terça-feira, 12 de abril de 2011

Metáforas #2

(O dia em que, sem estar à espera, teve direito ao seu próprio carteiro de Pablo Neruda, em forma de empregado de mesa.)

A confeitaria tem vista para um jardim. O jardim tem um lago. O lago dá o nome ao jardim. O jardim dá o nome à confeitaria. A primeira metáfora é o nome do jardim, que também é o nome da confeitaria.
Elas estavam sentadas à mesa da confeitaria, a contemplar o jardim e a conversar sobre o trabalho. Tinham acabado de almoçar. O prato da rapariga estava vazio. O prato da mulher estava quase cheio. A mulher tinha sempre mais vontade de beber do que de comer. Habitualmente debicava, brincava com a comida, mas deixava quase tudo no prato. A rapariga, apesar de magra, tinha sempre muito apetite.
De repente, a mulher mudou o rumo do diálogo e disse à rapariga:
- Ele gosta de ti. O empregado de mesa gosta de ti.
- Não inventes, não gosta nada. - respondeu-lhe a rapariga.
- Queres ver como gosta. - disse de novo a mulher mais velha, e chamou o empregado de mesa.
- Lá vais tu. - resmungou a rapariga mais nova com um ar contrariado.
O empregado dirigiu-se à mesa que ocupavam. Era um pouco mais velho que a rapariga e um pouco mais novo que a mulher. Tinha um ar um pouco aluado. Parecia algo imbecil. Elas sabiam que tinha estudado pouco e que uma das poucas coisas que pensava saber fazer era servir às mesas. Tinham escutado atentamente algumas conversas que ele mantivera com outros clientes. O empregado recolheu os pratos, olhou para o prato quase cheio e perguntou se a comida estava boa. A mulher respondeu-lhe que sim, que estava, sem lhe dar qualquer outra explicação. Pediu-lhe dois cafés e deixou-o ir a carregar os pratos empilhados na bandeja. O empregado regressou com os cafés. Pousou-os na mesa e preparou-se para voltar ao trabalho. A mulher parou-o e disse-lhe que lhe queria fazer uma pergunta. Ele parou e escutou-a atenta e atenciosamente.
Com a sua brusquidão habitual, a mulher confrontou-o com uma pergunta provocatória. Disse-lhe:
- Explique-me uma coisa. Porque é que sorri para a minha amiga e para mim não.
O empregado olhou-a nos olhos, e com toda a calma respondeu-lhe:
- Eu sou como um espelho para as outras pessoas. Se elas sorriem para mim, eu sorrio, se elas não me sorriem, eu não lhes sorrio. Deseja mais alguma coisa?
A mulher respondeu que não desejava mais nada de momento. Ele virou as costas e continuou a fazer o seu trabalho.
A mulher e a rapariga ficaram em silêncio a saborear o café e a metáfora. Eram ambas licenciadas em Psicologia. Eram ambas boas no desempenho da profissão. Tinham ambas conhecimentos alargados acerca das teorias das relações interpessoais. Tinham acabado de aprender uma lição.
A mulher chamou de novo o empregado e pediu-lhe a conta. Pediu-lhe também desculpa por ter sido desagradável e disse-lhe que ele tinha feito uma observação muito inteligente.
O empregado agradeceu e sorriu para ambas.

Hoje de manhã, ao acordar, o meu segundo pensamento, consequência do primeiro, foi sobre o empregado de mesa, com quem me cruzei há cerca de 15 anos. A metáfora dita naquele dia inundou-me a mente como uma vaga de um tsunami, deixando em destroços tudo o que lá se encontrava.

Afinal a solução é simples. Devo tornar-me apenas num espelho que reflecte os outros. Nem mais, nem menos. Para poder dar descanso ao corpo e à alma. Para acalmar as emoções. Para sossegar o coração.

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