sexta-feira, 29 de abril de 2011

Dois cigarros e o Universo

Tinham acabado de se levantar da cama. Tinham os corpos suados e os músculo invadidos pela calma do cansaço e da satisfação do desejo. Tinham urgência em fumar um cigarro, mas a deslocação até à varanda das traseiras, parecia-lhes uma tarefa demasiado cansativa. Sentaram-se ao lado da cama, junto à janela aberta, encobertos pelo muro da varanda, que os escondia dos olhares indiscretos dos vizinhos. Ela encostou as costas ao peito nu dele. Acenderam os cigarros e fumaram em sintonia enquanto sentiam o ar da noite a arrefecer os corpos.
Ela olhou em volta, sorriu e virando o pescoço de forma a olhá-lo, disse-lhe uma frase enigmática
- Acabei de entender algo que me escapava há anos.
Voltou a olhar em frente de forma a poder observar o céu, as estrelas e os cabos da alta tensão, e contou-lhe que costumava amaldiçoar com frequência o arquitecto que lhe desenhou a casa.
- Amaldiçoo-o de cada vez que me apetece apanhar sol e não tenho espaço. Afinal, que tipo de criatura é que, apesar do espaço existente, desenha uma varanda com 1,75 metros de comprimento e 35 centímetros de largura tapada por um muro de tijolos de 85 centímetros de altura. Haverá alguém considere que tal tipo de construção pode ter alguma utilidade, que não seja acumular pó ou musgo. Com o tempo, fui-me resignando e votando a estrutura à sua inutilidade de bibelô que apenas é limpo a cada 15 dias. Mas hoje consegui compreender a função do muro. Não passa de uma trincheira que nos esconde do mundo, deixando a descoberto o Universo. - explicou ela.

Com o seu pragmatismo habitual, ele sorriu, e disse-lhe que adivinhava ali tema para um texto do blog. De seguida, sem deixar de sorrir, pegou-lhe na mão e com os intentos desenhados no rosto, conduziu-a de novo à cama.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Comunicação

A palavra troika, nos dias que correm, se continuar a ser repetida até à exaustão, irá certamente provocar-me um ataque de histerismo agudo.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Grandes ensinamentos

"Tornaste-te para sempre responsável por aquilo que cativaste. Tu és o responsável pela tua rosa..."

O Principezinho. Antoine de Saint-Exupery. Relógio de Água. pp. 74

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Proporções

As mãos dele são muito grandes.
Ela gosta de mãos assim.
Gosta de as observar, enquanto ele fuma apressadamente um cigarro ou enquanto agarra a caneta para lhe escrever um recado.
Gosta de lhe sentir os dedos compridos quando, no escuro do cinema, se entrelaçam nos seus e os cobrem, fazendo-os desaparecer.
Gosta de lhes sentir as pontas quando, na intimidade, ele lhe desenha os contornos ao de leve e com calma.
Gosta de lhe sentir as palmas poderosas de encontro ao corpo quando ele, impaciente, lhe percorre a pele com arrebatamento.
E gosta especialmente que, nos dias em que o sorriso teima em não aparecer, ou que as lágrimas lhe correm pelo rosto, ele se esqueça que é homem e escolha usar as mãos apenas para lhe alisar suavemente os fios de cabelo, penteando-os com a mesma lentidão da ternura que carrega dia atrás de dia no olhar.
Nessas alturas ela sabe que o tamanho das mãos dele é proporcional à bondade que transborda do seu íntimo.
Nessas alturas ela sente que poderia repousar naquelas mãos até ao infinito.

domingo, 17 de abril de 2011

terça-feira, 12 de abril de 2011

Metáforas #2

(O dia em que, sem estar à espera, teve direito ao seu próprio carteiro de Pablo Neruda, em forma de empregado de mesa.)

