segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cinema

Entrou no cinema depois de iniciado o filme. Aos apalpões procurou a primeira cadeira livre e sentou-se. Tinha comprado o bilhete para um filme escolhido aleatoriamente e não fazia qualquer ideia do que o esperava. Fitou o ecrã, tentando habituar os olhos à escuridão da sala.
Na tela, vê-se uma mulher sentada numa cama, filmada à distância, envolta numa nuvem de fumo. Como música de fundo ouve Rachmaninoff, o Concerto para piano nº 2. Os lençóis que cobrem a cama são negros, a camisa que a mulher veste, e que é demasiado comprida e larga é negra. Apenas a sua pele é branca, ou aparenta ser, em contraste com todo o preto que a envolve. A mulher tem um aspecto franzino. Percebe-se que a camisa que enverga lhe é demasiado grande, que não lhe pertence. Terá sido deixada para trás por alguém. A mulher ter-se-á apoderado dela.
Ao lado da cama está um cinzeiro cheio de cigarros que foram acendidos, fumados pela metade e deixados a queimar até se extinguirem, dezenas de cigarros queimados. A câmara vagueia pelo quarto mostrando os pormenores que compõem a cena. Um par de sapatos de salto alto, roupa interior espalhada pelo chão, uma carteira de mulher de onde espreitam as chaves de um carro. No quarto, que poderá ser de um hotel barato, tal é a carência de mobília e conforto, não se vê mais ninguém. Aos poucos, a câmara aproxima-se do rosto da mulher. Os seus lábios mexem-se a um ritmo cadenciado. Diz algo imperceptível, de tão baixo que é o seu tom de voz. À medida que a câmara se aproxima, um som vai-se desenhando no ar e sobrepondo à música. À medida que a câmara se aproxima, a mulher vai falando cada vez mais alto, deixando perceber a mesma palavra incompreensível, repetida vezes sem conta.

- Почему, почему, почему...

Inesperadamente, o ecrã torna-se negro, aparecendo, escrita a branco, a palavra Конец. Desfiam os créditos finais. Ele abandona a sala.

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