segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Viagem outonal


Acabei de entrar no comboio. Sentei-me à janela. Preparo o meu leitor de Mp3, o meu livro. Recosto-me confortavelmente. O comboio começou a andar.
A paisagem começa a desfiar. Circulamos ao longo do rio. O comboio viaja a velocidades díspares. Ora muito depressa, ora muito devagar. O céu negro, carregado de nuvens, corre com a composição, a uma velocidade inconstante. A sua negrura reflecte-se no rio. O rio é preto.
Ao longe, um grupo de garças brancas levanta vôo em unissono. A cor alva marca o céu, deixando um rasto de claridade. A sua beleza apaga a escuridão.
Afastamo-nos do rio. Deixamos, por completo, de o ver. A paisagem transformou-se num verde escuro. No verde esmorecido da folhagem que chama pelo Inverno. Um verde pintalgado de casas coloridas, ora aqui ora acolá.
Ao longe vê-se uma pequena igreja, toda pintada de branco. Isolada. Vazia. Sem fieis.
De repente, vindo do nada, aparece um castelo de pedra, construido no cimo de um monte. Angular, com torres simétricas e ameias recortadas no céu, traz-me à mente imagens medievias. Cavaleiros audazes, beligerantes, belas donzelas em aflição.
O comboio parou.
Avista-se, em cima de um outro monte, um cemitério esquecido. Escondido pela folhagem, um mausoléu sobressai imponente. Uma cripta cheia de memórias em forma de ossos. Aos pés do declive, um outro rio corre lentamente, espelhando o que se encontra à sua volta. Serve de tapete ao monte. Na margem, um pescador perturba a calmaria com a sua cana de pesca e a sua motorizada moderna.
O comboio retoma a marcha. Começa a circular a grande velocidade. A paisagem torna-se esborratada, esboroada. Verde, cinzenta. A velocidade diminui. Ao longe vislumbram-se pequenos vinhedos. Cultivados simetricamente. Linhas paralelas matizadas de verde, castanho, amarelo, vermelho. Cores em simbiose. Uma paleta de harmonia. Fecho os olhos. Imagino a cheiro das uvas maduras, da terra revolta, do vinho acabado de pisar.
Abro de novo os olhos. Vejo o mar. Também ele negro e branco. Negro na sua essência, branco na espuma das ondas que morrem na praia. Revoltoso, cheio de ímpeto. Suga tudo o que apanha, devolve os restos, o refugo. O mar é a proximidade de casa.
Daí a nada aparece a ponte. O ultimo obstáculo. Um vislumbre da mais bela cidade do meu Mundo. O casario em cascata. O ouro do rio. As cores do horizonte. Um raio de sol a pôr-se no mar.
Senhores passageiros, a viagem terminou. Invade-me a nostalgia da chegada a casa, ao porto de abrigo.

1 comentário:

  1. Bela descrição. ATé me apreceu ouvir o comboio apitar. E as vidas que lá vão dentro!

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