Quando chegou a casa carregava o cansaço de mais um dia igual a todos os outros. Cirandou pelas divisões sem rumo ou intenção, até que se decidiu a ancorar num dos sofás da sala. Escolheu o amarelo, aquele que fica virado para a televisão. Sentou-se encostada às almofadas, abriu o livro que a tem acompanhado e começou a ler. Após poucas linhas, começou a sentir os olhos pesados e um torpor nos músculos do corpo. Pousou o livro sobre o colo e deixou-se arrastar pela preguiça que a conduziu para um estado de semi-consciência. Não adormeceu. Não ficou acordada. Percebia o que se passava em seu redor, ouvia os miados do gato, sentia o vento vindo da janela a arrefecer-lhe a pele, mas não conseguia mexer-se. Ficou algures num limbo entre o sono e a vigília, sentindo-se como que a pairar sobre si própria. Aos poucos foram-se-lhe formando imagens sob as pálpebras cerradas. Duas pessoas sentadas no sofá. Uma conversa em voz muito baixa. Os seus olhos fechados. O calor da respiração de uma boca que se aproxima da sua. A pressão leve de um par de lábios contra os seus. Um arrepio. Uma boca cujos lábios se entrelaçam nos seus, na perfeição desde a primeira tentativa, duas línguas que dançam, sem erros, uma coreografia complexa. O gosto doce de um beijo roubado...Um telefone que toca. Um telefone que toca e que a faz acordar. Um telefone que a acorda, para lhe propor a compra de umas férias de sonho. Um telefone que a acorda, e ao qual ela responde que apenas quer que a deixem continuar a sonhar.
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