terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Promessas adiadas

Ele acabou de sair da casa dela.
Lentamente, ela levanta-se da cama, dirige-se ao quarto de banho, abre a torneira da água quente e senta-se na borda da banheira, alheada de tudo, à espera que esta encha. Já sabe que o toque da água demasiado quente lhe vai escaldar a pele, mas não recua. Depois de encher a banheira, imerge totalmente dentro da água durante alguns segundos. Tal como esperava, a água quente provoca-lhe uma dor aguda, que a obriga a tomar consciência de cada músculo do seu corpo, que a obriga a libertar a razão, até então aprisionada no calabouço do esquecimento. Aos poucos, a dor vai desaparecendo e os músculos relaxam-se com o calor da água. A água quente a correr, deixou no ar uma nuvem de vapor, que a pouco e pouco invadiu todo o compartimento. A nebulosidade que a envolve transporta-a para o momento da chegada dele, obrigando-a a reviver todos os minutos passados na sua presença. Mais uma vez disseca o encontro. Mais uma vez promete a si própria que não irá repetir-se.

Tudo nele é único. Tudo nele o distingue. Até mesmo a forma como toca na campainha de casa dela, cada vez que a procura. Um toque vigoroso, como que a dizer: "Cheguei e vou reconquistar cada centímetro de ti. És um pedaço de terra do qual fui despojado. É urgente reaver-te." Até mesmo a forma como toca na campainha é um logro. Não quer reconquistá-la, pois conquistada está ela há muito, quer apenas usá-la vezes sem conta.
Ela, quando o sente aproximar, esquece-se de tudo. Uma amnésia fulminante corrompe-lhe as células cerebrais, tornando-a num ser vegetativo. É apenas capaz de obedecer ao desejo que a eminência da presença dele carrega até si. Quer odiá-lo, quer despreza-lo, quer não sentir coisa alguma na sua presença. Após ouvir o toque da campainha, dirige-se rapidamente até à porta e abre-a com a impaciência de uma criança. Sorri-lhe. Convida-o imediatamente a entrar. Sabe que está mais uma vez a quebrar a promessa que repetidamente faz a si mesma. Não consegue evitar.
Ele agarra-lhe a cintura com a mão e beija-a na face. Diz uma piada e dirige-se à sala para se servir de algo para beber. Movimenta-se na casa dela, como se da sua se tratasse, sem pudores, sem cerimónias. Ela segue-o reverentemente, sem abrir a boca, sem articular qualquer som, sem exprimir desacordo com a sua presença, com as suas pretensões. Comete mais uma vez o erro grave, o erro que repete até ao infinito.
Não demoram 10 minutos, até que ele comece a beija-la apaixonadamente. Primeiro devagar, como quem prepara o terreno, depois, tornando-se mais e mais impetuoso. Ela não lhe resiste. A sua razão ordena-lhe que o faça parar, que não corresponda. O seu corpo desobedece-lhe e geme a cada toque dos seus dedos na nuca, na face, no dorso... O roçar dos lábios no seu pescoço, o cheiro que ele emana, o som grave da sua voz fazem-na estremecer de prazer, toldam-lhe a razão não deixando que os seus pensamentos se organizem.
Sem que ela tenha dado conta, ele desapertou-lhe o cinto do vestido, expondo-lhe o peito, a barriga, o umbigo, as pernas longas e inseguras. Lentamente, começa a passar-lhe a ponta da língua pelos ombros, fazendo-a gemer. Sabe que esse é um dos seus pontos-chave, que nada lhe dá mais prazer. Fá-lo calculadamente, sabendo que a conduzirá à entrega total. Continua a percorrer-lhe o corpo, tocando-lhe a pele muito levemente, ora com os lábios, ora com a ponta da língua. Provoca-a, parando por segundo para a olhar nos olhos e continua depois, saboreando devagar cada milímetro da sua pele dela. Despoja-a das peças de roupa que lhe restavam. Pára de novo por segundos, olha-a de novo nos olhos e sem aviso, entra dentro dela fazendo-a atingir o êxtase em segundos e continuando até ele próprio libertar toda a energia num orgasmo violento.
Ficam ambos em silêncio, abraçados, por breves momentos. Rapidamente ele desfaz o abraço, abandona a cama e veste-se. Volta a dizer-lhe uma piada, despede-se e deixa-a na cama vazia.

Lentamente, ela levanta-se da cama, dirige-se ao quarto de banho, abre a torneira da água quente e senta-se na borda da banheira...
Mais uma vez disseca o encontro. Mais uma vez promete a si própria o impossível.

1 comentário:

  1. Vidas... cantam a mesma canção, a compassos diferentes.
    Há o deslumbre, o prazer, a dor, a solidão, e o pragamatismo de quem isto, assim, chega.
    Vidas....

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