domingo, 21 de abril de 2013

Afectos

Entra pela porta adentro a correr, acompanhada da avó. Traz o rosto afogueado, a respiração mais ofegante que o habitual e um sorriso capaz de contagiar o maior trombudo do mundo. Traz na mão esquerda, a dominante, um pequeno ramo com duas flores silvestres, uma espécie de camomilas, com pétalas amarelas. Estende-as no ar e declara: "É um presente para ti!" Agarra numa delas com a outra mão e continua: "Esta sou eu que te dou, e esta (referindo-se à que permanece na mão esquerda) foi o avô que mandou para ti. Ele não subiu porque está cansado." A minha mãe confirma que assim é, e prepara-se para sair. Eu sorrio e peço-lhe para lhe dar um beijo por mim. Olho para a flor e sei que é um pedido de desculpa por ter sido imprudente e teimoso e por me ter causado o pânico ainda ontem, sei que não subiu porque se sente envergonhado. O beijo que lhe não lhe dei é a confirmação de que já estava mais que perdoado, é o respeito pela sua reserva. Andamos nisto há anos. Entendemo-nos na perfeição no meio de tal emaranhado de comunicação disfuncional.


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