sábado, 15 de fevereiro de 2014

Bom dia


Acordo quando a manhã está quase a findar-se. Não oiço os ruídos do vento ou da chuva e penso que, de tão costumeiros, foram silenciados pela cacofonia do dia-a-dia. Abro a janela, vejo o sol e compreendo a calmaria auditiva. Já me desabituei de acordar privada de sons. Pego no telefone e, com o pretexto de lhes averiguar o estado de saúde, ligo aos progenitores. Não atendem. Nunca me atendem à primeira. Percorro a lista e resolvo desta feita perguntar pela descendência. Mais uma vez silêncio do outro lado. A terceira tentativa, feita já em desespero, não tem um fim diferente das anteriores. Tanta quietude perturba-me. Ligo a televisão, coloco o leite no micro-ondas, faço um expresso na máquina de café. Encho a casa de ruídos artificiais, inorgânicos. Distraem-me, mas não me consolam. Assoma-me à mente a lembrança do velório em noite de S. Valentim. Interrogo-me se não será isto a morte: um estado de omissão, em que chamamos e ninguém nos responde.

Os telefones tocam, um logo a seguir ao outro. Abandono tudo e corro de volta à existência.

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