quarta-feira, 13 de julho de 2011

Exorcismo à caixa de rascunhos #4

Ela não consegue explicar o que a atraia nele. Apenas sabe que a sua presença a transformava numa imbecil, incapaz de raciocinar logicamente. Quando ele chegava, o seu coração começava a bater com mais força, um sorriso irrompia-lhe nos lábios, e as suas defesas caiam, deixando-a abúlica face às suas vontades.
Mas nem sempre tinha sido assim. No início ela apenas se sentia curiosa. Ele era um ser silencioso, de sobrolho carregado e com um olhar profundo, marcado pela tristeza e pelo desafio. Quando se cruzavam ela observava-o, sentindo que o silêncio a que ele se votava escondia algo de muito intenso. Parecia-lhe que ele queria ser transparente, invisível e ao mesmo tempo exibir-se e conquistar o mundo.
Com o passar do tempo, foi compreendendo que a sua aparente simplicidade apenas escondia uma complexidade que ele encerrava a sete chaves, para que não fosse visível a olho nu.
Aos poucos ela começou a procurar a sua companhia com mais frequência. E no vai e vêm de encontros começou a perceber que ele escolhia sempre os caminhos mais difíceis, quando os mais fáceis se colocam a sua frente para o aliciar, que ele defendia as suas convicções até ao limite, mesmo que isso implicasse sofrer. Aos poucos começou a gostar da companhia dele. Gostava dele quando ele abria um bocadinho a sua vida e a deixava entrar ao de leve, gostava do sorriso de menino maroto e do olhar triste de homem feito, gostava de sentir que o conquistava um bocadinho quando ele chegava, mesmo que soubesse que o iria perde quando ele saísse, gostava de lhe sentir o coração, que era tão grande numas vezes e tão pequenino noutras, gostava de o ouvir falar das suas coisas com o tom de voz grave e o acento regional, gostava dos olhos dele.
E agora à distância, num tempo em que ele não é mais que uma lembrança, gosta de saber que foi um dos batedores que abriu o caminho para lhe mudar a vida.

2 comentários:

  1. Mais um bonito texto...

    ainda bem que abriu essa caixa de rascunhos e os deixou ganhar vida :-)

    Anónima

    ResponderEliminar
  2. Este já cheirava a mofo de tão velhinho que é.
    Obrigada.

    ResponderEliminar