Conduziu devagar, contrariamente ao que é seu hábito. Aliviou o acelerador porque necessitava de tempo para pensar. Desde que saíra de casa, os pensamentos redemoinhavam-lhe na mente. As perguntas sucediam-se e os cenários possíveis enrodilhavam-se uns nos outros, como uma meada de linha. Não conseguia tomar uma decisão.
Paro? Não paro? E se parar, o que digo? Se não parar, o que acontece?
Enquanto se aproximava do local, começou a sentir os sintomas que já conhecia de cor. As palmas das mãos suadas, a boca seca, as pernas a tremer, um calor insuportável na face, o coração a bater acelerado... Estava composto o cenário para que rebentasse a catástrofe iminente. Entretanto, quase em piloto automático, pois não deu conta como ou por que caminhos, tinha chegado ao local. Parou o carro e tentou recompor-se. Pegou no telefone. Hesitou. Acedeu à lista telefónica e percorreu-a com a ponta do dedo. Lá estava o número, mesmo no final. Com o dedo, carregou duas vezes no ecrã e esperou. Do outro lado, a voz habitual respondeu-lhe afirmativamente. Saiu do carro e percorreu os dois metros necessários. Aproximou-se e cumprimentou-o mostrando a vivacidade habitual. Trocaram as parcas palavras a que tinham direito. Antes de se despedirem, ela tocou-lhe ao de leve na mão com a ponta dos dedos. Tinha necessidade de o sentir, para saber que ele ainda ali estava ao seu alcance, que ainda era real. Voltou ao carro e arrancou sem olhar para trás. Na boca carregou as palavras que tinha ensaiado e que o receio a impediu de proferir: que apesar de ter um motivo válido para ali estar, o que efectivamente a tinha movido até lá era o ímpeto de o ver; que também ela se arrepende; que o mundo ficou mais escuro e que ela não sabe como iluminá-lo; que nestes dias é capaz de se quebrar apenas com um sopro do vento, de tão fragil que está; que apenas os braços dele em seu redor poderiam curar a tristeza.
Noutros tempos teria sido o orgulho a calá-la. Nos dias de hoje é apenas o medo.
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