Cruzei-me contigo num espaço e tempo inimagináveis. Estavas sozinho, desprotegido, à espera do nada, ou à espera de tudo. E eu, empossada de cavaleiro-andante, salvei-te. Sem perguntar sequer se querias ser salvo, sem imaginar os danos que poderiam ser causados pelo meu acto. Ou imaginando e não querendo permitir-me ver, pois a perspectiva de um momento feliz, encandeava-me a íris. Indiquei-te o caminho que deveríamos tomar e tu seguiste-me sem questionar direcções ou intenções. De repente, rebelaste-te, tomaste as rédeas e imobilizaste-nos para bombardeares os meus olhos com o teu olhar meigo. Senti o mundo à nossa volta a diminuir, a perder o peso que nos faz carregar, dia após dia. A terra parou de girar, a lua perdeu o seu brilho, o cosmos mingou. Os seres, que nos circundavam, tornaram-se transparentes, transformaram-se em espectros das nossas sombras. Rodeou-nos uma luz ténue, que apagou o matiz negro da noite e nos iluminou, apenas aos dois, dois pólos opostos de um íman, atraindo-se até ao infinito. E enquanto tudo se transformava, eu permaneci intacta e tu permaneceste intacto. Permanecemos, até que o devir nos apartou, da mesma forma abrupta que o acaso nos uniu. Partimos, afastando-nos em direcções opostas, costas voltadas, aparentemente indiferentes.
Hoje, à distância, finalmente sei que me aprisionaste a razão e a emoção. Trancaste-as num cofre-forte e destruíste a chave e a combinação secreta. E, no aqui e no agora, cada vez que a memória de ti me assoma a mente, os cantos dos lábios erguem-se num sorriso eternamente pateta. E na pele inflamam-se-me os milhões de poros, erguendo-se ao vento todos os pêlos neles plantados. E o ventre incendeia-se-me, num fogo tão lento como os movimentos que usavas para me percorrer o corpo com as pontas dos dedos.
E neste estado de feliz agonia, náufraga da vida, mantenho-me à tona, agarrando-me às bóias de salvação que me envias, aguardando pacientemente pelo próximo olhar, pelo toque seguinte, pelo abraço que tarda.
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