segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Insónias

Ao contrário da paixão, que efemeramente se alimenta da ilusão de imortalidade, o amor eterniza-se quando aceitamos que somos mortais.

domingo, 23 de dezembro de 2012

En français, s'il vous plaît.

Apesar de algo inesperado, não me espantou grande coisa o pedido de amizade. O inesperado foi apenas o atraso com que chegou e não propriamente a chegada em si. Aceitei, sabendo que iria abrir uma porta que, em paralelo com a janela aberta em tempos idos, iria causar correntes de ar perniciosas. Ainda assim, abri-a. Tenho este hábito de dar guarida a todos quantos ma pedem. - Mau hábito! - exclamam alguns que dela já usufruíram e dela já se esqueceram. - Hábito. - afirmo eu, sabendo que sou inconfessavelmente mais vulnerável à curiosidade do que à generosidade. Abri a porta, dizia eu, sabendo de antemão que ele entraria por ali dentro, mais cedo ou mais tarde, com o intuito de reclamar o prémio que lhe saiu na lotaria num dia de verão, mas que nunca lhe foi entregue pelo cauteleiro. Não se pôs com rodeios e num português pejado de acento francófono fez saber que me quer, ainda, como me quis naquele dia. Remeti-lhe a expressão do querer para a dimensão real, justificando que sou avessa a declarações virtuais. Foi a  forma que encontrei de lhe atrasar os intentos, de o inocular com o vírus da ponderação. Sei que não me quer para além da vontade de me ter. Sei que, tal como outros antes dele, deseja apenas a sensação de ego preenchido, e que eu sou a melhor nessa matéria. Sei que necessita de mim apenas para diluir a solidão que lhe ocupa os dias festivos. Sei que não lho posso dizer, não desta forma, porque apenas lhe acicataria a teimosia. Remeto, por isso, a declaração para um futuro mais ou menos longínquo, para um encontro real, avisando-o contudo, que a distância e o tempo são arqui-inimigos da fidelidade. Num golpe final e fatal de perversidade digo-lhe que vou ao cinema ver o Amour. Esqueço-me de lhe dizer que vou sozinha, que é assim que gosto de ver cinema. Esqueço-me de lhe dizer que será sozinha que permanecerei, por incapacidade de me dar, porque quero ser de ninguém, para poder ser de toda a gente.

sábado, 22 de dezembro de 2012

"A todos um Bom Nataaaaal, a todos um Bom Nataaaal..."

Nos últimos dois meses trabalhei em média dez horas por dia, algumas das quais em casa, o que implicou transportar entre casa e o trabalho resmas de papel. Andei carregada de um lado para o outro e do outro para um, como o "burro do moleiro". A expressão popular apanhei-a à minha mãe, que conhece tudo o que é proverbio e afim deste país. Em dias de sorte, o "meu" segurança ia ter comigo ao carro para me ajudar a carregar as tralhas  Meu é como quem diz, porque ao que parece, já tem dona e a moça agarra-se a ele com unhas e dentes. Em paralelo, e graças ao James Bond, desenvolvi um interesse perigoso por Gin puro. Vale-me a capacidade que tenho para enjoar sabores e daqui a uns dias passa-me e deixo sequer de conseguir sequer cheirá-lo. Nos últimos meses andei a ler os Irmãos Karamazov acompanhada. Depois de os acabar, já comecei uma série de livros, mas não consigo acabar nenhum. Mesmo o da Teolinda, que apesar de estar a andar, ainda não me convenceu. Hoje tentei persuadir um tipo, com estratégias de psicologia infantil invertida, a emprestar-me um livro que me recomendou e que está esgotado em todo o lado. Mas ao que parece, o livro está em parte incerta e nem a promessa da minha generosidade o impeliu a procurá-lo, e portanto preferiu ir comer percebas. Sim, que aqui no norte não há percebes, há percebas, e também não há merendas, há lanches e acabou a conversa. Portanto, se quiserem comer por cá aprendam a falar a nossa língua ou então sujeitem-se a apontar para as coisas. Hoje foi o primeiro dia em muitos, em que realmente parei. As tarefas urgentes que me atribuíram ficaram cumpridas ontem e por isso decidi meter um dia de férias. Sem a ansiedade dos segundos contados, andei a arrastar-me pela casa, numa espécie de gincana em que ganhava pontos a desviar-me das tarefas domésticas que saltavam para a minha frente. Tornei o meu dia no mais inútil possível. De manhã  dediquei-me à reprodução das músicas dos Xutos que fazem parte da playlist do youtube, "De Bragança a Lisboa...lá, lá lá", de tarde contabilizei as gotas de chuva que escorreram pelo vidro da janela do quarto e quando anoiteceu, liguei as luzes da árvore de Natal e sequenciei as intermitências que cada uma das séries foi produzindo. Até ao dia 26 vai ser assim, como que em modo poupança de energia, para aguentar a bebedeira de vinho do Porto caseiro que me espera na véspera de Natal. Por isso e sem mais delongas, aqui fica o que realmente interessa, o desejo de um Natal feliz para todos os que ainda perdem algum do seu tempo a ler as coisas que eu escrevo.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Quero viver mais um dia.

