sábado, 11 de fevereiro de 2012

Convicções

Cada vez que a vê aproximar, arranja maneira de deslocar o seu metro e oitenta pelos cinco metros de balcão, de forma ágil e veloz, como se fosse uma gazela que foge de um predador, só para ser o primeiro a chegar, para ter o privilégio de a atender, não só não fugindo, como entregando-se deliberadamente ao perigo. Mira-a de alto a baixo e, antes de lhe perguntar o que vai comer, informa-a acerca do número de dias que ela esteve ausente, como que a cobrar-lhe pelo seu desaparecimento. Ela desculpa-se com o trabalho, diz-lhe que tem pressa e pede-lhe algo rápido para comer, fast-food, como dizem os americanos, sabendo de antemão que ele vai ralhar-lhe por não fazer uma alimentação equilibrada. Ele cumpre o seu papel e diz-lhe que ela devia comer uma refeição de gente adulta. Ela desculpa-se mais uma vez com  a falta de tempo, e então ele corre para a cozinha para lhe preparar a tosta ou o hambúrguer que ela lhe pede. Quando regressa com a comida entrega-lha, sempre de forma ruidosa e permanece no balcão, próximo do local onde ela come, deixando o atendimento dos outros clientes para os colegas. Tem sempre assuntos para conversar com ela, perguntas para lhe fazer, coisas para lhe contar. Ela entretém-se com a sua companhia enquanto come. Gosta da sua juventude, do seu ar de miúdo mau, do rosto com feições quase perfeitas, dos braços enormes cheios de músculos que indiciam horas de ginásio. Gosta da forma como ele desliga do mundo para lhe dar todas as atenções, como passa de empregado de balcão a cozinheiro e de cozinheiro a confidente só para estar próximo dela.
Hoje, enquanto lhe servia o café disse-lhe com um ar pouco triste que tinha saído de casa, que desta vez era definitivo, que por muito que lhe custasse deixar os quatro filhos, já não aguentava mais a mulher. Disse-lhe isto enquanto a olhava nos olhos e esperava que ela reagisse. Ela sem mudar a expressão bebeu o café, desejou-lhe boa sorte e despediu-se. Enquanto se afastava, espreitou pelo canto do olho e viu o seu ar de perplexidade e abandono. Continuou a caminhar. Não olhou para trás. Noutros tempos não teria hesitado e atacaria. Noutros tempos, decidiu que não voltaria a esse tipo de homens. Nos dias de hoje mantém-se fiel às suas convicções.

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