(exorcismo ao inverno na caixa de rascunhos)
Ruídos humanos, animais e da natureza em fúria não me deixam pregar olho a noite toda. Levanto-me de manhã a desejar que seja de novo noite. Saio de casa e chove torrencialmente. O guarda-chuva não consegue deter a fúria da água despejada pelas nuvens. Fico molhada da cabeça até aos pés. Nem a pele que se encontra debaixo do casaco e das botas supostamente impermeáveis se safa. Atravesso de carro a estrada que circunda a minha cidade e que se encontra coberta por um mar. Fico à espera que o carro deixe de circular, pois faltam-lhe as guelras, as barbatanas, o equipamento de mergulho. Sem saber muito bem como, chego ensopada mas incólume ao meu destino. Aterro em frente ao computador e de cenho carregado, numa apologia ao pleonasmo, imploro ao relógio para que escoe as horas com rapidez. O inútil objecto, pendurado na parede qual enforcado, ignora-me o pedido e, numa atitude de desafio, opta por lentificar os ponteiro. Vou-lhe deitando o olho, através do vidro do aquário que me cerca, e amaldiçoo-o enquanto suspiro pela noite. Os seres que me passam pela frente são demasiado simpáticos e pacientes, mas ainda assim farto-me de os olhar, de os escutar, de lhes indicar caminhos através do verbo. A hora da saída chega. Regresso a casa. Os candeeiros da rua onde habito estão sem vida, apagados. A lâmpada das escadas do prédio não acende. Abro a porta de casa, às apalpadelas, usando como guia o visor do telemóvel. Não há luz dentro de casa. Acendo velas em todas as divisões. A minha capacidade de lidar com a contrariedade extingui-se. Decido pegar no telefone e ligar-lhe, pedir-lhe que me salve. Do outro lado, uma voz formatada de mulher responde que o número para o qual liguei não se encontra atribuído. Volto a tentar mais uma e outra e outra vez. Sempre a mesma ladainha. Finalmente toca a campaínha. Abro-lhe a porta e começo a desfiar um rosário de maldições contra si e o aparelho inútil. A música dos Black Keys confirma que está tudo dentro da normalidade. Volto a tentar ligar-lhe. A mesma resposta. Informo-o que preciso de interromper a vida por algumas horas. Meto-me entre os lençóis e adormeço. Necessito de abandonar a 5ª dimensão que hoje me tomou conta do dia.
Há exorcismos soberbos.
ResponderEliminarGostei muito.
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Há dias assim. (sorriso)
ResponderEliminarFelizmente.
ResponderEliminar;-)
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