"Durante todas as noites desse verão, as estrelas foram líquidas no céu. Quando eu as olhava eram pontos líquidos de brilho no céu.
Na primeira vez, encontrámo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou três palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caía como se flutuasse: cair através do céu dentro de um sonho.
Naquela noite, fiquei a esperá-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensão. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas da hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram a única forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao céu claro da noite. E faltou uma batida ao coração. O mundo parou. sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco , arrefecido, moldava-lhe a pelo do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer. Corremos pelo passeio de mãos dadas. A minha mão a envolver a mão fina dela: a força dos seus dedos dentro dos meus. Na noite, os nossos corpos a correrem lado a lado. Quando parámos: as nossas respirações, os nossos rostos admirados um com o outro: olhámo-nos como se nos estivéssemos a ver para sempre. Quando os meus lábios se aproximaram devagar dos lábios dela e nos beijámos, havia reflexos de brilho, como pó lançado ao ar, a caírem pela noite que nos cobria."
Cemitério de pianos - José Luís Peixoto, pp. (82-83)
(* titulo de um livro da Inês Pedrosa)
Acho que tenho o da Inês:)
ResponderEliminarSe quiser, meto o Peixoto num envelope verde. :-)
ResponderEliminarMeto o Afonso para a troca?
ResponderEliminarSim, claro. Mas pode mandar só quando devolver. Dois em um.
ResponderEliminar(Envie a morada para o mail.)