivos e seguissem até ao cérebro; três horas seguidas a lutar contra todo e qualquer ruído que lhe quebrasse a concentração. Ele esteve três horas seguidas a ensinar-lhe que ela sabe muito pouco. Ela esteve três horas seguidas a aprender que ele sabe demasiado.
Há homens assim e ela quer um só para si.