domingo, 10 de julho de 2011

Exorcismo à caixa de rascunhos.

Entrou-lhe pela porta adentro acompanhado pela mãe. Era mais um, no meio de muitos outros, no meio de todos os que lhe passam pela frente dia, após dia, após dia. Pediu à mãe que aguardasse, pois tratava-se de um homem feito, um matulão, que não necessitava que falassem por ele. A ele pediu-lhe que a acompanhasse e que se sentasse. Ele timidamente seguia-a e sentou-se, acedendo ao pedido.
Começou a conversa com uma das perguntas que habitualmente os põe a falar e lhe facilitam o trabalho. Tal como os outros, ele começou a responder e o processo seguiu como sempre acontece, sem percalços ou perturbações. A dada altura ela sentiu no ar um odor que a perturbou, um odor que lhe pareceu familiar. Aos poucos, enquanto decorria a conversa, os seus olhos e ouvidos começaram a desligar-se da realidade. Centrou toda a sua experiência cinestésica no olfacto. Tudo o resto parecia ter desaparecido. Via-o à sua frente, ouvia as palavras que ele lhe dizia, mas a única informação que processava era o cheiro que ele emanava. O perfume que tão bem conhecia, que combina especiarias, lavanda e citrinos, misturado com o cheiro de quem acabou de fumar um cigarro. A custo, conseguiu reaver a conexão neuronal com os outros sentidos e recompor a compostura. Fez as perguntas essenciais e logo que lhe foi possível deu por concluída a conversa. Despediu-se dele e acompanhou-o à porta. Antes de o fazer, teve o cuidado de fechar a porta da sala onde tinham estado. Regressou, sentou-se na sua cadeira, trancou de novo a porta da sala e sozinha, inalou duas ou três golfadas de ar, fechando os olhos. Mentalmente foi transportada para um local feliz, onde ficou por breves segundo, porque as suas divagações foram interrompidas pelo toque do telefone. Era o recepcionista a anunciar a marcação seguinte e a fazer com que voltasse à realidade, impedindo-a de saborear aquele pedaço de felicidade artificial. O indivíduo seguinte entrou. No corpo e na roupa trazia o cheiro acumulado de vários dias, o odor que a faz amaldiçoar várias vezes a sua sorte, o único que naquele momento seria capaz de lhe acalmar o peito e a fazer voltar completamente à realidade.

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