"Fazer amor ou falar contigo tinham algo em comum: num caso ou noutro deixávamo-nos ir, cedendo a uma espécie de música interior, excitávamo-nos mutuamente, num jogo de prazer em que a tensão crescia. E de repente, do encontro dos corpos ou das palavras, algo explodia e brilhava e se tornava imensamente claro: o amor, ou uma qualquer visão das coisas e do mundo."

A Cidade de Ulisses - Teolinda Gersão. (pp. 21)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Solidariedade feminina


Ando a ver televisão a mais

"When you don't have the answers, you've got to live with the questions"

Castle

domingo, 16 de dezembro de 2012

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

"They're pickin' up pieces of me..." again


És burro ou fazes-te?

Tenho cada vez mais dificuldade em distinguir a ingenuidade da dissimulação.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Entusiasmo



Sou só eu que acho que o Brad parece um trolha neste anúncio? Eu não tenho nada contra trolhas, pelo contrário, até gosto. São tipos que me levantam a auto-estima quando passo perto de uma obra, a mim e a qualquer outra, seja ela uma senhora de oitenta anos, ou a irmã do Ozzy Osbourne. Mas se é para ser trolha, que seja genuíno, daqueles que tem mãos calejadas e roupa suja de cimento e tinta, que as imitações armadas ao pingarelho não são para mim. E sou também só eu que acho que ele está metade do anúncio desprovido de qualquer expressão facial, a modos que a disfarçar e a dizer façam de conta que eu não estou aqui e a outra metade com um olhar de susto que indicia que às tantas aquilo de que fala não é tão fantástico quanto isso, muito pelo contrário? É suposto aquilo vender? Hummm!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Diálogo

"- I may call you.
- I may answer."

CSI Las Vegas


"They're pickin' up pieces of me..."*


Kings of medicine - Placebo

Pergunta(s)

Haverá maior perversidade que esta de mentirmos a nós próprios, só para que os outros acreditem no que lhes dizemos?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Não te movas.

"A plenitude do ser é algo difícil de se conservar em cativeiro. O cativeiro é uma forma de castigo que o Ocidente privilegia e se esforça por impor ao resto do mundo, condenando outras formas de castigo (a sova, a tortura, a mutilação, a execução), igualmente cruéis e não naturais. O que é que isto nos diz sobre nós? A mim, diz-me que a liberdade de movimentos de um corpo constitui o ponto em que a razão pode ferir, mais dolorosa e efectivamente, a essência do outro."
Elizabeth Costello - J. M. Coetzee. pp. 81

domingo, 9 de dezembro de 2012

O seu estado de espírito é definido pelas músicas que a atormentam # 16



Dizem estas meninas, numa outra música, que algo morre quando nos apaixonamos. A mim morrem-me as certezas e a já parca capacidade de decisão. Morrem-me também minutos nas horas e horas nos dias. E ainda assim, num exercício paradoxal, apesar de nunca serem suficientes, as horas tornam-se intermináveis e os dias demoram anos a passar.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Lisboa "Entre as brumas da memória"





(já fui e já vim, tudo dentro do dia de hoje, numa espécie de "visita relâmpago", conforme designou o amigo. a desculpa foi o circo, do qual fugi para passear, sozinha, na baixa-chiado. encontrei-a assim, conforme diz o poema, entre brumas e, não a soubesse já eu de memória, e tinha perdido o caminho de volta. na minha imagética, o nevoeiro pinta-se sempre de preto e branco. não poderia oferecê-la a cores)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Nem só em Roma se é romano

Arcadas Romanas

Dentro da imponente igreja católica os turistas acotovelam-se na semiobscuridade.
As abóbadas abocanhavam-se uma atrás da outra, impedindo uma vista geral.
Tremulavam algumas luzes de lamparinas.
Um anjo, sem rosto, abraçou-me
e segredou ao longo do meu corpo:
"Não te envergonhes de seres ente humano, tem antes orgulho nisso!
No teu íntimo abrem-se arcadas sem fim, infinitamente.
Nunca ficarás concluído, como está determinado."
Fiquei banhado em lágrimas
enquanto ia sendo empurrado para a piazza, banhada em sol,
junto com Mr. e Mrs. Jones, O Sr. Tanaka e a Signora Sabatini,
dentro de cada um deles abriam-se também arcadas, uma atrás da outra, infinitamente.

