sexta-feira, 27 de abril de 2012

Para todos

O desafio é lançado e ela agarra-o de imediato. Com afinco, prepara-se para que nenhum pormenor lhe escape. Lê normativos, consulta decretos-lei, contacta com os interlocutores envolvidos. Até que finalmente chega o dia. Entra na sala que lhe foi atribuída e verifica que está cheia de homens. São catorze no total e todos olham para o seu aspecto franzino com os olhos da desconfiança. O lugar é mínimo e a testosterona ocupa todos os ínfimos espaços existentes entre as moléculas do oxigénio que rapidamente começa a rarear. Ela observa-os, parando o olhar em cada um demoradamente, e depois de terminado o reconhecimento apresenta-se em português e explica-lhes ao que vêm. Observa-os de novo e tenta perceber nos seus rostos sinais de que compreenderam o que disse. Como não encontra qualquer indício que o confirme, decide questioná-los directamente. Obtém apenas uma ou duas respostas. Volta a questioná-los, desta vez em inglês. Há mais alguns que lhe respondem. Depois em francês, com o mesmo sucesso e finalmente em russo cobrindo todos os presentes. Conduz o resto da reunião intercalando as quatro línguas, garantindo assim que se faz entender com iranianos, cazaquis, moldavos, senegaleses, ucranianos, búlgaros, húngaros, marroquinos e indianos. Aos poucos, os semblantes carregados vão dando lugar a esboços de sorrisos e os silêncios a relatos de vidas. Em duas semanas repete a dose quatro vezes sempre com interlocutores e histórias diferentes, mas com o mesmo sucesso. Concluída a tarefa, sentindo o cansaço do dever cumprido a escorrer-lhe pelos poros, entrega-os a quem lhes pode dar acesso à língua do país que os acolhe e dirige os seus esforços noutras direcções. Hoje, numa acção de acompanhamento, entra no espaço que ocupam e após saudá-los, eles respondem-lhe em uníssono, exibindo largos sorrisos, numa cacofonia de acentos "Boa tarde". Sorri-lhes de volta, faz duas ou três perguntas e despede-se. Mais uma vez, a uma única voz, e armados de orgulho, articulam um "Até logo".  Ela sai e enquanto percorre o roseiral que a separa do seu espaço, pensa que continua a ser aquilo que os outros rejeitam, aquilo que evitam, o que realmente a faz feliz.

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