quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Prazeres culpados

À terceira é de vez. Sim, porque esta já é a terceira tentativa que faço para escrever este post. E hoje, depois de ter lido um texto escrito pelo João Tordo no seu blog, decidi que tinha mesmo que acabar isto.
Considero-me uma rapariga com uma educação cultural acima da média. Concluí uma licenciatura em ciências sociais, que me conferiu alguma bagagem intelectual e capacidade e abertura para aprender. Sempre que posso vou ao cinema, ao teatro, a exposições e concertos e sou uma leitora assídua e uma compradora de livros compulsiva. Não posso dizer que tenha um conhecimento enciclopédico sobre cultura e arte, mas penso que vou tendo contacto com alguns exemplares de qualidade, no que concerne à literatura, à música, ao teatro, ao cinema e às belas artes. Tudo isto que acabei de escrever pode ser comprovado pelas pessoas que privam comigo e que não têm qualquer pejo em esvaziar a biblioteca, a cinemateca e a discoteca cá de casa.
Pois bem. Esta imagem de rapariga culta, a raiar o intelectual, que fui construindo ao longo dos anos, foi deitada por terra, um destes dias, quando confessei a um amigo que gosto de filmes de pancada e cheios de explosões, como por exemplo o "Triple X" ou o "Nascer para morrer". Foi o escândalo. O rapaz não conseguia compreender como era possível que eu gostasse desse tipo de filmes que, segundo ele, têm uma história completamente previsível e não deixam margem para que qualquer neurónio trabalhe, enquanto passam no ecrã. E acrescentou "Desiludiste-me muito". Eu ainda tentei explicar-lhe que também gosto de filmes com outras características, mas não foi possível, tal era o desgosto pelo qual o rapaz estava a passar. Desisti.
Passados uns dias, voltei a cometer um acto bárbaro de violência psicológica com um outro amigo. Conversávamos, expondo os nossos gostos acerca da musica anglo-saxónica. Estavam na mesa nomes como Nick Cave, David Bowie, Bauhaus, Artic Monkeys, Radiohead... No meio da conversa, o meu amigo elogiou o meu bom gosto musical. Foi então que eu resolvi dizer-lhe que também gostava de outras coisas, como por exemplo George Michael ou Paulo Gonzo. Referi mesmo que, quanto a este ultimo, não há música que eu não conheça de cor e não acompanhe cantando entusiasticamente, seja em que local for. É algo a que não consigo resistir. Gosto mesmo dos “Jardins Proibidos”, vibro com o “Sei-te de cor”. Escândalo total, de novo. Como é possível? Uma rapariga com tão bom gosto. Só lhe faltou a célebre frase do Diácono Remédios. "Não havia necessidade!". Ainda pensei em explicar-lhe, mas desisti de novo.
E então, depois desta segunda situação, compreendi que tenho duas possibilidades. Ou mantenho em segredo estes meus gostos e vou ao cinema às escondidas e fecho a sete chaves alguns Cd's, ou então vou inevitavelmente ser rotulada de parola. Isto porque me parece que é difícil para a sociedade compreender, que, se há alturas na nossa vida em que sentimos necessidade de estar perante desafios cognitivos, de aprender coisas novas e de estímulos que nos façam desenvolver e ir mais além, há outras alturas, em que queremos apenas que nos façam rir, que nos aqueçam o coração, ou simplesmente que nos façam passar o tempo sem que isso implique grande esforço cognitivo ou emocional. E não é por isso que deixamos de ser inteligentes ou passamos a ser seres menores.
Mas para que isso possa acontecer, é preciso que existam pessoas capazes de fazer músicas, filmes, livros,… que cumpram ambos os propósitos. E essas pessoas e a sua obra, não serão maiores ou menores porque nos fazem pensar ou nos fazem rir e relaxar. Serão apenas pessoas e obras diferentes.

(e este post dedico-o ao meu amigo DD e às suas leituras, que nos mantêm as discussões acesas, noite adentro)

10 comentários:

  1. segui o link do blog do joão. e parece-me que não estás a falar da mesma coisa. ou melhor, és capaz de estar, mas não do 'valor' da obra, um juízo que faças, mas antes o modo como a 'recepcionas'. são coisas diversas. coisas da vida urbana. muito mais do que da rústica.

    j

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  2. João. Tens razão no que referes. No entanto, na leitura que fiz do texto do outro João saltou-me à vista a questão do preconceito face a algumas expressões artisitcas, por não seguirem os cânones estabelecidos por alguns iluminados. E tudo o resto não presta e quem gosta é parolo ou limitado. Foi nessa questão que tentei pegar. Se calhar, não consegui expressar devidamente o que me ia na mente. Defeito de quem escreve para o seu próprio umbigo. :-)
    Gostei dos teus blogs. Vou ficar atenta.

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  3. há piores partes para escrever que o umbigo. penso.

    j

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  4. http://www.youtube.com/watch?v=8s3TJuGNiJ4
    Adoro esta música. E não estou a brincar! Além de gostar, eu acho que é uma grande canção!
    Continuo a falar sério.
    Beijiocas

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  5. Lúcia,

    Depois do meu post e dos teus comentários, o nosso amigo DD nunca mais nos vai deixar em paz.
    :-)

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  6. Há uns anos... MAs agora, serenamente, não me preocupa nada o que lês, vês, ouves. Por um lado, porque sei que tens uma abrangência enorme a amanhã já esqueceste o Tony Carreira ( picadinha... ). Por outro lado, cada vez me convenço mais que a componente "cultural" de cada individuo não têm assim tanta importância. Mas não é nada fácil explicar isto - terá mesmo de ser num futuro jantar ( ouvi falar em francesinhas em Ovar... ).

    Beijos às duas,

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  7. Lúcia,

    A deixa das francesinhas é para ti.
    ;-)

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  8. Para mim não, que não as faço! Só como!
    Ao som de música interessante, comeremos qualquer coisa em data breve.
    :)

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