Tomas Tranströmer - 50 Poemas

Na minha aldeia


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Saudade

Lembro-me do meu avô paterno sempre com ambas as mãos ocupadas, um Kentucky entre os dedos amarelados da mão direita e algo para ler na mão esquerda. Os olhos de alfaiate nunca o traíram, e até aos seus últimos dias não largou a leitura. O que me faz pensar que isto do gosto pelas letras é hereditário, e que foi ele, sem sombra de dúvida, que passou o gene ao meu pai, que por seu lado mo legou na primeira tranche da herança. O meu avô paterno morreu com mais de 80 anos. Não sei bem ao certo quantos. Dirão que terei sido uma neta pouco interessada, mas a verdade é que sou muito distraída e tenho péssima memória para datas, de tal forma, que já me aconteceu ter de pensar duas vezes quando me perguntam a minha data de nascimento. No último ano da sua vida, o meu avô viu a sua mobilidade drasticamente reduzida, o que lhe causou uma tristeza imensa, como já vi em muito poucas pessoas. Sentia que que a vida já ia longa e que a falta de mobilidade e as dores que a acompanhavam (que eu acredito que seriam mais na alma que no corpo) o afastavam cada vez mais de si próprio e o conduziam para um autismo espacial consciente. A longevidade e a decrepitude tiraram-lhe a alegria. Porque não tinha doença que o justificasse, continuo a acreditar que se deixou morrer, que deixou que finalmente "o levassem". Não o Senhor, a quem o ouvi pedir mais do que uma vez nos dias mais difíceis, mas a falta de alegria. Um dia esgotou-se-lhe totalmente a vivacidade e deixou-se morrer de tristeza. Sempre que vejo nas notícias que alguém que morre muito velho, numa cama de hospital, despojado de algumas das suas capacidades, vem-me à memória a melancolia do meu avô. Nessas alturas cresce em mim a vontade de que, quando a morte me visitar, eu esteja a dançar.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Sou tão boa a criar desilusões.

Dores do crescimento

Recebi uma carta do Centro de Saúde, a convocar-me para ser vacinada contra o sarampo, a parotidite (vulgo papeira) e a rubéola. Mal abri a carta fiquei logo com suores frios. Haviam logo de lembrar-se de mim, que não gosto nada de agulhas, e que até na altura do parto dei graças por aquilo se ter despachado tão rápido que nem deu tempo para chamar o anestesista (parto natural sem anestesia, que eu a dor até aguento, as agulhas é que não). Mas pronto, como boa menina que sou, lá fui eu com o intuito de informar quem a mim se dirigisse que já tinha sido infectada por esse bichedo todo quando era criança, para ver se me dispensavam da tortura. E assim foi. A simpática da enfermeira lá anotou as informações que lhe dei e sossegou-me dizendo que não me voltariam a incomodar com tal coisa. Entretanto, no caminho de casa, enquanto revivi as doenças todas que tive em criança, e as curas alternativas a que me foram submetendo (ao que parece umas rezas junto do jugo dos bois ajudam a curar a papeira) recordei-me também do quanto gostava de ficar doente, porque isso significava que a minha mãe faltava ao trabalho para ficar comigo em casa, e que eu a tinha a mimar-me o dia todo, e apeteceu-me tanto voltar a ser uma menina pequenina.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Quase Haiku

Indiferença surda,
dilacera o peito,
cala a voz da alma.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Ensinamento(s)



Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

Natália Correia

Actualidade(s)

"Eis, portanto, outra psicologia. Foi de propósito senhores jurados, que eu próprio recorri à psicologia para ilustrar com um exemplo claro que, com ela, é possível concluir tudo o que quisermos. Depende de quem a utiliza. A psicologia incita a compor fábulas mesmo as pessoas muito sérias, e isso acontece-lhe involuntariamente  Estou a falar da psicologia a mais, do abuso dela."

Fiódor Dostoiévski - Os irmãos Karamazov. pp. 470-471, vol II