quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Revelações

"Encontramos as chaves com a lanterna dela e, mal abria a porta e entrei em casa, acendi as luzes da sala de estar. Alma Grund entrou atrás de mim  - uma mulher de baixa estatura, entre os trinta e cinco e os quarenta, vestindo uma blusa de seda azul e umas elegantes calças cinzentas. Cabelo castanho, nem curto nem comprido, sapatos altos, bâton carmim e uma mala de cabedal, razoavelmente grande, dependurada do ombro. Quando se encaminhou para a luz, vi que tinha uma marca de nascença no lado esquerdo do rosto. Era um mancha púrpura mais ou menos do tamanho do punho de um homem, suficientemente comprida e larga para fazer lembrar o mapa de um qualquer país imaginário: uma sólida massa de descoloração que lhe cobria mais de metade da face esquerda, começando no canto do olho esquerdo e descendo até ao maxilar. O cabelo fora cortado e penteado de maneira a ocultar a maior parte da mancha e ela inclinava a cabeça de uma maneira perfeitamente postiça, a fim de impedir que o cabelo se movesse. Um gesto que há muito se entranhou nela, pensei eu, um hábito adquirido depois de toda uma vida de constrangimentos; dava-lhe um ar desajeitado e vulnerável, o ar de uma rapariga tímida que preferia mirar a alcatifa a olhar-nos nos olhos."

O livro das ilusões - Paul Auster, p. 88-89

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