quarta-feira, 16 de novembro de 2011

E a ela também.



Um Postal de Lisboa 

Monumentos a eventos que nunca se deram: 

Às guerras sangrentas nunca travadas. 
Às grandes tiradas engolidas ao soar 
a voz da prisão. À consagrada união 
do corpo nu com o pinheiro anão 
que deu o São Sebastião. 
Aos aviadores que subiram às nuvens 
num piano alado. Ao inventor do motor 
que usa como carburante 
o lixo das recordações. À esposa do navegante 
ensimesmado sobre um solitário ovo em omoleta. 
Às Constituições desnudadas. Às independências 
de opulento seio. Aos cometas 
que à Terra passaram tangentes 
(perseguindo um infinito, cujos sinais 
são em parte os das nossas paisagens). 
Ao coito interrompido, nas barbas do preso, 
entre a ideia de autoridade 
e a vegetação. Ao achamento 
da Infártica, bairro ignoto 
do outro mundo. Ao cubista doidivanas 
que captava nos telhados o soprano 
do telégrafo. Ao suicídio do Tirano 
por amor não correspondido. 
Ao terramoto – sublinha um contemporâneo – 
com deleite pelo povo recebido. 
À mão que nunca pegou em dinheiro, 
para não falar em membro viril. 
Ao total de folhas verdes com direito 
inato a desprezar a sua diversidade. 
À felicidade. Aos sonhos que impuseram à realidade, 
à custa das pessoas, a sua própria arbitrariedade.

1988

Пейзаж с наводнением. Иосиф Бродский

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