A confeitaria tem vista para um jardim. O jardim tem um lago. O lago dá o nome ao jardim. O jardim dá o nome à confeitaria. A primeira metáfora é o nome do jardim, que também é o nome da confeitaria.
Elas estavam sentadas à mesa da confeitaria, a contemplar o jardim e a conversar sobre o trabalho. Tinham acabado de almoçar. O prato da rapariga estava vazio. O prato da mulher estava quase cheio. A mulher tinha sempre mais vontade de beber do que de comer. Habitualmente debicava, brincava com a comida, mas deixava quase tudo no prato. A rapariga, apesar de magra, tinha sempre muito apetite.
De repente, a mulher mudou o rumo do diálogo e disse à rapariga:
- Ele gosta de ti. O empregado de mesa gosta de ti.
- Não inventes, não gosta nada. - respondeu-lhe a rapariga.
- Queres ver como gosta. - disse de novo a mulher mais velha, e chamou o empregado de mesa.
- Lá vais tu. - resmungou a rapariga mais nova com um ar contrariado.
O empregado dirigiu-se à mesa que ocupavam. Era um pouco mais velho que a rapariga e um pouco mais novo que a mulher. Tinha um ar um pouco aluado. Parecia algo imbecil. Elas sabiam que tinha estudado pouco e que uma das poucas coisas que pensava saber fazer era servir às mesas. Tinham escutado atentamente algumas conversas que ele mantivera com outros clientes. O empregado recolheu os pratos, olhou para o prato quase cheio e perguntou se a comida estava boa. A mulher respondeu-lhe que sim, que estava, sem lhe dar qualquer outra explicação. Pediu-lhe dois cafés e deixou-o ir a carregar os pratos empilhados na bandeja. O empregado regressou com os cafés. Pousou-os na mesa e preparou-se para voltar ao trabalho. A mulher parou-o e disse-lhe que lhe queria fazer uma pergunta. Ele parou e escutou-a atenta e atenciosamente.
Com a sua brusquidão habitual, a mulher confrontou-o com uma pergunta provocatória. Disse-lhe:
- Explique-me uma coisa. Porque é que sorri para a minha amiga e para mim não.
O empregado olhou-a nos olhos, e com toda a calma respondeu-lhe:
- Eu sou como um espelho para as outras pessoas. Se elas sorriem para mim, eu sorrio, se elas não me sorriem, eu não lhes sorrio. Deseja mais alguma coisa?
A mulher respondeu que não desejava mais nada de momento. Ele virou as costas e continuou a fazer o seu trabalho.
A mulher e a rapariga ficaram em silêncio a saborear o café e a metáfora. Eram ambas licenciadas em Psicologia. Eram ambas boas no desempenho da profissão. Tinham ambas conhecimentos alargados acerca das teorias das relações interpessoais. Tinham acabado de aprender uma lição.
A mulher chamou de novo o empregado e pediu-lhe a conta. Pediu-lhe também desculpa por ter sido desagradável e disse-lhe que ele tinha feito uma observação muito inteligente.
O empregado agradeceu e sorriu para ambas.

Hoje de manhã, ao acordar, o meu segundo pensamento, consequência do primeiro, foi sobre o empregado de mesa, com quem me cruzei há cerca de 15 anos. A metáfora dita naquele dia inundou-me a mente como uma vaga de um tsunami, deixando em destroços tudo o que lá se encontrava.

Afinal a solução é simples. Devo tornar-me apenas num espelho que reflecte os outros. Nem mais, nem menos. Para poder dar descanso ao corpo e à alma. Para acalmar as emoções. Para sossegar o coração.

Metáforas

- Tu que és uma rapariga que faz ginástica lá no alto, nas barras paralelas e nas argolas, volta e meia, não sei bem porquê, resolves descer ao chão para fazer umas piruetas. - diz ele dissertando acerca da capacidade dela para dizer parvoíces.
E ela pensa de si para si, que são estas afirmações que fazem dele o campeão do salto em altura.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Constatação #8

Se conseguires esperar nada, tudo o que possas obter é lucro

domingo, 3 de abril de 2011

sábado, 2 de abril de 2011

Bica

O poiso da blogosfera, na noite de ontem.